Após o modelo do DNA desenvolvido
pelos cientistas Watson e Crick, muitos cientistas foram conferi-lo com mais cuidado
quando, em 1963, fizeram outra importante descoberta. Ao analisar, com o
microscópio, mitocôndrias, órgãos celulares no formato de feijões e
responsáveis por produzir energia, encontraram evidências de que as
mitocôndrias têm seu próprio DNA.
A responsável por levar a ciência
a essa descoberta foi a cientista Lynn Margulis. Sua teoria chamava-se
endossimbiose. Era bem simples: todos descendemos do primeiro micróbio da
Terra; portanto todos os organismos vivos de hoje partilham centenas de genes com
aqueles micróbios (inclusive nós, claro); algum tempo, milhões provavelmente,
esses micróbios, inicialmente muito parecidos, começaram a divergir em suas
formas; alguns cresceram, outros não; a diferença de estatura criou
oportunidades de sobrevivência. Alguns micróbios, os grandes, passaram a
engolir e digerir os menores. Os menores também desenvolveram ataques às partes
internas dos maiores, infectando-os. Um dia, um micróbio engoliu outro, porém
nada ocorreu. Entretanto o hospedeiro também não conseguiu se livrar do menor.
Com o tempo, passaram a cooperar. O menor pôde se especializar em gerar energia
a partir do oxigênio. A maior pôde deixar de produzi-lo por si própria e passou
a fornecer alimentos e um lar ao organismo menor. Foi uma divisão de tarefas
que beneficiou a ambas. Os organismos menores são as tais mitocôndrias.
O resultado de seu trabalho foi
esse: 15 publicações rejeitaram o trabalho sobre endossimbiose; muitos
cientistas se mostraram contra. Mas Lynn era muito combativa e não parava de
reunir evidências.
Nós herdamos esse DNA de forma
diferente do DNA cromossômico: exclusivamente das mães. Elas são as únicas
fornecedoras de mitocôndrias à prole. Afinal, somente células completas
poderiam transmitir material localizado fora do núcleo. As trocas de material
de dentro de fora do DNA cromossômico levaram ao desaparecimento de certos
genes, após 3 bilhões de anos.
Na abertura de um evento, Lynn
Margulis deixou patente o prazer que sentia em chocar seus colegas. Perguntou
inicialmente: “Há algum biólogo de verdade aqui? Biólogos moleculares?” Diante
de algumas mãos levantadas, riu-se: “Ótimo. Vocês vão odiar o que vou dizer”.
A disputa entre os prós e os contras
da endossimbiose seguiu até os anos 1980. Novos escâneres mostraram que o DNA
mitocondrial não é organizado linearmente, mas circularmente, como as
bactérias. Conseguiu-se achar até um parente vivo das mitocôndrias: as
bactérias tifoide.
O mesmo foi identificado em relação
aos cloroplastos, que fazem a fotossíntese das plantas: também contêm DNA
circular. A explicação também era a mesma: bactérias engoliram cianobactérias
fotossintetizantes.
O passo seguinte foi usar as
mitocôndrias para desvendar alguns mistérios da vida na Terra. Após o
surgimento das primeiras moléculas orgânicas no planeta. Eram moléculas simples
e ricas em carbono que se tornaram complexos aminoácidos a partir da energia de
ventos vulcânicos no fundo dos oceanos, por exemplo. Algumas substâncias
provavelmente vieram do espaço, em asteroides de gelo. Como o gelo é "xenófobo", no sentido de que expulsa todo tipo de impureza, termina por facilitar a formação de estruturas moleculares que se aproveita de sua estrutura química.
Um bilhão de ano após, surgiram
micro-organismos autônomos. A partir de então surgiram muitas espécies,
aceleradamente. Depois, a evolução se estabilizou no bilhão de anos subseqüente.
O grande obstáculo era a energia
bastante limitada com que contavam. Micróbios primitivos gastam 2% de sua
energia total copiando e mantendo o DNA. Porém, 75% desta energia é gasta fazendo
proteínas a partir do DNA. Portanto não haveria energia disponível para que a
célula desenvolvesse um estômago ou uma vesícula nova.
A energia barata gerada pelas
mitocôndrias pôs um fim nessa limitação. Proporcionalmente falando, elas
armazenam mais energia por unidade do que os relâmpagos. Após as mitocôndrias,
as células expandiram seu DNA em 200 mil vezes.
O mtDNA também deu nascimento à
arqueologia genética. Como o DNA mitocondrial fica localizado nas células,
enquanto os genes cromossômicos ficam concentrados no núcleo, quando
arqueólogos desencavam e analisam os “homens das cavernas” (ou múmias), em
geral eles acham mtDNA.
E não pára por aí. Os
espermatozoides transportam quase que exclusivamente DNA nuclear, cromossômico.
Os óvulos maternos são bem mais espaçosos, de forma a que a prole herde apenas
mtDNA da mãe. Portanto as proles de fêmeas sofrem muito pouca alteração ao
longo das gerações em seus mtDNA. É ideal para mapear ancestrais maternos.
A ciência sabe que mutações
genéticas no mtDNA levam cerca de 3.500 anos para se acumular numa linhagem. O
mtDNA funciona, assim, como um relógio. Ao comparar dois indivíduos, quanto
mais mutações forem encontradas em seu mtDNa, mais anos decorreram desde dado
ancestral materno. Aliás, calcula-se que as cerca de 7 bilhões de pessoas no
Planeta descendem de um ancestral materno comum que viveu 170 mil anos atrás na
África – é a denominada Eva Mitocondrial. Não foi a única mulher viva na época,
mas é a mais antiga ancestral matrilinear de todos os humanos.
Respire fundo e sinta milhões de
anos de evolução trabalhando dentro de suas células.
Rubem L. de F. Auto
Nenhum comentário:
Postar um comentário