Até pouco antes da era que
marcaria o início da conquista do progresso material pelos europeus, a China
representava o modelo de coesão política e cultural. Não havia comparação possível
no mundo islâmico ou europeu. No entanto, essa coesão teve desafios e foi posta
à prova algumas vezes.
Um dos obstáculos surgidos no
caminho dos chineses foi o imperialismo mongol. Uma dinastia mongol governou a
China por séculos: os Yuan. Suas invasões deslocavam os centros de comércio.
Outro obstáculo foi a Peste Negra, que matou cerca de 60 milhões de chineses.
Embora vista de maneira negativa,
os Yuan abriram a China ao comércio com outras nações da Eurásia. Após 1370, o
controle da China foi para as mãos da dinastia Ming, fundada por chineses Han (etnia
surgida na China), e que união novamente o país sob um poder central forte.
O segredo da coesão chinesa é sua
cultura comum, cujos ingredientes sociais e culturais remontam ao surgimento da
China. Este país nasceu da expansão agrícola desde o noroeste até o sudeste na
massa de terra que conforma a China. Esse processo foi afetado por mudanças na
cultura cultivada. Inicialmente a base era trigo e milho, no norte, região mais
seca; no sul, optou-se por arroz, aproveitando os terrenos mais alagados.
Depois de se estabelecerem as
bases agrícolas nos extremos do país, cujas culturas agrícolas eram distintas e
complementares, deu-se início a um mercado interno de proporções enormes,
continentais. O norte lucrava com tâmaras e milho; o sul lucrava com perfumes e
chás. O norte fornecia carne de lebres; o sul, peixes.
Entre 900 e 1300, visando ao
crescimento dos mercados internos, deu-se início à construção de uma série de
canais navegáveis. Estimulou-se, assim, a especialização local por produtos de
alta demanda, que poderiam ser despachados prontamente para qualquer outra
região do país. Surgiu um sistema de crédito e de papel-moeda. A China passou a
contar com um sistema de mercado anterior e mais eficiente do que o de qualquer
outro lugar do mundo. Mesmo a tecelagem do algodão nasceu na região do baixo
Yang-Tzé.
A partir de certa escala, o apoio
ativo da burocracia estatal passou a ser vital para a manutenção do crescimento
econômico. Construção de Canais navegáveis e as comunicações internas
necessitavam da coordenação entre poder central, poderes locais e distritais. A
criação de um império agrícola passou a ser objeto da ambição das nações
nômades que ocupavam o norte do país. Portanto a manutenção de poderes
militares era vital, o que tornava a riqueza colhida no sul do país essencial
para geração de excedentes. Sem o sul, a guarnição das fronteiras norte seria
impossível.
O equilíbrio encontrado para a manutenção
de um Estado daquelas dimensões foi, inclusive, responsável pela “chinezação”
dos invasores: eles se viam tão obrigados a manter o aparato cultural e
institucional chineses que, após as conquistas, tornavam-se chineses também ...
Outro fator para o sucesso na
construção da China foi seu corpo burocrático. Os textos de Confúcio deram
origem a uma moral e a uma filosofia bastante distintas na China. Dessa
cultural nasceu uma civilização clássica e literária, cuja elite literária foi
recrutada para formar uma burocracia imperial. A entrada no serviço estatal se
dava por meio de exames, como o Trípode, um ensaio em que se avaliavam erudição
e técnica de escrita. O estatus social alcançado por essa elite gerou pequenas
nobrezas provinciais impregnadas dos mesmos ideais. Esse foi o marco da
passagem de uma sociedade semifeudal, em que o poder dos senhores locais
competia com o poder central, para um império agrário, centralizado e
coordenado com os representantes locais. O poder coercitivo mostrou-se menos
eficiente do que a fidelidade cultural das elites locais.
Desse caldo cultural nasceu a
civilização mais admirada no mundo todo: dimensão impressionante, riqueza das
suas cidades, competência de seus engenheiros, qualidade do trabalho de seus
artesãos, qualidade dos bens de consumo (porcelana, seda, chás), arte e
literatura sofisticadas, o encanto da moralidade confuciana. Mesmo seus
vizinhos, como Coréia, Japão e Vietnã, consideravam a China como símbolos de progresso
cultural e político. Na navegação, foram os primeiros a fazer uso da bússola.
Até então, qualquer observador
seria capaz de gargalhar se lhe dissessem que em pouco tempo o Velho Mundo
suplantaria a China. Pareciam estar destinados a governar o mundo.
O fim da subordinação aos mongóis
e a retomada do controle da China pelos chineses se deu com a dinastia Ming. O
imperador fortaleceu seu controle sobre os funcionários provinciais. O
imperador substituiu parte de seus funcionários por eunucos, na Corte. Queria pôr
fim a intrigas entre conselheiros e manter suas concubinas “virtuosas”. Entre
1405 e 1431, o almirante eunuco Zheng He foi encarregado de realizar uma série
de viagens pelo Oriente Médio, mar Vermelho e África Oriental. No retorno até
prendeu e levou o rei do Ceilão para Pequim.
Então, inexplicavelmente (ou quase),
no início do século XV, a China faz um ponto de inflexão na sua trajetória
ascendente. Suas conquistas territoriais pararam, os gastos militares para
conter as invasões mongóis aumentavam cada vez mais, a finalização das Grandes
Muralhas causaram desgastes internos imensos. Abandonaram-se os planos de
expansão marítima. As estratégias de defesa levaram ao isolamento cultural.
Pode-se citar também a falta de
terras para cultivar algodão, com finalidades industriais, em função do seu uso
para alimentos.
Outro ponto levantado é que o
progresso do início da era Ming levou à produção agrícola a níveis satisfatórios,
o que desestimulou qualquer progresso técnico. O próprio sucesso dos canais navegáveis
que construíra tirou a necessidade de inovações, como as ferrovias. O nível de
conforto e o progresso material alcançados pelos chineses levaram à estagnação,
que só se mostrou patente quando o país passou a ser objeto de invasão por potências
européias. Mas isso som ocorreu 300 anos depois.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ascensão e Queda
dos Impérios Globais”
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