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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MICROCEFALIA E O CÉREBRO DE EINSTEIN


A inteligência humana costuma ser estudada pela forma e rapidez com que o DNA se dissemina por uma população. Em 2005, cientistas informaram que dois genes, que já eram produto de mutações anteriores, conseguiram se disseminar em grande quantidade: o gene da microcefalia, que se disseminou 37 mil anos atrás; e o gene ASPM (relacionado às divisões celulares que resultam em neurônios), 6 mil anos atrás.

Seguindo o ritmo da natureza, caso dada mutação se dissemine, esta mutação provavelmente trouxe vantagens, mostrou-se benéfica para a espécie. No entanto, descobriu-se um efeito carona na transmissão genética. Caso certo gene se encontre muito próximo de outro, poderão ser repassado conjuntamente, sem que o organismo consiga dividir o DNA no ponto específico de separação. Isto é, genes que podem não ser benéficos, podem ser passados aos herdeiros por meio de carona com outro, este sim benéfico.

Cientistas verificaram que tanto o gene da microcefalia quanto o ASPM foram disseminados por efeito carona.

Em 2005, o geneticista Bruce Lahn passou a pesquisar a relação entre genes da microcefalia e ASPM e a influência deles sobre o crescimento dos neurônios. Ele não só percebeu diversas versões desses genes como ainda pôde visualizar diversos caronas. Outra coisa que lhe chamou a atenção foi a velocidade estonteante com que se espalharam.

Essa velocidade de disseminação só poderia ser conseqüência de alguma eventual vantagem que tais genes possam ter trazido à espécie. Sabendo que esses genes têm influência sobre a produção de neurônios, Lahn argumentou que eles trouxeram alguma vantagem no campo cognitivo, incrementando nossa inteligência.

De fato. No entanto, as versões tanto da microcefalia quanto do ASPM que aumentam a capacidade do cérebro são específicas, e se disseminaram entre 3.500 a.C. e 4 mil a.C. Foi nesse período que surgiram as primeiras artes simbólicas e as primeiras cidades.

O passo seguinte deu origem a muitas confusões na academia. Essa versão que aumenta a inteligência foi observada mais frequentemente entre asiáticos e caucasianos do que entre africanos. Racismo? Isso foi argumentado.

O ponto é que a próprio questionamento sobre a eventual existência biológica de raças é questionada. E a razão alegada é que alguns grupos étnicos respondem muito mal a certos medicamentos, como o contra hepatite C e doenças cardíacas, entre outras. Outras populações respondem biologicamente muito mal à fartura de alimentos dos tempos modernos, em contraste com as condições de escassez que as acompanharam ao longo da evolução.

Existe uma teoria que diz que descendentes de escravos capturados na África ajudam a elevar as taxas de hipertensão até hoje. A razão é que o organismo daquelas pessoas acumulava com mais facilidade nutrientes, como o sal, o que lhes permitia maior resistência e capacidade de sobrevivência, tanto em seus locais de origem como para a própria viagem transoceânica em navios negreiros, que tantas vítimas fez. Por outro lado, seus descendentes têm acesso a uma quantidade de sal e demais nutrientes em excesso, o que se reflete em diversos problemas de saúde.

Outra doença que depõe contra a inexistência biológica de grupos distintos a ponto de apontarem para a existência de raças humanas é a AIDS. Alguns grupos étnicos apresentam indivíduos com imunidade ao HIV – e por razões que variam bioquimicamente entre os grupos.

O mesmo ocorre com Doença de Crohn, diabetes, câncer de mama e outras. Alguns cientistas dizem que argumentar pela inexistência de raças pode prejudicar os pacientes. Raças, no ponto de vista deles, seriam populações que apresentam versões diferentes de certos genes.

Segundo alguns deles, ao mapear esses genes com versões significativamente diferentes, chegam-se aos grupos tradicionalmente apontados como raças: africanos, asiáticos, caucasianos ... O que tirou o impulso inicial de fazer uso dessa classificação são os cruzamentos geográficos, que geram muitas justaposições e sobreposições genéticas. Caso clássico são os indianos, nascidos num cruzamento geográfico milenar. Nestes últimos, o conceito de raça torna-se completamente impreciso.

Quanto aos efeitos práticos desses genes, observou-se que eles pareciam auxiliar os espermatozóides a bater a cauda com mais velocidades. Também trazem novas defesas ao sistema imunológico. Por fim: pessoas portadoras desses genes tiveram melhor desempenho em testes de QI.

Interessante comparar o que está descrito acima com o impacto que esses genes tiveram primeiramente no corpo humano. Cerca de 30 mil a.C., nosso DNA reduziu o tamanho médio do corpo humano em 10%. O cérebro humano foi reduzido em 10%, também – acredita-se que se tenha reduzido ainda mais, desde então. Quem fez isso?

Desde então caiu por terra qualquer menção à relação entre tamanho do cérebro e inteligência superior. Alguns números: o cérebro humano pesa em média 1,4 Kg; o cérebro de Ivan Turguêniev pesava 2 Kg; Daniel Webster e Charles Babbage, um estadista e um matemático famosos, tinham cérebros na média. O grande poeta Walt Whitman tinha um cérebro de vergonhosos 1,25 Kg. O criador da frenologia, ciência que estuda as regiões cerebrais e suas funções, Franz J. Gall, tinha um “cerebrozinho” de 1,2 Kg.

Desses testes, certamente o mais famoso foi o “roubo” do cérebro de Einstein. O físico alemão morreu no dia 18 de abril de 1955, de hemorragia interna após sofrer um aneurisma na aorta. Um dos homens mais admirados do mundo, foi submetido a uma junta médica internacional, mas não resistiu. Surgiu então a pergunta: quanto pesaria o cérebro de um dos homens mais inteligentes do mundo? Einstein não concordou com a idéia de bisbilhotarem seu cérebro após sua morte porque detestava a idéia de que este pudesse ser tratado como relíquia, algo que lembrava religião ... Não combinava consigo e com sua modesta.

Porém, o patologista de plantão quando da chegada do corpo, Thomas Harvey, não resistiu à curiosidade e até se imaginou fazendo um favor à humanidade quando planejou como “roubar” o cérebro do criador da Teoria da Relatividade. Como Einstein exigiu ser queimado, Harvey extraiu o cérebro inteiro, sem avisar a ninguém, e devolveu o corpo à família.

Interessante dizer que um médico de Nova Jersey “roubou” os globos oculares de Einstein, em 1955. Anos depois ele recusou uma oferta milionária de Michael Jackson pelas “bilhas” do gênio. O resto do corpo foi cremado, algum tempo depois, sem mais “desvios” de órgãos.

Após a pesagem, a dúvida virou decepção: 1,22 Kg, abaixo da média dos humanos. Quando a notícia se espalhou – a cremação ainda não havia ocorrido -, a família protestou, mas terminou concordando que se realizassem outros estudos na massa cinzenta do cientista.

Apenas três estudos foram publicados com base no órgão central de Einstein: realmente não acharam nada de extraordinário. Talvez pesquisas relacionadas ao método de crescimento do cérebro possam trazer algum resultado posterior, que apontem alguma característica física que explique diferentes desempenhos.

A tese de que o tamanho do cérebro explica sua capacidade saiu de “moda”. Em seu lugar, as pesquisas focavam no tamanho de certas áreas do cérebro. Os primatas apresentam axônios: prolongamentos carnudos de neurônios. As informações circulam com mais velocidade. Outro fator importante é a espessura do córtex – região sede de pensamentos, sonhos etc. Certos genes são cruciais nesse processo.

E aí nossa historinha chega ao ponto! O fato de que a espessura do córtex é um fator relevante no desenvolvimento da inteligência e de que genes são os responsáveis por esse desenvolvimento fica claro quando esse processo não corre com eficácia: desenvolvem-se cérebros pequenos e primitivos. Um desses genes é o ASPM – primatas têm trechos extras de DNA de ASPM em relação a outros mamíferos. As tiras extras de aminoácidos (isoleucina e glutamina, a “química da inteligência”) formados se acumulam no córtex.
Outra função fulcral dos genes de ASPM é o aumento da densidade de neurônios – também fator essencial da inteligência. Esse processo ocorre nos primeiros dias de vida, quando a maior parte de nossas células é de células-tronco (células não especializadas, que podem se tornar qualquer outra).  O mesmo vale para os neurônios.

O ponto é: quando uma célula-tronco se torna um neurônio, a produção pára. Somente novas células-tronco se tornam neurônios. Um cérebro grande exige acúmulo de células-tronco. Portanto a divisão celular inicialmente deve ocorrer entre células-tronco gerando novas células-tronco, antes que se especializem em neurônios.

A divisão celular é controlada pelos genes ASPM, que controlam os fusos que ligam os cromossomos. Se ocorrer algum erro nesse processo, os neurônios podem se formar cedo demais e o cérebro que se forma é defeituoso. O ASPM não garante cérebros grandes, mas cheio de neurônios.

Voltando ao cérebro de Einstein, embora pequeno, era bastante denso em função do formato do seu córtex pré-frontal. Esta parte do cérebro coordena os pensamentos e é responsável por resolver problemas e dividir tarefas em etapas.

Quanto às rugas e dobras no cérebro, há algo também interessante. Elas por si sós não garantem mais Inteligência, mas macacos menos espertos possuem menos rugas que os cérebros de macacos mais inteligentes. Crianças que sofrem da síndrome do “cérebro liso” apresentam sério retardamento. Quando nossos genes começam a enrugar nosso cérebro (afinal, nascemos com ele quase liso), estamos nos distanciando de nossos ancestrais, desde primatas.

Einstein tinha corrugações diferenciadas na região do córtex do lobo parietal – responsável pelo raciocínio matemático, processamento de imagens, sons, dentre outros sentidos. Ele disse que pensava em física por meio de imagens ...

Seu córtex também era 15% mais espesso que o das demais pessoas.

Por outro lado, uma parte de seu cérebro chamada opérculo parietal parecia ausente. Essa parte do cérebro ajuda a produzir imagens: Einstein começou a falar aos dois anos e porque até os sete tinha que pronunciar em voz alta as sentenças que pretendesse formular. Quer mais um detalhe: a falta dessa região, por seu turno, pode tornar as transmissões de informações mais rápidas.

Conclusão: vamos esperar mais descobertas nesse campo ...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “O polegar do violinista”

         

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