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terça-feira, 22 de novembro de 2016

NAÇÕES MARÍTIMAS EUROPÉIAS E O DENTE DE BUDA


A Europa já foi referida por alguns como uma “península de penínsulas”, rodeada por “lagos” (Mediterrâneo, Báltico, mar do Norte, Canal da Mancha, mar da Irlanda). Em face dessa geografia, é fácil entender que tivessem desenvolvido um denso sistema de comunicações marítimas. A reboque desse sistema, surgiram novas técnicas de construção de navios e melhorias incrementais de desempenho.

Bem antes de 1400, surgiram vários Estados marítimos: Veneza, Gênova, Aragão, Portugal, Dinamarca, Noruega, liga Hanseática, Inglaterra e Holanda. Eram conhecidos como “países marinheiros”. Os empreendimentos marítimos envolviam: pesca, comércio e pirataria. Esta última era usada como reação a eventuais expulsões de rotas comerciais por concorrentes melhor armados.

Por volta de 1570, o mapa-mundi de Ptolomeu já tinha sido plenamente substituído pelo de Abraham Ortelius. No final daquele século, já existiam diversos relatos impressos e literaturas de viagem (ficcionais ou não). Surgiam também sinais de incremento comercial a cargo de viagens marítimas de longa distância, como a forte concorrência pelo bacalhau no mar do Norte, que já mobilizava cerca de 350 navios por volta de 1570 – espanhóis, portugueses, franceses, ingleses, holandeses.

Outro exemplo do que o poder de navegação poderia realizar ocorria no Império Habsburgo espanhol. A parte americana do império se estendia do Chile ao Novo México, atravessava o Pacífico e ia até as Filipinas. Esta travessia do Pacífico era a rota seguida pela prata mexicana, que era enviada ao Oriente, em troca de bens de luxo chineses, que eram enviados  de volta à América. Essa viagem durava seis meses e houve o caso o galeão Mary Celeste, quando toda a tripulação morreu durante a travessia. A rota Manila-Acapulco funcionou entre 1565 e 1815.

A prata mexicana representava 80% do total circulante no mundo entre 1494 e 1850. A entrada de toda essa fortuna nos mercados asiáticos causou alteração de preços nos Impérios Otomano e Ming (chinês) – mas também na Europa. Circulavam essencialmente mercadorias de luxo em direção aos mercados europeus. No século XVI partiam em média 57 navios de Lisboa para o Oriente.

Importante notar que, nesse período, o setor em que a tecnologia européia era claramente superior à das demais nações era o de armamento: pólvora. A artilharia otomana recorria a especialistas europeus. Essa tecnologia alterou completamente a “arte da guerra” no Japão.

Não existia um fosso tecnológico entre qualquer dos atores globais da época – o que também era conseqüência desse intercâmbio tecnológico. Porém, eventualmente, surgiam conflitos. Um dos mais marcantes ficou conhecido como o “dente de Buda”. Em 1560, o vice-rei de Goa iniciou uma invasão a um reino budista: Jafna (atual Sri-Lanka). Recolheram diversos despojos, entretanto havia entre eles uma verdadeira relíquia da cultura budista: o dente de Buda.

A notícia da perda dessa relíquia se espalhou rapidamente pelos Estados budistas. O rei da Birmânia fez uma oferta milionária pela relíquia, que foi imediatamente aceita pelo vice-rei. Contudo, antes que a devolução ocorresse, a Inquisição apareceu.

A Inquisição, nessa época, trava conflitos permanentes contra qualquer cultura não-cristã no Oriente, acusando-as de heresia ou superstição. Chegou ao cúmulo de proibir ritos hindus em territórios portugueses na Índia.

Esses fanáticos cristãos, evidentemente, viram na relíquia uma vitória do cristianismo na sua guerra contra os pagãos: mandaram o vice-rei moer e queimar o dente de Buda.

  
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Ascensão e queda dos impérios globais”

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