Jean-Paul Sartre foi um
sobrevivente. Viveu duas guerras mundiais e fez da solidão em tema central de
suas obras. Na I Guerra Mundial, o exército francês conseguiu deter as tropas
alemães. Mas, em 1940, os tanques Panzer derrubaram a República francesa.
Quando servia como soldado na II
Guerra Mundial, foi feito prisioneiro. Nesse período, leu o livro “O Ser e o
Tempo”, escrito por um filósofo alemão que vendeu a alma ao
nacional-socialismo, Martin Heidegger. É considerada uma das maiores obras do
século XX. Nesta, Heidegger afirmava: a existência era o lugar no qual se
adquiria o conhecimento. O homem compreender o sentido do seu ser através do
conhecimento da finitude da sua existência.
Sartre se sentiu atraído pelo
pensamento de Heidegger. Escreveu “O ser e o nada” por ele inspirado. Nesta
obra, publicada em 1943, Sartre coloca, sobretudo, a questão das possibilidades
de que o ser humano dispunha na sua existência.
Segundo Sartre, o homem está
condenado ao mero ser. Este ser, está dividido em duas partes: existe a
consciência do homem, o ser-para-si; ao seu lado, existe o ser-em-si, que vem a
ser o mundo que nos envolve. O ser-em-si é idêntico ao homem. O ser-para-si é a
consciência desse ser, que sempre estará em busca da sua identidade. Conforme o
autor: “A existência precede a essência”.
Sartre defendia que o homem tenta
sempre preencher os nadas, os vazios de sua existência entre o ser-para-si e o
ser-em-si. Esse vazio é preenchido pelas decisões que toma. Portanto o homem
está condenado a tomar decisões durante toda a sua existência – ainda que a
decisão tomada seja não tomar decisões ... daí ter formulado: “O homem está
condenado à liberdade”.
A autenticidade da identidade do
ser-em-si somente seria alcançada quando o homem tivesse consciência de sua
responsabilidade ao tomar decisões e das conseqüências delas.
Sartre é considerado autor
destacado do existencialismo francês, ao lado de Albert Camus. Ambos conseguiam
transmitir seus pensamentos na forma de peças, romances. Sustentavam-se como
escritores independentes.
Camus recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura em 1957. Sartre foi agraciado com este Prêmio em 1964, mas o
recusou. Já era um líder da intelectualidade mundial à época.
A imagem do intelectual do século
XX é inspirada em Sartre (fisicamente feio, óculos de lentes grossas, fumante
empedernido). Ele e sua esposa, Simone de Beauvoir, igualmente brilhante,
viveram a maior parte de sua vida comum em quartos de hotel. Sua relação
altamente aberta e inspirada no amor livre inspirou toda uma geração.
Sartre tomou o lado da esquerda.
Este posicionamento e sua colaboração com os comunistas franceses, ao lado de
sua simpatia pela URSS, provocaram sua ruptura com Camus.
Em 1944, Sartre escreveu “A porta
fechada” (ou Entre Quatro Paredes, ou O Quarto fechado; no original, Huis
Clos). Na obra, duas mulheres e um homem, após morrerem, voltam a se encontrar,
agora num espaço fechado. Tinham consciência de suas ações e de que seu destino
era o inferno. Por acreditarem saber o que seria o inferno, esperam pelas dores
e tormentas que os perseguiriam por toda a eternidade. No entanto tais
tormentas não chegam. Ao mesmo tempo, percebem o estorvo que cada um
representava para o outro.
Não podem se matar ... pois já
estão mortos. Não podem fugir dali. No fim, o homem declara que não deveriam
mais esperar pelo inferno ... pois lá já estão! Em suas palavras: “Não há
necessidade de grelhas; o inferno são os outros”.
Quando o ser-para-si de um encontra
outros homens, produz-se uma inquietação: à semelhança dos protagonistas de
Huis Clos, todos os seres humanos, a partir da perspectiva do ser-para-si, vêem
os outros como seres-em-si – não como sujeito, mas como objeto. Portanto nunca
podemos dizer conhecer outra pessoa.
E como não conhecemos as outras
pessoas, também não nos conhecemos. Até mesmo a opinião de outras pessoas
influi na visão que temos de nós mesmos.
A independência do indivíduo só é
alcançada quando este alcança a autenticidade. Poderá então encontrar-se
livrement com outras pessoas, sem que mude sua identidade a respeito de si
mesmo. O êxito dessa convivência ocorre quando todos buscam sua autenticidade.
Para isso. O indivíduo deve deixar um espaço aberto, livre para o outro. Foi o
que Sartre e Beauvoir buscavam em seu relacionamento. Tiveram algum sucesso,
por certo.
Ah! No fim da peça, após algumas tentativas
de escapar, abre-se uma porta. Mas em vez de escaparem, optam por ficar naquele
espaço, permanecendo na sua existência.
Rubem L. de F. Auto
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