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terça-feira, 29 de novembro de 2016

CAVENDISH: O LADRÃO DOS MARES


A vila de Santos, no século XVI, tinha dois ingleses entre seus residentes. Um deles chamava-se John Whithall era senhor de engenho que mantinha contato freqüente com a Inglaterra. Fora apelidado de João Leitão e planejava estabelecer uma rota comercial entre Santos e seu o país, envolvendo sua produção de açúcar e outras mercadorias de valor.

A pirataria inglesa, nessa época, era encarada com certa glória em função dos feitos de Francis Drake, herói nacional inglês e notável pelas suas histórias de pilhagens, saques e destruição de cidades. Jovens se “inspiravam” em seu exemplo.

Thomas Cavendish era um jovem aristocrata inglês da região de Suffolk. Herdou a fortuna paterna quando tinha 12 anos de idade. Passou à historiografia luso-brasileira como “franco ladrão dos mares” e “terrível flibusteiro”. Iniciou estudos em Cambridge, mas logo a abandonou. Mudou-se para Londres e ficou conhecido pelo estilo de vida extravagante. Além de fazer dívidas que não costumava pagar, investiu em empresas comerciais e na exploração de novas rotas comerciais com o Oriente.

Lançou-se ao mar pela primeira vez quando contava 25 anos de idade, após ser nomeado alto almirante de marinha por Walter Raleigh, tendo a missão de colonizar o território da Virginia. Partiu em 1585 para criar a colônia de Roanoke. Sua preparação foi à base de aulas teóricas de navegação. Conheceu também dois índios ameríndios capturados em missões anteriores.

O retorno de sua missão na Virginia não foi lucrativa, mas ele pôde fazer contatos que exploraria mais à frente. Planejou lançar-se agora numa missão de circum-navegação do Globo. Conseguiu a expedição de uma carta real, vendeu algumas propriedades e adquiriu dois navios, sendo um deles um galeão. Juntou a tripulação que julgou necessária e conseguiu convencer alguns investidores.

Nessa viagem de circum-navegação Cavendish conhece a costa brasileira. Passaram um mês na ilha de São Sebastião, na capitania de São Vicente (hoje, Ilhabela). Dali à frente, seguem o roteiro clássico até o Oriente: saqueiam e incendeiam dezenas de vilas e naus, capturaram um galeão Santa Ana e sua valiosíssima carga. Por fim, chegam às Filipinas e à China. Voltam de posse de mapas, estratégicos para futuras aventuras do mesmo porte.

Aos 28 anos de idade, Cavendish tornou-se o terceiro homem a completar uma viagem de circum-navegação da Terra. Encomendou a Jodocus Hondius um glorioso retrato, em que é retratado com mapa em que se registra a rota que seguiu.

Foi recebido como herói pela rainha Elisabeth, numa cerimônia naval marcante. Ela comentou: “O rei da Espanha late muito, mas não morde. Não nos importamos com os espanhóis; seus navios, carregados de ouro e prata, chegam até aqui apesar de tudo.”

Um mês depois, em 1588, Cavendish derrota uma Armada espanhola e carrega seus tesouros. Estava em curso o desmantelamento do império espanhol pelos piratas da rainha da Inglaterra ... tomar os tesouros espanhóis à força tornou-se política de Estado inglesa.

Após essa viagem, Cavendish se preparou para outra, porém com a intenção de fixar uma rota comercial com o Oriente de onde acabara de retornar. Conseguiu outra licença real, para atacar navios e portos espanhóis, porém não conseguiu investidores dispostos a correr mais esse risco (sua viagem de circum-navegação foi um fracasso em termos comerciais, o que afastou eventuais investidores, dessa vez). Aliás, houve um investidor, que também partiu como capitão, de nome John Davies. Porém ele pretendia seguir com Cavendish até o Pacífico. De lá tentaria achar a desejada “northwest passage”, por onde pretendia cruzar a América do Norte e cortar tempo de viagem até o Oriente. De fato, essa passagem nunca existiu.
A bordo das embarcações estavam diversos nobres, alistados como homens de armas. Eram jovens, de famílias de posses, porém descapitalizadas. Esperavam que a pilhagem de tesouros espanhóis fizesse com que retornassem ao status social a que pensavam pertencer. Dos 330 homens da frota de Cavendish, cerca de 200 pertenciam à nobreza.

A estadia em Santos segue envolta em mistérios. O que deveria ser uma parada rápida e quase secreta, tornou-se uma temporada com final desastrado. Sabe-se, contudo, que a posse de um território no Atlântico Sul era visto como estratégico pela coroa inglesa, haja vista o apoio que representaria na travessia do Estreito de Magalhães – poderia fornecer facilmente alimentos e mantimentos para uma tripulação enorme. Sabe-se também que Francis Drake visitara São Vicente em 1579.

Na Europa, de acordo com o relato de diversos viajantes, o litoral brasileiro também era visto como um eventual início da tomada do Peru, local das maiores minas espanholas. Alguns aventureiros chegaram a calcular em doze dias, à pé, de Santos ao Peru. Boatos de descoberta de minas de ouro e prata na região da capitania de São Vicente era freqüentes e várias dessas histórias chegaram a Londres.

Cavendish partiu de Plymouth em setembro de 1591. A viagem durou torturantes 27 dias de ventos fracos e calmaria. Algumas tentativas de motim foram desarticuladas por seguidas ameaças de enforcamento. O final da viagem contava a história de homens famintos, sofrendo de escorbuto, sede e doenças.

Ao se aproximarem do litoral, surpreenderam uma nau portuguesa que voltava do rio da Prata. Capturaram a embarcação, fizeram o comandante Gaspar Jorge refém, levaram os navios até Ilha Grande, atual baía de Angra dos Reis. Em face do drama, a fidalguia deu lugar à barbárie. Atacaram a meia dúzia de casinhas de colonos e índios. Levaram o que acharam: bananas, raízes, porcos, galinhas.

Ao deixarem Ilha Grande, seguiram o roteiro d destruição. Puseram fogo nas casas, quimaram o navio capturado, abandonaram os portugueses na praia, assim como os escravos, que eram a tripulação do navio português.

Rumaram para São Sebastião. Lá, planejaram o ataque a Santos, cidade que não era fortificada na época. Partiram duas naus em direção à vila. Este ocorreu na manhã de 25 de dezembro de 1591. Quando o sino da igreja soou, Gaspar Jorge informou que era o momento ideal: estavam todos rezando. Vinte e quatro soldados ingleses invadiram pela praia.

Quem estava na igreja ficou preso lá dentro, durante todo o dia – cerca de 300 mulheres e crianças. Segundo o relato de um dos membros da frota inglesa: “na vila havia um bom estoque de alimentos, doces cristalizados, açúcar e farinha de mandioca, com a qual fizemos ótimo pão.”

Danos também foram infligidos: “partimos de Santos e queimamos São Vicente até o chão.” Entre Santos e São Vicente, aliás, queimaram cinco engenhos de açúcar.

Padres jesuítas também testemunharam o saque empreendido por “hereges luteranos”. Viram o saque de casas e igrejas. Há relatos de tratamento desrespeitoso a imagens sacras, roubo de ouro e prata dos ornamentos das igrejas.

Durante muito tempo os habitantes das cidades litorâneas brasileiras viviam quase que prontos para uma fuga repentina, em direção ao interior do continente, haja vista a possibilidade de ataques piratas a qualquer momento. Piratas esses que infestavam nosso litoral, tanto franceses, quanto ingleses ou holandeses.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Piratas no Brasil: as incríveis histórias dos ladrões dos mares ...”

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