O mundo globalizado do final do
século XX não foi o resultado previsível de um mercado livre. Também não
poderíamos deduzir do estado do mundo há cinco séculos. Foi o produto de uma
longa história, violenta, de vitórias e derrotas. Segundo muitos historiadores,
essa história remonta à Era dos Grandes Descobrimentos, a partir de 1500.
Entre os mais famosos partidários
do mundo globalizado, encontravam-se os britânicos defensores das livres trocas
comerciais. Suas obras remontam às décadas de 30 e 40 do século XIX e buscavam
inspiração em Adam Smith. Defendiam que o livre comércio poria fim à guerras,
por se tornarem prejudiciais aos negócios. Criar-se-ia uma rede de dependência
mútua. Com as guerras, seriam aposentadas as aristocracias guerreiras. Comerciantes
e o comércio propagandeavam o ideal burguês do governo representativo, que se
tornaria universal.
Karl Marx iniciou seus estudos
admitindo o progresso extraordinário e impensável conquistado pelas Revoluções
burguesas européias. Tais revoluções enterraram um passado feudal milenar, marcado
por arbitrariedades, pobreza, servidão e por uma realidade social inalterável.
Entretanto, Karl Marx não
concordava totalmente com essa narrativa. Ele previa que o capitalismo
industrial que surgia inundaria o mundo de mercadorias, enquanto manteria os
salários abaixo do custo de subsistência. Em busca de novos mercados, pois os
seus próprios eram limitados pelos péssimos salários oferecidos, os
capitalistas invadiriam novos lugares, especialmente a Ásia, e os
transformariam em parte da sua rede mundial de produção.
Marx usava o exemplo que via: a
invasão da Índia pela Inglaterra. A economia têxtil indiana foi arruinada,
enquanto a de Lancashire florescia. A ordem social e produtiva indiana foi
destruída menos pela força das armas ou dos impostos elevados, mas mais pela
maldição da livre troca comercial com os ingleses. Portanto o destino
socialista da humanidade dependeria de os asiáticos serem capazes de
subverterem o sistema.
Marx via o surgimento de uma
economia mundial, a partir dos desenvolvimentos surgidos na Europa. Lenin, por
sua vez, afirmava que Marx deixara um elemento muito importante de fora de suas
análises: o imperialismo econômico. Atualizando a linguagem marxista, Lenin não
via o proletariado como a base da revolução socialista, mas os povos coloniais.
Essa versão do marxismo, o marxismo-leninismo, fez muito sucesso na década de
20 do século XX. Parecia contar muito bem a historia mundial.
O leninismo via que o motor do
mundo, àquela altura, era a expansão econômica da Europa. No entanto, ao
contrário do discurso burguês do século XIX, o resultado dessa expansão foi a
divisão do mundo, em vez da utopia de que todos se beneficiariam dos progressos
do comércio global (você já ouviu isso alguma vez?).
Lenin apontava os resultados
obtidos até então: a zona capitalista- industrial européia (ao lado dos EUA)
enriquecia; o resto do planeta, empobrecia. Tudo isso criado pela união entre o
poder econômico advindo do capitalismo-industrial somado ao poder imperial fortemente
armado.
No mundo não-ocidental, o livre
comércio resultou em destruição das indústrias artesanais (pré-industriais),
travou o desenvolvimento industrial (pois foi queimado um passo histórico, em
favor de um ator alienígena) e forçou as economias locais a se especializarem
em fornecer matéria-prima barata. O destino previa dependência eterna em face
de uma troca em que se vendia barato (matérias primas) e se comprava caro
(produtos industrializados). O sistema deveria ser demolido.
Todas essas análises competiam
com outra, de fundo otimista, descrita nas obras do grande alemão Max Weber.
Max iniciou seus estudos comparando a história da Europa em relação à Índia e à
China.
Max procurou nas instituições e
nas crenças dominantes as razões pelas quais a Europa havia se tornado um ator
global diferente dos demais. O capitalismo não é europeu. Ele nasceu
simultaneamente em diversas regiões da Eurásia. Contudo, a transição em direção
ao capitalismo industrial foi realizada na Europa. Ele notava que era
necessária uma base ao mesmo tempo ativista e racionalizadora – era necessária
uma cultura ativa e que prezasse a racionalidade. Max via no confucionismo uma
mentalidade racional, contudo inativa; o islamismo era bastante ativo, mas
irracional; o hinduísmo não era nem racional nem ativo. Porém, no
protestantismo europeu, criou a psicologia crucial, e contava com o aparato
institucional, que permitiu o avanço da Europa.
Sua obra foi marcante, dentre
outros motivos, pelo fato de rejeitar a visão marxista de que a riqueza e o
sucesso tecnológico da Europa era fruto, exclusivamente, de pilhagens que
realizou no mundo todo por séculos. Ele procurava explicar o que motivava a
aplicação do capital acumulado, não apenas como foi amealhado, em investimentos
produtivos e em mudanças técnicas.
Como crítica a todas as visões de
mundo acima expostas, ressalta-se o fato de que vêem a Europa como uma região
especialmente dinâmica e inovadora que, naturalmente, suplantou todas as outras,
tirando o mundo do marasmo em que se encontrava por milênios. O fim abrupto da
continuidade histórica européia pós 1945 e o surgimento de novas nações, muitas
das quais dinâmicas, inovadoras e plenamente capazes de competir num mundo
globalizado, fez surgir a necessidade de um tipo diferente de narrativa
histórica, que revele que aquelas regiões antes vistas como vazios de
conquistas e avanços eram, na verdade, locais muito ricos e onde se
desenvolviam histórias tão bonitas e repletas de fatos heróicos como em qualquer
outra.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ascensão e Queda
dos Impérios Globais”
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