Pesquisar as postagens

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

POPPER E O DISCURSO CONSERVADOR E A SOCIEDADE ABERTA


O marxismo, na interpretação de Vladimir Ilich Lenin, transformou radicalmente a Rússia depois da revolução de 1917. A partir de 1924, sob Stalin, por diversos motivos, o país se transformou numa ditadura absoluta.

Também no século XX surgia o fascismo. Ideologia rival em suas promessas de um futuro melhor, abraçava desinibidamente o autoritarismo.

Entre suas diferenças, o fascismo não pregava a igualdade, mas o elitismo étnico. O fascismo postulava a luta de raças entre os povos, numa inspiração darwinista, e pregava a vitória do mais forte. Importante notar que não há qualquer base científica nesse discurso: não há raças humanas há muitos milhares de anos; na natureza, não vence o mais forte, mas o mais adaptado.

Nessa época, em Viena, um jovem chamado Karl Raimund Popper sentiu-se atraído pelas idéias marxistas. Com o fim da I Guerra Mundial, filiou-se aos comunistas. Foi um dos intelectuais a guiar algumas manifestações. Numa delas, a polícia reagiu violentamente e matou diversos manifestantes. Popper viu-se como um dos responsáveis por aquelas mortes. Ao ouvir, de alguns dirigentes comunistas, que as mortes foram necessárias para a revolução comunista que ocorreria em breve, desencantou-se e afastou-se do movimento. A idéia de sacrificar vidas em nome de uma ideologia parecia-lhe inaceitável e cruel.

Ao longo de sua vida, criticou efusivamente quaisquer ideologias que defendiam que alguns eleitos tinham legitimidade para conduzir os demais.

Estudou filosofia e psicologia e doutorou-se na Universidade de Viena, em 1928. Em 1937 a situação dos judeus em Viena estava perigosa. Mudou-se para a Nova Zelândia, onde se tornou docente na Universidade de Christchurch.

Naquele país e de posse das informações sobre os últimos trágicos acontecimentos na Europa, iniciou sua obra em dois volumes “A sociedade aberta e os seus inimigos”. Finalizou-os em 1942 e 1943.

No seu livro, Popper expõe um modelo de sociedade aberta, conceito inspirado em Henri Bergson: imaginava uma estrutura política que garantia o maior grau de liberdade individual possível e estava configurada de forma a estar sempre preparada para sofrer transformações e adotar inovações sociais. Uma estrutura aberta e capaz de aceitar críticas de seus cidadãos.

No seu ponto de vista, qualquer ideologia constituía-se em ameaça, pois formava sistemas fechados que não toleravam transformações. Ele via o Estado autoritário como subproduto de qualquer ideologia: do absolutismo ao marxismo. Importante notar que ele se referia ao marxismo real, aquele tornado realidade, não ao marxismo científico de Marx, propriamente.

Popper apontava alguns inimigos máximos da sociedade aberta: Platão, Hegel, Marx. O subtítulo de suas obras era: “A magia de Platão e falsos profetas, Hegel, Marx e as conseqüências”.

Popper também expõe uma crítica ao historicismo. Este crê ser possível desvendar processos históricos de maneira a conseguir prever os desdobramentos futuros da história. Esta concepção está subjacente aos projetos políticos de ideologia fascista ou marxista. Em sua visão, foi a hipótese da predestinação da História quem viabilizou a teoria das raças superiores do fascismo, ou da inevitabilidade da revolução proletária do comunismo.

Popper aceitava apenas a análise retrospectiva da História, fazendo uma pequena concessão para a análise de tendências histórica com base em eventos do passado. Popper via a dialética histórica de Marx e Hegel como o desenvolvimento da filosofia de Platão, que entendia ser elitista. Isto é, pregava um Estado sólido e imutável, provavelmente motivado por ter vivido numa época de incertezas e de mudanças abruptas.

Segundo Popper, este tipo de Estado, governado por uma elite de sábios, carregava uma lógica perversa. As dificuldades de implantação do modelo imaginado por essa elite poderiam ser justificadas pela existência de cidadãos que não eram comprometidos com tal modelo: isso justificava massacres, genocídios e perseguições políticas de toda sorte.

Popper via a idéia de felicidade como produto da reflexão individual, não de um modelo imaginado por uma elite estatal. Deste tipo de modelo surgiram os comitês revolucionários no comunismo, o princípio do duce fascista, do caudilho ou do Fuhrer, no nacional-socialismo.

No segundo volume de sua obra, Popper comenta: “De todos os ideais políticos, o mais perigoso talvez seja o de criar o céu na Terra”. “a tentativa de criar o céu na terra conduz sempre ao inferno”.
Popper também apontou um partidário histórico de seu conceito de sociedade aberta: Péricles. Popper se referiu a este estadista grego nos seguintes termos: “Embora sejam poucos os que podem iluminar e levar à prática uma concepção política, todos podem julgá-la”.

Os requisitos para o projeto estatal imaginado por Popper eram: mudança permanente, ordem aberta e democrática. A insegurança lhe é inerente.

Popper via um fator comum à política, à filosofia e à ciência: a ausência de respostas definitivas. Somente eram possíveis aproximações de uma solução ótima. Daí ser fundamental a aceitação das críticas.

“A sociedade aberta e os seus inimigos” foi publicado em Londres, em 1945. Foi de uma influência avassaladora no mundo anglo-saxão. O estadista alemão Helmut Schmidt foi um de seus mais destacados admiradores.



Rubem L. de F. Auto

Nenhum comentário:

Postar um comentário