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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O SER, O TEMPO E OS "OUTROS" QUE TANTO REJEITAMOS


Jean-Paul Sartre foi um sobrevivente. Viveu duas guerras mundiais e fez da solidão em tema central de suas obras. Na I Guerra Mundial, o exército francês conseguiu deter as tropas alemães. Mas, em 1940, os tanques Panzer derrubaram a República francesa.

Quando servia como soldado na II Guerra Mundial, foi feito prisioneiro. Nesse período, leu o livro “O Ser e o Tempo”, escrito por um filósofo alemão que vendeu a alma ao nacional-socialismo, Martin Heidegger. É considerada uma das maiores obras do século XX. Nesta, Heidegger afirmava: a existência era o lugar no qual se adquiria o conhecimento. O homem compreender o sentido do seu ser através do conhecimento da finitude da sua existência.

Sartre se sentiu atraído pelo pensamento de Heidegger. Escreveu “O ser e o nada” por ele inspirado. Nesta obra, publicada em 1943, Sartre coloca, sobretudo, a questão das possibilidades de que o ser humano dispunha na sua existência.

Segundo Sartre, o homem está condenado ao mero ser. Este ser, está dividido em duas partes: existe a consciência do homem, o ser-para-si; ao seu lado, existe o ser-em-si, que vem a ser o mundo que nos envolve. O ser-em-si é idêntico ao homem. O ser-para-si é a consciência desse ser, que sempre estará em busca da sua identidade. Conforme o autor: “A existência precede a essência”.

Sartre defendia que o homem tenta sempre preencher os nadas, os vazios de sua existência entre o ser-para-si e o ser-em-si. Esse vazio é preenchido pelas decisões que toma. Portanto o homem está condenado a tomar decisões durante toda a sua existência – ainda que a decisão tomada seja não tomar decisões ... daí ter formulado: “O homem está condenado à liberdade”.

A autenticidade da identidade do ser-em-si somente seria alcançada quando o homem tivesse consciência de sua responsabilidade ao tomar decisões e das conseqüências delas.
Sartre é considerado autor destacado do existencialismo francês, ao lado de Albert Camus. Ambos conseguiam transmitir seus pensamentos na forma de peças, romances. Sustentavam-se como escritores independentes.

Camus recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Sartre foi agraciado com este Prêmio em 1964, mas o recusou. Já era um líder da intelectualidade mundial à época.

A imagem do intelectual do século XX é inspirada em Sartre (fisicamente feio, óculos de lentes grossas, fumante empedernido). Ele e sua esposa, Simone de Beauvoir, igualmente brilhante, viveram a maior parte de sua vida comum em quartos de hotel. Sua relação altamente aberta e inspirada no amor livre inspirou toda uma geração.

Sartre tomou o lado da esquerda. Este posicionamento e sua colaboração com os comunistas franceses, ao lado de sua simpatia pela URSS, provocaram sua ruptura com Camus.

Em 1944, Sartre escreveu “A porta fechada” (ou Entre Quatro Paredes, ou O Quarto fechado; no original, Huis Clos). Na obra, duas mulheres e um homem, após morrerem, voltam a se encontrar, agora num espaço fechado. Tinham consciência de suas ações e de que seu destino era o inferno. Por acreditarem saber o que seria o inferno, esperam pelas dores e tormentas que os perseguiriam por toda a eternidade. No entanto tais tormentas não chegam. Ao mesmo tempo, percebem o estorvo que cada um representava para o outro.

Não podem se matar ... pois já estão mortos. Não podem fugir dali. No fim, o homem declara que não deveriam mais esperar pelo inferno ... pois lá já estão! Em suas palavras: “Não há necessidade de grelhas; o inferno são os outros”.

Quando o ser-para-si de um encontra outros homens, produz-se uma inquietação: à semelhança dos protagonistas de Huis Clos, todos os seres humanos, a partir da perspectiva do ser-para-si, vêem os outros como seres-em-si – não como sujeito, mas como objeto. Portanto nunca podemos dizer conhecer outra pessoa.

E como não conhecemos as outras pessoas, também não nos conhecemos. Até mesmo a opinião de outras pessoas influi na visão que temos de nós mesmos.

A independência do indivíduo só é alcançada quando este alcança a autenticidade. Poderá então encontrar-se livrement com outras pessoas, sem que mude sua identidade a respeito de si mesmo. O êxito dessa convivência ocorre quando todos buscam sua autenticidade. Para isso. O indivíduo deve deixar um espaço aberto, livre para o outro. Foi o que Sartre e Beauvoir buscavam em seu relacionamento. Tiveram algum sucesso, por certo.

Ah! No fim da peça, após algumas tentativas de escapar, abre-se uma porta. Mas em vez de escaparem, optam por ficar naquele espaço, permanecendo na sua existência.


Rubem L. de F. Auto

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