A Europa já foi referida por
alguns como uma “península de penínsulas”, rodeada por “lagos” (Mediterrâneo,
Báltico, mar do Norte, Canal da Mancha, mar da Irlanda). Em face dessa
geografia, é fácil entender que tivessem desenvolvido um denso sistema de
comunicações marítimas. A reboque desse sistema, surgiram novas técnicas de construção
de navios e melhorias incrementais de desempenho.
Bem antes de 1400, surgiram
vários Estados marítimos: Veneza, Gênova, Aragão, Portugal, Dinamarca, Noruega,
liga Hanseática, Inglaterra e Holanda. Eram conhecidos como “países marinheiros”.
Os empreendimentos marítimos envolviam: pesca, comércio e pirataria. Esta
última era usada como reação a eventuais expulsões de rotas comerciais por
concorrentes melhor armados.
Por volta de 1570, o mapa-mundi
de Ptolomeu já tinha sido plenamente substituído pelo de Abraham Ortelius. No
final daquele século, já existiam diversos relatos impressos e literaturas de
viagem (ficcionais ou não). Surgiam também sinais de incremento comercial a
cargo de viagens marítimas de longa distância, como a forte concorrência pelo
bacalhau no mar do Norte, que já mobilizava cerca de 350 navios por volta de
1570 – espanhóis, portugueses, franceses, ingleses, holandeses.
Outro exemplo do que o poder de
navegação poderia realizar ocorria no Império Habsburgo espanhol. A parte americana
do império se estendia do Chile ao Novo México, atravessava o Pacífico e ia até
as Filipinas. Esta travessia do Pacífico era a rota seguida pela prata
mexicana, que era enviada ao Oriente, em troca de bens de luxo chineses, que
eram enviados de volta à América. Essa
viagem durava seis meses e houve o caso o galeão Mary Celeste, quando toda a
tripulação morreu durante a travessia. A rota Manila-Acapulco funcionou entre
1565 e 1815.
A prata mexicana representava 80%
do total circulante no mundo entre 1494 e 1850. A entrada de toda essa fortuna
nos mercados asiáticos causou alteração de preços nos Impérios Otomano e Ming
(chinês) – mas também na Europa. Circulavam essencialmente mercadorias de luxo
em direção aos mercados europeus. No século XVI partiam em média 57 navios de
Lisboa para o Oriente.
Importante notar que, nesse
período, o setor em que a tecnologia européia era claramente superior à das
demais nações era o de armamento: pólvora. A artilharia otomana recorria a
especialistas europeus. Essa tecnologia alterou completamente a “arte da guerra”
no Japão.
Não existia um fosso tecnológico
entre qualquer dos atores globais da época – o que também era conseqüência desse
intercâmbio tecnológico. Porém, eventualmente, surgiam conflitos. Um dos mais
marcantes ficou conhecido como o “dente de Buda”. Em 1560, o vice-rei de Goa
iniciou uma invasão a um reino budista: Jafna (atual Sri-Lanka). Recolheram
diversos despojos, entretanto havia entre eles uma verdadeira relíquia da
cultura budista: o dente de Buda.
A notícia da perda dessa relíquia
se espalhou rapidamente pelos Estados budistas. O rei da Birmânia fez uma
oferta milionária pela relíquia, que foi imediatamente aceita pelo vice-rei.
Contudo, antes que a devolução ocorresse, a Inquisição apareceu.
A Inquisição, nessa época, trava
conflitos permanentes contra qualquer cultura não-cristã no Oriente, acusando-as
de heresia ou superstição. Chegou ao cúmulo de proibir ritos hindus em
territórios portugueses na Índia.
Esses fanáticos cristãos,
evidentemente, viram na relíquia uma vitória do cristianismo na sua guerra
contra os pagãos: mandaram o vice-rei moer e queimar o dente de Buda.
Rubem L. de F. Auto
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