O marxismo, na interpretação de
Vladimir Ilich Lenin, transformou radicalmente a Rússia depois da revolução de
1917. A partir de 1924, sob Stalin, por diversos motivos, o país se transformou
numa ditadura absoluta.
Também no século XX surgia o
fascismo. Ideologia rival em suas promessas de um futuro melhor, abraçava desinibidamente
o autoritarismo.
Entre suas diferenças, o fascismo
não pregava a igualdade, mas o elitismo étnico. O fascismo postulava a luta de
raças entre os povos, numa inspiração darwinista, e pregava a vitória do mais
forte. Importante notar que não há qualquer base científica nesse discurso: não
há raças humanas há muitos milhares de anos; na natureza, não vence o mais
forte, mas o mais adaptado.
Nessa época, em Viena, um jovem
chamado Karl Raimund Popper sentiu-se atraído pelas idéias marxistas. Com o fim
da I Guerra Mundial, filiou-se aos comunistas. Foi um dos intelectuais a guiar
algumas manifestações. Numa delas, a polícia reagiu violentamente e matou
diversos manifestantes. Popper viu-se como um dos responsáveis por aquelas
mortes. Ao ouvir, de alguns dirigentes comunistas, que as mortes foram
necessárias para a revolução comunista que ocorreria em breve, desencantou-se e
afastou-se do movimento. A idéia de sacrificar vidas em nome de uma ideologia
parecia-lhe inaceitável e cruel.
Ao longo de sua vida, criticou
efusivamente quaisquer ideologias que defendiam que alguns eleitos tinham
legitimidade para conduzir os demais.
Estudou filosofia e psicologia e
doutorou-se na Universidade de Viena, em 1928. Em 1937 a situação dos judeus em
Viena estava perigosa. Mudou-se para a Nova Zelândia, onde se tornou docente na
Universidade de Christchurch.
Naquele país e de posse das
informações sobre os últimos trágicos acontecimentos na Europa, iniciou sua
obra em dois volumes “A sociedade aberta e os seus inimigos”. Finalizou-os em
1942 e 1943.
No seu livro, Popper expõe um
modelo de sociedade aberta, conceito inspirado em Henri Bergson: imaginava uma
estrutura política que garantia o maior grau de liberdade individual possível e
estava configurada de forma a estar sempre preparada para sofrer transformações
e adotar inovações sociais. Uma estrutura aberta e capaz de aceitar críticas de
seus cidadãos.
No seu ponto de vista, qualquer
ideologia constituía-se em ameaça, pois formava sistemas fechados que não
toleravam transformações. Ele via o Estado autoritário como subproduto de qualquer
ideologia: do absolutismo ao marxismo. Importante notar que ele se referia ao
marxismo real, aquele tornado realidade, não ao marxismo científico de Marx,
propriamente.
Popper apontava alguns inimigos
máximos da sociedade aberta: Platão, Hegel, Marx. O subtítulo de suas obras
era: “A magia de Platão e falsos profetas, Hegel, Marx e as conseqüências”.
Popper também expõe uma crítica
ao historicismo. Este crê ser possível desvendar processos históricos de
maneira a conseguir prever os desdobramentos futuros da história. Esta
concepção está subjacente aos projetos políticos de ideologia fascista ou
marxista. Em sua visão, foi a hipótese da predestinação da História quem
viabilizou a teoria das raças superiores do fascismo, ou da inevitabilidade da
revolução proletária do comunismo.
Popper aceitava apenas a análise
retrospectiva da História, fazendo uma pequena concessão para a análise de
tendências histórica com base em eventos do passado. Popper via a dialética
histórica de Marx e Hegel como o desenvolvimento da filosofia de Platão, que
entendia ser elitista. Isto é, pregava um Estado sólido e imutável,
provavelmente motivado por ter vivido numa época de incertezas e de mudanças
abruptas.
Segundo Popper, este tipo de
Estado, governado por uma elite de sábios, carregava uma lógica perversa. As
dificuldades de implantação do modelo imaginado por essa elite poderiam ser
justificadas pela existência de cidadãos que não eram comprometidos com tal
modelo: isso justificava massacres, genocídios e perseguições políticas de toda
sorte.
Popper via a idéia de felicidade
como produto da reflexão individual, não de um modelo imaginado por uma elite estatal.
Deste tipo de modelo surgiram os comitês revolucionários no comunismo, o
princípio do duce fascista, do caudilho ou do Fuhrer, no nacional-socialismo.
No segundo volume de sua obra,
Popper comenta: “De todos os ideais políticos, o mais perigoso talvez seja o de
criar o céu na Terra”. “a tentativa de criar o céu na terra conduz sempre ao
inferno”.
Popper também apontou um
partidário histórico de seu conceito de sociedade aberta: Péricles. Popper se
referiu a este estadista grego nos seguintes termos: “Embora sejam poucos os
que podem iluminar e levar à prática uma concepção política, todos podem
julgá-la”.
Os requisitos para o projeto
estatal imaginado por Popper eram: mudança permanente, ordem aberta e democrática.
A insegurança lhe é inerente.
Popper via um fator comum à política,
à filosofia e à ciência: a ausência de respostas definitivas. Somente eram
possíveis aproximações de uma solução ótima. Daí ser fundamental a aceitação
das críticas.
“A sociedade aberta e os seus
inimigos” foi publicado em Londres, em 1945. Foi de uma influência avassaladora
no mundo anglo-saxão. O estadista alemão Helmut Schmidt foi um de seus mais
destacados admiradores.
Rubem L. de F. Auto
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