A vila de Santos, no século XVI,
tinha dois ingleses entre seus residentes. Um deles chamava-se John Whithall
era senhor de engenho que mantinha contato freqüente com a Inglaterra. Fora
apelidado de João Leitão e planejava estabelecer uma rota comercial entre
Santos e seu o país, envolvendo sua produção de açúcar e outras mercadorias de
valor.
A pirataria inglesa, nessa época,
era encarada com certa glória em função dos feitos de Francis Drake, herói
nacional inglês e notável pelas suas histórias de pilhagens, saques e
destruição de cidades. Jovens se “inspiravam” em seu exemplo.
Thomas Cavendish era um jovem aristocrata
inglês da região de Suffolk. Herdou a fortuna paterna quando tinha 12 anos de
idade. Passou à historiografia luso-brasileira como “franco ladrão dos mares” e
“terrível flibusteiro”. Iniciou estudos em Cambridge, mas logo a abandonou.
Mudou-se para Londres e ficou conhecido pelo estilo de vida extravagante. Além
de fazer dívidas que não costumava pagar, investiu em empresas comerciais e na
exploração de novas rotas comerciais com o Oriente.
Lançou-se ao mar pela primeira
vez quando contava 25 anos de idade, após ser nomeado alto almirante de marinha
por Walter Raleigh, tendo a missão de colonizar o território da Virginia.
Partiu em 1585 para criar a colônia de Roanoke. Sua preparação foi à base de
aulas teóricas de navegação. Conheceu também dois índios ameríndios capturados em
missões anteriores.
O retorno de sua missão na
Virginia não foi lucrativa, mas ele pôde fazer contatos que exploraria mais à
frente. Planejou lançar-se agora numa missão de circum-navegação do Globo.
Conseguiu a expedição de uma carta real, vendeu algumas propriedades e adquiriu
dois navios, sendo um deles um galeão. Juntou a tripulação que julgou
necessária e conseguiu convencer alguns investidores.
Nessa viagem de circum-navegação
Cavendish conhece a costa brasileira. Passaram um mês na ilha de São Sebastião,
na capitania de São Vicente (hoje, Ilhabela). Dali à frente, seguem o roteiro
clássico até o Oriente: saqueiam e incendeiam dezenas de vilas e naus,
capturaram um galeão Santa Ana e sua valiosíssima carga. Por fim, chegam às
Filipinas e à China. Voltam de posse de mapas, estratégicos para futuras
aventuras do mesmo porte.
Aos 28 anos de idade, Cavendish tornou-se
o terceiro homem a completar uma viagem de circum-navegação da Terra.
Encomendou a Jodocus Hondius um glorioso retrato, em que é retratado com mapa
em que se registra a rota que seguiu.
Foi recebido como herói pela rainha
Elisabeth, numa cerimônia naval marcante. Ela comentou: “O rei da Espanha late
muito, mas não morde. Não nos importamos com os espanhóis; seus navios, carregados
de ouro e prata, chegam até aqui apesar de tudo.”
Um mês depois, em 1588, Cavendish
derrota uma Armada espanhola e carrega seus tesouros. Estava em curso o
desmantelamento do império espanhol pelos piratas da rainha da Inglaterra ...
tomar os tesouros espanhóis à força tornou-se política de Estado inglesa.
Após essa viagem, Cavendish se
preparou para outra, porém com a intenção de fixar uma rota comercial com o
Oriente de onde acabara de retornar. Conseguiu outra licença real, para atacar
navios e portos espanhóis, porém não conseguiu investidores dispostos a correr
mais esse risco (sua viagem de circum-navegação foi um fracasso em termos
comerciais, o que afastou eventuais investidores, dessa vez). Aliás, houve um
investidor, que também partiu como capitão, de nome John Davies. Porém ele
pretendia seguir com Cavendish até o Pacífico. De lá tentaria achar a desejada “northwest
passage”, por onde pretendia cruzar a América do Norte e cortar tempo de viagem
até o Oriente. De fato, essa passagem nunca existiu.
A bordo das embarcações estavam
diversos nobres, alistados como homens de armas. Eram jovens, de famílias de
posses, porém descapitalizadas. Esperavam que a pilhagem de tesouros espanhóis
fizesse com que retornassem ao status social a que pensavam pertencer. Dos 330
homens da frota de Cavendish, cerca de 200 pertenciam à nobreza.
A estadia em Santos segue envolta
em mistérios. O que deveria ser uma parada rápida e quase secreta, tornou-se
uma temporada com final desastrado. Sabe-se, contudo, que a posse de um
território no Atlântico Sul era visto como estratégico pela coroa inglesa, haja
vista o apoio que representaria na travessia do Estreito de Magalhães – poderia
fornecer facilmente alimentos e mantimentos para uma tripulação enorme. Sabe-se
também que Francis Drake visitara São Vicente em 1579.
Na Europa, de acordo com o relato
de diversos viajantes, o litoral brasileiro também era visto como um eventual
início da tomada do Peru, local das maiores minas espanholas. Alguns aventureiros
chegaram a calcular em doze dias, à pé, de Santos ao Peru. Boatos de descoberta
de minas de ouro e prata na região da capitania de São Vicente era freqüentes e
várias dessas histórias chegaram a Londres.
Cavendish partiu de Plymouth em
setembro de 1591. A viagem durou torturantes 27 dias de ventos fracos e
calmaria. Algumas tentativas de motim foram desarticuladas por seguidas ameaças
de enforcamento. O final da viagem contava a história de homens famintos,
sofrendo de escorbuto, sede e doenças.
Ao se aproximarem do litoral,
surpreenderam uma nau portuguesa que voltava do rio da Prata. Capturaram a
embarcação, fizeram o comandante Gaspar Jorge refém, levaram os navios até Ilha
Grande, atual baía de Angra dos Reis. Em face do drama, a fidalguia deu lugar à
barbárie. Atacaram a meia dúzia de casinhas de colonos e índios. Levaram o que
acharam: bananas, raízes, porcos, galinhas.
Ao deixarem Ilha Grande, seguiram
o roteiro d destruição. Puseram fogo nas casas, quimaram o navio capturado,
abandonaram os portugueses na praia, assim como os escravos, que eram a
tripulação do navio português.
Rumaram para São Sebastião. Lá, planejaram
o ataque a Santos, cidade que não era fortificada na época. Partiram duas naus
em direção à vila. Este ocorreu na manhã de 25 de dezembro de 1591. Quando o
sino da igreja soou, Gaspar Jorge informou que era o momento ideal: estavam
todos rezando. Vinte e quatro soldados ingleses invadiram pela praia.
Quem estava na igreja ficou preso
lá dentro, durante todo o dia – cerca de 300 mulheres e crianças. Segundo o
relato de um dos membros da frota inglesa: “na vila havia um bom estoque de
alimentos, doces cristalizados, açúcar e farinha de mandioca, com a qual
fizemos ótimo pão.”
Danos também foram infligidos: “partimos
de Santos e queimamos São Vicente até o chão.” Entre Santos e São Vicente,
aliás, queimaram cinco engenhos de açúcar.
Padres jesuítas também
testemunharam o saque empreendido por “hereges luteranos”. Viram o saque de
casas e igrejas. Há relatos de tratamento desrespeitoso a imagens sacras, roubo
de ouro e prata dos ornamentos das igrejas.
Durante muito tempo os habitantes
das cidades litorâneas brasileiras viviam quase que prontos para uma fuga
repentina, em direção ao interior do continente, haja vista a possibilidade de
ataques piratas a qualquer momento. Piratas esses que infestavam nosso litoral,
tanto franceses, quanto ingleses ou holandeses.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Piratas no Brasil:
as incríveis histórias dos ladrões dos mares ...”
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