Pesquisar as postagens

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

PRECISAMOS CONVERSAR SOBRE A CHINA

Até pouco antes da era que marcaria o início da conquista do progresso material pelos europeus, a China representava o modelo de coesão política e cultural. Não havia comparação possível no mundo islâmico ou europeu. No entanto, essa coesão teve desafios e foi posta à prova algumas vezes.

Um dos obstáculos surgidos no caminho dos chineses foi o imperialismo mongol. Uma dinastia mongol governou a China por séculos: os Yuan. Suas invasões deslocavam os centros de comércio. Outro obstáculo foi a Peste Negra, que matou cerca de 60 milhões de chineses.

Embora vista de maneira negativa, os Yuan abriram a China ao comércio com outras nações da Eurásia. Após 1370, o controle da China foi para as mãos da dinastia Ming, fundada por chineses Han (etnia surgida na China), e que união novamente o país sob um poder central forte.

O segredo da coesão chinesa é sua cultura comum, cujos ingredientes sociais e culturais remontam ao surgimento da China. Este país nasceu da expansão agrícola desde o noroeste até o sudeste na massa de terra que conforma a China. Esse processo foi afetado por mudanças na cultura cultivada. Inicialmente a base era trigo e milho, no norte, região mais seca; no sul, optou-se por arroz, aproveitando os terrenos mais alagados.

Depois de se estabelecerem as bases agrícolas nos extremos do país, cujas culturas agrícolas eram distintas e complementares, deu-se início a um mercado interno de proporções enormes, continentais. O norte lucrava com tâmaras e milho; o sul lucrava com perfumes e chás. O norte fornecia carne de lebres; o sul, peixes.

Entre 900 e 1300, visando ao crescimento dos mercados internos, deu-se início à construção de uma série de canais navegáveis. Estimulou-se, assim, a especialização local por produtos de alta demanda, que poderiam ser despachados prontamente para qualquer outra região do país. Surgiu um sistema de crédito e de papel-moeda. A China passou a contar com um sistema de mercado anterior e mais eficiente do que o de qualquer outro lugar do mundo. Mesmo a tecelagem do algodão nasceu na região do baixo Yang-Tzé.

A partir de certa escala, o apoio ativo da burocracia estatal passou a ser vital para a manutenção do crescimento econômico. Construção de Canais navegáveis e as comunicações internas necessitavam da coordenação entre poder central, poderes locais e distritais. A criação de um império agrícola passou a ser objeto da ambição das nações nômades que ocupavam o norte do país. Portanto a manutenção de poderes militares era vital, o que tornava a riqueza colhida no sul do país essencial para geração de excedentes. Sem o sul, a guarnição das fronteiras norte seria impossível.

O equilíbrio encontrado para a manutenção de um Estado daquelas dimensões foi, inclusive, responsável pela “chinezação” dos invasores: eles se viam tão obrigados a manter o aparato cultural e institucional chineses que, após as conquistas, tornavam-se chineses também ...

Outro fator para o sucesso na construção da China foi seu corpo burocrático. Os textos de Confúcio deram origem a uma moral e a uma filosofia bastante distintas na China. Dessa cultural nasceu uma civilização clássica e literária, cuja elite literária foi recrutada para formar uma burocracia imperial. A entrada no serviço estatal se dava por meio de exames, como o Trípode, um ensaio em que se avaliavam erudição e técnica de escrita. O estatus social alcançado por essa elite gerou pequenas nobrezas provinciais impregnadas dos mesmos ideais. Esse foi o marco da passagem de uma sociedade semifeudal, em que o poder dos senhores locais competia com o poder central, para um império agrário, centralizado e coordenado com os representantes locais. O poder coercitivo mostrou-se menos eficiente do que a fidelidade cultural das elites locais.

Desse caldo cultural nasceu a civilização mais admirada no mundo todo: dimensão impressionante, riqueza das suas cidades, competência de seus engenheiros, qualidade do trabalho de seus artesãos, qualidade dos bens de consumo (porcelana, seda, chás), arte e literatura sofisticadas, o encanto da moralidade confuciana. Mesmo seus vizinhos, como Coréia, Japão e Vietnã, consideravam a China como símbolos de progresso cultural e político. Na navegação, foram os primeiros a fazer uso da bússola.

Até então, qualquer observador seria capaz de gargalhar se lhe dissessem que em pouco tempo o Velho Mundo suplantaria a China. Pareciam estar destinados a governar o mundo.

O fim da subordinação aos mongóis e a retomada do controle da China pelos chineses se deu com a dinastia Ming. O imperador fortaleceu seu controle sobre os funcionários provinciais. O imperador substituiu parte de seus funcionários por eunucos, na Corte. Queria pôr fim a intrigas entre conselheiros e manter suas concubinas “virtuosas”. Entre 1405 e 1431, o almirante eunuco Zheng He foi encarregado de realizar uma série de viagens pelo Oriente Médio, mar Vermelho e África Oriental. No retorno até prendeu e levou o rei do Ceilão para Pequim.

Então, inexplicavelmente (ou quase), no início do século XV, a China faz um ponto de inflexão na sua trajetória ascendente. Suas conquistas territoriais pararam, os gastos militares para conter as invasões mongóis aumentavam cada vez mais, a finalização das Grandes Muralhas causaram desgastes internos imensos. Abandonaram-se os planos de expansão marítima. As estratégias de defesa levaram ao isolamento cultural.

Pode-se citar também a falta de terras para cultivar algodão, com finalidades industriais, em função do seu uso para alimentos.

Outro ponto levantado é que o progresso do início da era Ming levou à produção agrícola a níveis satisfatórios, o que desestimulou qualquer progresso técnico. O próprio sucesso dos canais navegáveis que construíra tirou a necessidade de inovações, como as ferrovias. O nível de conforto e o progresso material alcançados pelos chineses levaram à estagnação, que só se mostrou patente quando o país passou a ser objeto de invasão por potências européias. Mas isso som ocorreu 300 anos depois.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ascensão e Queda dos Impérios Globais”

Nenhum comentário:

Postar um comentário