Até que a humanidade fosse capaz
de formular questionamentos existenciais, foram necessários milhares de anos.
Daí adiante, os períodos foram encolhendo a escalas ínfimas de tempo. Os povos
Neolíticos começaram a estabelecer pequenas aldeias, que cresceram e passaram a
produzir alimentos em escala maior e a densidade populacional acompanhou esse
crescimento, indo de uma pessoa por 2,5 km quadrados para cem pessoas nesse
mesmo espaço.
A mais importante dessas pequenas
aldeias foi Çatalhoyuk, construída por volta de 7.500 a.C. na Turquia central,
algumas centenas de quilômetros a oeste de Gobekli Tepe.
A população local tinha por
hábito: caçavam búfalos, porcos, cavalos selvagens; colhiam tubérculos silvestres,
bolotas, gramíneas, pistache. A agricultura doméstica era muito pouco praticada.
Os habitantes construíam e
mantinham suas próprias casas, fato decorrente das ferramentas ali encontradas.
Também foram achados objetos de arte. Não há resquícios de qualquer divisão do
trabalho, a despeito de ali viverem mais de 8 mil pessoas – cerca de 2 mil
famílias. Cada um cuidando da sua própria vida.
Essa é a razão para que
Çatalhoyuk ser considerada aldeia, não cidade. A diferença não é apenas o tamanho.
Baseia-se nas relações sociais da população e na maneira como essas relações
lidam com os meios de produção e distribuição. Nas cidades há divisão do
trabalho, ou seja, indivíduos e famílias podem obter bens e serviços de outros
indivíduos e famílias. Possibilita-se, assim, que alguns indivíduos se dediquem
a atividades mais especializadas, pois os bens de que todos necessitam passam a
estar à disposição de todos. Exemplos de atividades especializadas surgidas
após pessoas se desobrigaram das atividades agrícolas, após a divisão do
trabalho, são: artesãos, sacerdotes, soldados.
Não era o caso de Çatalhoyuk, em
que as pessoas exerciam suas atividades de maneira mais ou menos independente
uma das outras.
Ok. Mas então o que os unia, se
não a possibilidade de ter mais bens e serviços à disposição de todos, contribuindo
para o enriquecimento da aldeia? A resposta pode ter sido a mesma de Gobekli
Tepe: cultura e crenças espirituais comuns. De maneira mais clara: as mesmas reflexões
sobre a morte. A temível frugalidade da existência humana.
Em suas longas jornadas, os
nômades não podiam se dar ao luxo de carregar seus mortos consigo. Era comum
que os mais velhos e doentes fossem deixados para trás. Em Çatalhoyuk surgiu
uma prática diversa. As unidades familiares eram próximas em vida, mas também após
a morte. Os mortos eram enterrados sob o chão das residências. Acharam-se
setenta corpos enterrados sob uma delas. Alguns eram desenterrados após um ano
e tinham suas cabeças cortadas para serem usadas em rituais.
Outra diferença observada era
relacionada ao modo como os animais eram tratados e vistos pelos homens. Quando
caçadores, os homens estabeleciam uma relação de parceria, de amizade com os
animais. Estes doavam sua vida para o homem, que não se via num plano superior
em relação a eles. Em Çatalhoyuk, eram comuns desenhos de pessoas atiçando
animais, procurando dominá-los. Passaram a ser vistos como utilidades, não como
seres vivos.
Assim surgiu a domesticação dos
animais. Nos 2 mil anos seguintes, domesticamos carneiros, cabras, gado e porcos.
Começou com a tentativa de mantê-los a salvo dos predadores até a idade do
abate. Com o tempo e sem mais precisar desenvolver mecanismos de defesa na
natureza, desenvolveram um comportamento mais dócil, cérebros menores e menos
inteligência. A seguir, o homem partiu para controlar também as plantas: trigo,
cevada, lentilha, ervilha. Nasceram os jardineiros em lugar dos coletores.
Em que descambaram essas
invenções? NA necessidade de entender os mecanismos da natureza, suas regras.
Seria útil, agora, saber como os animais se reproduziam, como as plantas cresciam
... nasceu a ciência. Evidente seu caráter era eminentemente prático. Somente
após o método científico passamos a pensar em ciência de maneira mais abstrata.
A caça e coleta de alimentos passaram
à caça e coleta do conhecimento.
Rubem L. de F. Auto
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