Johannes Friedrich Miescher,
professor de psicologia na Suíça, estudava salmões. Ele havia extraído uma
pasta cinzenta de aspecto leitoso, extraída do esperma do salmão. Para evita
que o esperma se decompusesse, ele deixava a janela do escritório aberta de dia
e de noite, expondo-se ao inverno suíço.
A grande vantagem de Miescher era
sua capacidade de concentração. Um dia, teve de ser arrastado do seu laboratório,
por amigos, para que comparecesse ao seu próprio casamento. Esquecera-o.
Apesar da dedicação e de notar
que aquele frio o estava matando ano após ano, não chegou à essência daquela
substância: o DNA.
Esses fatos se deram na década de
1860, ao mesmo tempo em que Gregor Mendel fazia suas primeiras anotações a
respeito de suas experiências com ervilhas, a 600km dali, na Áustria.
DNA é uma coisa: substância
química. Gene é informação. A estrutura maior formada pela união de ambos são
os cromossomos. Os cromossomos se localizam no núcleo das células. Suas
instruções comandam todo o corpo.
Apesar dos primeiros passos dados
por Miescher e Mendel, morrem anônimos. Mendel teve quase todas as suas
anotações queimadas após sua morte.
A curiosidade que levou às
primeiras investigações sobre hereditariedade é bastante comum: filhos se
parecem com os pais; cabelos vermelhos, calvície, insônia, queixo afilado tudo
pode ser seguida por uma árvore genealógica.
No entanto, a total ignorância
sobre como se dava o processo físico a hereditariedade levou ao nascimento das
teorias mais malucas imagináveis. Uma delas era a das “impressões maternas”: se
uma mulher grávida visse algo monstruoso, tal experiência marcaria seu filho. Se
tivesse desejo não saciado por morangos, seu filho nasceria com manchas
vermelhas em forma de morango pelo corpo. Se fosse toucinho, o mesmo. Uma
mulher que bateu a cabeça num saco de carvão deu à luz um bebê com metade apenas
dos seus cabelos pretos. Nos anos 1660, uma mulher de Nápoles, assustada por
monstros marinhos, deu à luz bebê coberto de escamas, que só comia peixe e exalava
a maresia. Tudo relatado por médicos da época ...
Uma mulher teria seduzido um
ator, nos bastidores de uma peça, ainda trajado para interpretar Mefistófeles:
da união nasceu um bebê com cascos e chifres, contavam alguns bispos. Um
mendigo maneta assustou uma grávida que deu nascimento a um filho maneta. Se
uma grávida se escondesse num jardim de um convento para fazer xixi escondida, teria
um filho mijão na cama. Se a grávida carregasse lenha no avental geraria filhos
bem-dotados.
Na Paris de 1790, uma grávida deu
à luz um filho com uma marca de nascença perto do peito: um capuz frígio,
símbolo da Revolução francesa. Ganhou pensão vitalícia do governo.
O outro lado também era comum, ao
se interpretar defeitos de nascença como símbolos de castigos religiosos,
justiça divina, previsão de pragas etc. Uma história envolvia um detetive
escocês, Mr. Bell, que afogou duas garotas na praia, presas a estacas. Quando
indagado sobre o crime, dizia que deviam estar se divertindo com os
caranguejos. Seus filhos nasceram com graves defeitos ósseos, fazendo o
antebraço das crianças parecerem pinças. Lembravam ... garras de caranguejos.
Essa herança genética alcançou até sua 3ª geração, como uma praga bíblica.
Outra teoria era o préformismo.
Surgiu a tentativa de criar um homúnculo, uma miniatura microscópica de um ser
humano. Seriam a pedra filosofal da biologia, permitindo poder dos deuses de
criar seres vivos.
Nos anos 1600, argumentava-se que
eles existiam dentro de cada célula ovariana feminina. Ou seja, os homens já
eram pré-formados. O espermatozoide seria apenas o gatilho que daria início ao
processo de criação de bebês.
Surgiu também uma dúvida: não teriam
as mulheres que nascer já com todos os homúnculos futuros dentro de si? Daí nasceu
a teoria do “ovismo”. Deus havia apinhado toda a raça humana dentro de Eva, no sexto
dia de Gêneses.
Mas havia piores. Os “espermistas”
diziam que Adão deveria ter a humanidade inteira enfiada e abarrotada em seus espermatozoides.
A força de tais mitos era tal que
muitos cientistas juravam ver minisseres humanos nadando em sêmen, pelas lentes
de seus microscópios.
Sobrava um questionamento: o que
ocorria com todos os espermas jogados não aproveitados a cada ejaculação?
Seriam almas não batizadas a perecer no inferno?
Eram tais mitos que cientistas
sérios como Miescher e contemporâneos dele queriam e conseguiram extirpar, por
meio de suas pesquisas.
Miescher era pesquisador do
laboratório do químico Felix Hoppe-Seyler. Ficava instalado numa lavanderia
anexa a uma antiga cozinha em um castelo medieval suíço. As pesquisas iniciais
queriam catalogar todas a s substâncias químicas presentes no sangue. A
pesquisa com células brancas ficou a cargo de Miescher, e ele descobriu que
elas tinham núcleo, ao contrário das brancas.
Miescher conseguia fornecimento
de ataduras cheias de pus, que cheirava para descartar as podres. O pus fresco era
usado em seus trabalhos com células brancas. Começou imergindo-os em álcool
morno, depois em ácido extraído do estômago de porcos. Assim dissolvia as
membranas das células. Assim, chegou à tal pasta cinzenta.
Achou tratar-se de proteína.
Testou com dissolventes específicos de proteínas, sem obter resultado. Não era
proteína. Passou à análise elementar, queimando-a até a decomposição total.
Obteve o que já esperava: carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Além
disso, 3% de fósforo, elemento que não acompanha a proteínas.
Chamou-a “nucleína”. Depois foi
rebatizada para ácido desoxirribonucleico: o DNA. Em 1869, mostrou seus
resultados a Hoppe-Seyler. Esteve se recusou a acreditar nos resultados. Não
cria na existência de nada especial no interior do núcleo.
Mesmo assim, desde 1871 Miescher
é oficialmente o descobridor do DNA.
Rubem L. de F. Auto
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