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terça-feira, 1 de novembro de 2016

LUTERO, MERCADORES DA FÉ E A REVOLUÇÃO PROTESTANTE


Em abril de 1521, sob a presidência de Carlos V, iniciou-se a célebre dieta de Worms, uma reunião em que estavam presentes as maiores autoridades dos principados alemães (os príncipes-eleitores) e da Igreja Romana (arcebispos), cujo assunto a ser tratado era um bispo que vinha causando muitos tumultos: Martinho Lutero, professor agostinho da cidade de Wittemberg.

O simples chamado para que Lutero comparecesse à audiência e desse explicações acerca de suas pregações e seus protestos em face de Igreja, por si, representava uma vitória incomensurável. Isto é, ao menos ele se fazia ser ouvido. Para muitos, a unidade e o poder quase inquestionável do Papa haviam sido abalados para sempre.

Lutero surgia como as pessoas haviam se acostumado a vê-lo: indumentária negra desgastada, tonsura (corte de cabelo redondo, típico de clérigos) recente. Duas horas após sua chegada, anunciou-se a chegada de Carlos V, transportado no seu trono.

A polêmica a ser tratada na reunião giraria a respeito do episódio ocorrido em outubro de 1517, quando Lutero desafiara a Igreja ao publicar suas 95 teses, que denunciavam especialmente o negócio vergonhoso da venda de indulgências.

O negócio denunciado por Lutero funcionava mais ou menos assim: um batalhão de monges enviados pela Igreja romana percorria a Alemanha e vendia indulgências, isto é, perdão oficial aos crentes, que ficariam portanto livres do castigo pelos pecados cometidos. Os lucros dessas vendas eram enviados ao papa Leão X, que os usava para pagar, entre outras coisas, a construção da basílica de São Pedro, no Vaticano.
Havia um vendedor de indulgências que ficou muito famoso: o monge dominicano Tetzel. Seu slogan era: “Assim que a moeda soar na caixa, a alma entrará no céu.”

Lutero foi bastante beneficiado pelos progressos da imprensa, após a invenção de Guttemberg. Suas idéias foram propagadas muito rapidamente.

Outro fator que ajudou muito Lutero foi a crescente oposição surgida entre membros da Igreja e da nobreza. Muitos príncipes alemães eram contra o modo como o dinheiro dos crentes (que também eram seus súditos) era desviado para os cofres da Igreja, em Roma. Lutero, para muitos deles, representava a chance de quebrar a coligação de poder formada pelo poder imperial de Carlos e pelo Papa.

O papa Leão X ordenou que se apresentasse em Roma, em 15818. Nesse momento Lutero conseguiu a adesão à sua causa de um dos personagens mais importantes em suas luta: o príncipe-eleitor da Saxônia Frederico, o Sábio. Foi ele quem conseguiu evitar a ida de Lutero a Roma. Em vez disso, Lutero foi ouvido em Augsburgo.

Nessa reunião (dieta de Augsburg), Lutero discutiu com Caetano, enviado do papa. No fim, não aceitou retratar-se. No ano seguinte, Lutero teve entreveros com Johannes Eck, em Leipzig. Ao fim, Lutero foi ameaçado com excomunhão. O prazo para retratação terminava no dia 10 de dezembro de 1520. Nesse dia, Lutero queimou diversos escritos papais, inclusive a bula que continha a ameaça contra si.

Como citado, o imperador alemão chamava-se Carlos V de Habsburgo. No entanto, apesar de seu um dos homens mais poderosos do mundo, cuja coroa foi garantida pelo papa e pelos príncipes-eleitores da Alemanha, Carlos teve de fazer muitas concessões para conseguir sua coroação. Uma delas foi a chamada capitulação imperial, um acordo com a Igreja e com os príncipes, que garantia que qualquer pessoa do império só poderia ser proscrita após ouvida. Se houvesse o banimento sem a prévia audiência, Carlos poderia enfrentar problemas políticos.

Frederico, o Sábio, exigiu a audiência de Lutero. Muitos outros príncipes subscreveram a petição. Por seu turno, a Igreja exigia que Carlos lavrasse uma sentença condenatória contra Lutero. Do embate daí surgido, nasceu a dieta de Worms.Para garantir que chegaria em segurança à cidade, emitiu salvo-conduto imperial em seu favor.

Após duas semanas de viagem, chegou a Worms em 16 de abril de 1521. Ao meio dia do dia seguinte, foi conduzido à corte do bispo e, após, adentrou no local da reunião. Em cima de uma mesa foram espalhadas diversas obras; perguntaram a Lutero se todos aqueles textos eram seus; Lutero solicitou que fosse lida toda a lista das obras ali presentes; após lida a lista, confirmou que eram todos textos de sua lavra. Quando perguntado se gostaria de se retratar pelas idéias ali expressas, solicitou um dia para refletir, que lhe foi concedido.

No dia seguinte, Lutero defendeu seus textos em alemão e, a pedido, repetiu sua defesa em latim. Quando inquirido novamente se gostaria de se retratar, respondeu: “Que me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão – porque não acredito nem no Papa nem nos concílios, já que está provado amiúde que estão errados contradizendo-se a si mesmos. Pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido à minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isso, não posso nem quero retratar-me de nada. Porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável.”

Algumas lendas a seu respeito ainda sobrevivem. Não está provado que tenha terminado seu discurso com a frase “Que Deus me ajude!”. Também não deve ter pregado suas 95 teses na porta de Igreja, em Wittemberg. Provavelmente apenas os distribuiu.

No dia seguinte à dieta, o imperador comunicou seu Édito de Worms. Por este, Carlos se comprometia a defender a fé verdadeira e a não tolerar um herege como Lutero. Nesse momento, diversos príncipes começaram a se movimentar para oferecer proteção a Lutero.

Conforme havia exposto em sua defesa, Lutero havia pedido provas nas Escrituras de que seus argumentos iam contra a fé católica proclamada pela Igreja. Foi elaborada uma comissão de representantes da Igreja e de príncipes para apresentar a Lutero as provas que solicitara. Em 24 de abril voltou a ser chamado, mas não lhe foram apresentadas quaisquer provas. Novamente, negou a retratar-se. Também negou um pacto, pelo qual poderia partir sem qualquer castigo em troca de nunca mais expressar suas opiniões.

Ao fim, Carlos comunicou a Lutero que manteria o salvo-conduto em seu favor apenas pelos próximos 21 dias. Vindo em seu auxílio, Frederico comunicou-lhe o plano de fingir seu seqüestro, para levá-lo a um local seguro.

Em 8 de maio, Carlos declarou Lutero fora da lei, podendo qualquer cidadão matá-lo.

Após fingir seu seqüestro, Lutero foi instalado em segurança no Castelo de Wartburg, onde, por 12 anos, dedicou-se a traduzir a bíblia para o alemão (usando o pseudônimo de Junker Jorg). O alemão moderno descende em grande parte de sua pena.

Apenas por sua firmeza de caráter e dignidade pessoal, Lutero desencadeou a Reforma Protestante, que revolucionaria a história da Europa e do mundo.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: “A História do mundo em 50 frases.”    




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