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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

COMO A HISTÓRIA PASSOU A SER CONTADA PELAS MITOCÔNDRIAS


Após o modelo do DNA desenvolvido pelos cientistas Watson e Crick, muitos cientistas foram conferi-lo com mais cuidado quando, em 1963, fizeram outra importante descoberta. Ao analisar, com o microscópio, mitocôndrias, órgãos celulares no formato de feijões e responsáveis por produzir energia, encontraram evidências de que as mitocôndrias têm seu próprio DNA.

A responsável por levar a ciência a essa descoberta foi a cientista Lynn Margulis. Sua teoria chamava-se endossimbiose. Era bem simples: todos descendemos do primeiro micróbio da Terra; portanto todos os organismos vivos de hoje partilham centenas de genes com aqueles micróbios (inclusive nós, claro); algum tempo, milhões provavelmente, esses micróbios, inicialmente muito parecidos, começaram a divergir em suas formas; alguns cresceram, outros não; a diferença de estatura criou oportunidades de sobrevivência. Alguns micróbios, os grandes, passaram a engolir e digerir os menores. Os menores também desenvolveram ataques às partes internas dos maiores, infectando-os. Um dia, um micróbio engoliu outro, porém nada ocorreu. Entretanto o hospedeiro também não conseguiu se livrar do menor. Com o tempo, passaram a cooperar. O menor pôde se especializar em gerar energia a partir do oxigênio. A maior pôde deixar de produzi-lo por si própria e passou a fornecer alimentos e um lar ao organismo menor. Foi uma divisão de tarefas que beneficiou a ambas. Os organismos menores são as tais mitocôndrias.

O resultado de seu trabalho foi esse: 15 publicações rejeitaram o trabalho sobre endossimbiose; muitos cientistas se mostraram contra. Mas Lynn era muito combativa e não parava de reunir evidências.

Nós herdamos esse DNA de forma diferente do DNA cromossômico: exclusivamente das mães. Elas são as únicas fornecedoras de mitocôndrias à prole. Afinal, somente células completas poderiam transmitir material localizado fora do núcleo. As trocas de material de dentro de fora do DNA cromossômico levaram ao desaparecimento de certos genes, após 3 bilhões de anos.

Na abertura de um evento, Lynn Margulis deixou patente o prazer que sentia em chocar seus colegas. Perguntou inicialmente: “Há algum biólogo de verdade aqui? Biólogos moleculares?” Diante de algumas mãos levantadas, riu-se: “Ótimo. Vocês vão odiar o que vou dizer”.

A disputa entre os prós e os contras da endossimbiose seguiu até os anos 1980. Novos escâneres mostraram que o DNA mitocondrial não é organizado linearmente, mas circularmente, como as bactérias. Conseguiu-se achar até um parente vivo das mitocôndrias: as bactérias tifoide.

O mesmo foi identificado em relação aos cloroplastos, que fazem a fotossíntese das plantas: também contêm DNA circular. A explicação também era a mesma: bactérias engoliram cianobactérias fotossintetizantes.

O passo seguinte foi usar as mitocôndrias para desvendar alguns mistérios da vida na Terra. Após o surgimento das primeiras moléculas orgânicas no planeta. Eram moléculas simples e ricas em carbono que se tornaram complexos aminoácidos a partir da energia de ventos vulcânicos no fundo dos oceanos, por exemplo. Algumas substâncias provavelmente vieram do espaço, em asteroides de gelo. Como o gelo é "xenófobo", no sentido de que expulsa todo tipo de impureza, termina por facilitar a formação de estruturas moleculares que se aproveita de sua estrutura química.

Um bilhão de ano após, surgiram micro-organismos autônomos. A partir de então surgiram muitas espécies, aceleradamente. Depois, a evolução se estabilizou no bilhão de anos subseqüente.

O grande obstáculo era a energia bastante limitada com que contavam. Micróbios primitivos gastam 2% de sua energia total copiando e mantendo o DNA. Porém, 75% desta energia é gasta fazendo proteínas a partir do DNA. Portanto não haveria energia disponível para que a célula desenvolvesse um estômago ou uma vesícula nova.

A energia barata gerada pelas mitocôndrias pôs um fim nessa limitação. Proporcionalmente falando, elas armazenam mais energia por unidade do que os relâmpagos. Após as mitocôndrias, as células expandiram seu DNA em 200 mil vezes.

O mtDNA também deu nascimento à arqueologia genética. Como o DNA mitocondrial fica localizado nas células, enquanto os genes cromossômicos ficam concentrados no núcleo, quando arqueólogos desencavam e analisam os “homens das cavernas” (ou múmias), em geral eles acham mtDNA.

E não pára por aí. Os espermatozoides transportam quase que exclusivamente DNA nuclear, cromossômico. Os óvulos maternos são bem mais espaçosos, de forma a que a prole herde apenas mtDNA da mãe. Portanto as proles de fêmeas sofrem muito pouca alteração ao longo das gerações em seus mtDNA. É ideal para mapear ancestrais maternos.

A ciência sabe que mutações genéticas no mtDNA levam cerca de 3.500 anos para se acumular numa linhagem. O mtDNA funciona, assim, como um relógio. Ao comparar dois indivíduos, quanto mais mutações forem encontradas em seu mtDNa, mais anos decorreram desde dado ancestral materno. Aliás, calcula-se que as cerca de 7 bilhões de pessoas no Planeta descendem de um ancestral materno comum que viveu 170 mil anos atrás na África – é a denominada Eva Mitocondrial. Não foi a única mulher viva na época, mas é a mais antiga ancestral matrilinear de todos os humanos.

Respire fundo e sinta milhões de anos de evolução trabalhando dentro de suas células.



Rubem L. de F. Auto

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