Estudos voltados a apontar as
dificuldades enfrentadas pelos povos caçadores-coletores, que viveram antes da
invenção da agricultura, foram realizados em povos boxímanos – ou povo San – da
África. Tais estudos apontaram que suas atividades de coleta de alimentos eram
mais eficientes do que a dos agricultores europeus antes da II Guerra Mundial.
Tais estudos apontam que povos
nômades trabalhavam em média de duas a quatro horas por dia. A agricultura
primitiva, por outro lado, exige horas de trabalho extenunte, removendo pedras
e rochas, com uso de ferramentas rudimentares.
Tais observações levaram a
considerar que a revolução neolítica, que levou ao surgimento de aldeias,
cidades e, por fim, civilizações, não foi movida por questões de ordem prática,
mas mental e espiritual. O impulsionador foi a espiritualidade humana.
O monumento que levou a tal
teoria chama-se Gobekli Tepe. Seu nome é um termo turco que significa “montanha
barriguda”. Localiza-se na atual província de Urfa, sudeste da Turquia. Foi
construída há 11.500 anos – é 7 mil anos mais antiga que a Pirâmide de Quéops.
Não foi construída por colonos neolíticos, mas por caçadores-coletores nômades.
É um monumento religioso, um verdadeiro Santuário construído 10 mil anos antes
da Bíblia dos hebreus.
É formada por círculos de até 20
metros de diâmetro. Dois pilares em forma de T tentam reproduzir figuras humanóides
– corpos alongados e estreitos com cabeças longilíneas. O mais alto tem 5,5
metros. Algumas de suas pedras pesam até 16 toneladas. Seu transporte precede a
invenção de ferramentas de metal, da roda e da domesticação de animais de
carga. Como se poderia supor, não havia nem mesmo cidades que concentrassem mão
de obra suficiente para organizar a realização de grandes empreitadas como essa.
Como exposto numa edição de
National Geographic: “descobrir que coletores-caçadores construíram Gobekli
Tepe foi como encontrar alguém que tivesse feito um avião 747 no porão com ajuda
de um estilete”.
Como o monumento também precede a
escrita, não há textos sagrados impressos. A conclusão de que se trata de
santuário advem de comparações com sítios e práticas religiosas posteriores.
Por exemplo, os animais desenhados não representam caças por meios das quais
subsistiam, mas criaturas ameaçadoras, como leões, javalis, escorpiões e uma
fera que lembra um chacal. Assemelham-se muito mais com animais míticos ou
simbólicos.
Os povos que visitavam Gobekli
Tepe o faziam por compromisso. O santuário ficava afastado, ninguém habitava o
local. Alguns povos chegavam a caminhar mais de cem quilômetros até lá. No
entanto, encontraram osso de milhares de gazelas e bisões, que parecem ter sido
levados como alimentos.
Conclusão: primeiro sofremos
mudanças socioculturais; depois, inventamos a agricultura. Isto é, o surgimento
do ritual religioso praticado em grupo levou à construção de locais sagrados
para a prática de tais rituais. Tais centros religiosos atraiam povos nômades
de localidades diversas e dispersas para órbitas mais próximas. Disso resultou
o estabelecimento de aldeias baseadas em convicções e sistemas religiosos comuns.
Quando Gobekli Tepe foi
construído os Tigres Ddentes-de-Sabre ainda vagavam pela Ásia. Os Homo
Floresiensis, hominídeo antecessor aos Homo Sapiens e capazes de forjar
ferramentas de até um metro de altura, haviam sido extintos havia poucos
séculos.
Sem dúvidas, a passagem de
perguntas de natureza prática para questionamentos acerca da espiritualidade
representa um patamar acima na escala revolucionária. Como disse o arqueólogo
Ian Hodder, de Stanford: “É possível afirmar que Gobekli Tepe é a verdadeira
origem das sociedades complexas do Neolítico”.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro "De Primatas a Astronautas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário