Titono, príncipe de Tróia, homem
reconhecido pela sua beleza, conquistou o coração da Eos, deusa da Aurora.
Apaixonada, Eoa pediu a Zeus que fizesse de Titono um imortal. Porém
esqueceu-se de pedir que ele também fosse jovem por toda a eternidade. O desejo
mal elaborado causou sofrimento terrível a Titono, que envelheceu a cada dia de
sua eternidade, a ponto de tornar-se um ancião enrugado e deformado, até que
virou um gafanhoto - e imortal.
A moral da história é óbvia:
Cuidado com o que você deseja! E nenhum desejo deve ser mais recorrente na
mente humana do que evitar a morte. Evidentemente não é diferente com a
ciência: os pesquisadores vêem descobrindo coisas fantásticas acerca da morte.
Relembrando. Os seres vivos vivem
um ciclo da vida: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. A morte celular tem
o nome de apoptose, porém ela estabelece um “fim da linha” no crescimento
celular. Por exemplo, o espaço entre nossos dedos advém da morte de células que
formariam uma espécie de nadadeiras, caso não houvesse apoptose.
Por isso a morte tem uma feição
de desgaste do organismo, não é algo programado; portanto é evitável.
Um ser vivo que é essencialmente
imortal são as bactérias. Se estiverem em condições favoráveis, reproduzir-se-ão
assexuadamente a um ritmo frenético e sem apresentar qualquer sinal de
envelhecimento com o tempo.
A morte decorrente do
envelhecimento, em princípio, é uma doença sexualmente transmitida. A
reprodução sexuada partiu dos organismos eucariontes: células complexas e com
núcleo para abrigar seu material genético. Inicialmente eram unicelulares.
Alguns organismos eucariontes unicelulares
primitivos, quando em ambiente desvantajoso, unem-se em uma célula só. Esta é
mais capaz de hibernar, torna-se mais resistente. Quando retornam ao ambiente
mais adequado, se dividem normalmente.
Essa união, há um bilhão de anos,
mais ou menos, tornou-se permanente: da união das duas células surgiu uma
terceira, que carregava o material genético das duas iniciais. O passo seguinte
foi a geração de células especializadas, com apenas um conjunto de DNA que se
refere a todo o organismo e capazes de reproduzir todo o processo: unir-se a
outra com as mesmas características e gerar um descendente com material
genético dos “pai e da mãe”.
O interessante aqui foi o trade-off
que se estabeleceu: mortalidade versus reprodução sexuada. É como se a
imortalidade das bactérias assexuadas tivesse sido embutida nos óvulos e espermatozoides.
É igualmente expensivo para um organismo consertar defeitos ou problemas
surgidos em seu interior ou garantir herdeiros. Resultado: o organismo preferiu
garantir filhos ... E assim nos tornamos mortais. Como o organismo não
implementa melhorias e correções em si mesmo, nosso organismo passou a sofrer
de doenças cardíacas, diabetes, celulite etc.
Como as doenças que se relacionam
como o envelhecimento e que possuem uma origem genética - Parkinson, Alzheimer,
osteoporose, enfermidades cardíacas etc. -, em geral apenas se iniciam na velhice,
não costumam interferir na reprodução. Resultado: os genes também são passados
adiante, ainda que o doador tenha morrido de uma dessas doenças, mas apenas aos
70 anos de idade, por exemplo.
No caso descrito acima, ele não
apenas será imune à seleção natural, mas ainda poderá ser favorecido caso o
gene que produzirá a doença genética na velhice seja o mesmo que tenha
produzido algum benefício na juventude. Pesquisadores já são capazes de
associar o gene que causa câncer com a produção acelerada de espermatozoides. O
que liga os dois é a multiplicação de células. No caso do tumor, é uma
multiplicação desordenada.
O trade-off que levou da
imortalidade à mortalidade pode ser reproduzido para a análise de expectativa
de vida. Camundongos e morcegos têm expectativas de vida bem diferentes: 3 anos
e 30 anos, respectivamente. A diferença? Asas. Os morcegos têm bem mais chances
de escapar de predadores. Com esse incentivo, seus organismos se adaptaram a
mais anos de vida.
De posse desses conhecimentos, iniciaram-se
pesquisas para saber quais as possibilidades de manipulação das condições
impostas pela natureza. Usaram-se os vermes C. elegans (moscas-da-fruta e
camundongos). Impuseram uma dieta com restrição calórica (fome, mas sem morrer
de desnutrição); desativaram os genes responsáveis pelo metabolismo energético
e pelo crescimento; esterilizaram as cobaias.
As moscas-da-fruta chegaram os 90
dias, contra duas semanas, na natureza (proporcionalmente, seriam um homem de
600 anos). Quando os cientistas extirparam as células reprodutivas com laser
obtiveram resultados semelhantes. A relação entre fertilidade e fome é o
exemplo do trade-off: a energia que iria para a função de reprodução sexuada é
direcionada para a autopreservação do organismo.
As tentativas de reproduzir esses
experimentos em humanos são irrefreáveis. Mesmo cientistas, como Aubrey de Grey
se animaram diante das perspectivas. Seria aprender a manipular o organismo
para evitar acúmulo de danos moleculares e celulares.
Quem sabe, pelo menos garantir
uma velhice mais saudável e produtiva? Esperemos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O polegar do
violinista”
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