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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A MORTE É INEVITÁVEL? TALVEZ NÃO SEJA


Titono, príncipe de Tróia, homem reconhecido pela sua beleza, conquistou o coração da Eos, deusa da Aurora. Apaixonada, Eoa pediu a Zeus que fizesse de Titono um imortal. Porém esqueceu-se de pedir que ele também fosse jovem por toda a eternidade. O desejo mal elaborado causou sofrimento terrível a Titono, que envelheceu a cada dia de sua eternidade, a ponto de tornar-se um ancião enrugado e deformado, até que virou um gafanhoto - e imortal.

A moral da história é óbvia: Cuidado com o que você deseja! E nenhum desejo deve ser mais recorrente na mente humana do que evitar a morte. Evidentemente não é diferente com a ciência: os pesquisadores vêem descobrindo coisas fantásticas acerca da morte.

Relembrando. Os seres vivos vivem um ciclo da vida: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. A morte celular tem o nome de apoptose, porém ela estabelece um “fim da linha” no crescimento celular. Por exemplo, o espaço entre nossos dedos advém da morte de células que formariam uma espécie de nadadeiras, caso não houvesse apoptose.

Por isso a morte tem uma feição de desgaste do organismo, não é algo programado; portanto é evitável.  
Um ser vivo que é essencialmente imortal são as bactérias. Se estiverem em condições favoráveis, reproduzir-se-ão assexuadamente a um ritmo frenético e sem apresentar qualquer sinal de envelhecimento com o tempo.

A morte decorrente do envelhecimento, em princípio, é uma doença sexualmente transmitida. A reprodução sexuada partiu dos organismos eucariontes: células complexas e com núcleo para abrigar seu material genético. Inicialmente eram unicelulares.

Alguns organismos eucariontes unicelulares primitivos, quando em ambiente desvantajoso, unem-se em uma célula só. Esta é mais capaz de hibernar, torna-se mais resistente. Quando retornam ao ambiente mais adequado, se dividem normalmente.

Essa união, há um bilhão de anos, mais ou menos, tornou-se permanente: da união das duas células surgiu uma terceira, que carregava o material genético das duas iniciais. O passo seguinte foi a geração de células especializadas, com apenas um conjunto de DNA que se refere a todo o organismo e capazes de reproduzir todo o processo: unir-se a outra com as mesmas características e gerar um descendente com material genético dos “pai e da mãe”.

O interessante aqui foi o trade-off que se estabeleceu: mortalidade versus reprodução sexuada. É como se a imortalidade das bactérias assexuadas tivesse sido embutida nos óvulos e espermatozoides. É igualmente expensivo para um organismo consertar defeitos ou problemas surgidos em seu interior ou garantir herdeiros. Resultado: o organismo preferiu garantir filhos ... E assim nos tornamos mortais. Como o organismo não implementa melhorias e correções em si mesmo, nosso organismo passou a sofrer de doenças cardíacas, diabetes, celulite etc.

Como as doenças que se relacionam como o envelhecimento e que possuem uma origem genética - Parkinson, Alzheimer, osteoporose, enfermidades cardíacas etc. -, em geral apenas se iniciam na velhice, não costumam interferir na reprodução. Resultado: os genes também são passados adiante, ainda que o doador tenha morrido de uma dessas doenças, mas apenas aos 70 anos de idade, por exemplo.

No caso descrito acima, ele não apenas será imune à seleção natural, mas ainda poderá ser favorecido caso o gene que produzirá a doença genética na velhice seja o mesmo que tenha produzido algum benefício na juventude. Pesquisadores já são capazes de associar o gene que causa câncer com a produção acelerada de espermatozoides. O que liga os dois é a multiplicação de células. No caso do tumor, é uma multiplicação desordenada.

O trade-off que levou da imortalidade à mortalidade pode ser reproduzido para a análise de expectativa de vida. Camundongos e morcegos têm expectativas de vida bem diferentes: 3 anos e 30 anos, respectivamente. A diferença? Asas. Os morcegos têm bem mais chances de escapar de predadores. Com esse incentivo, seus organismos se adaptaram a mais anos de vida.

De posse desses conhecimentos, iniciaram-se pesquisas para saber quais as possibilidades de manipulação das condições impostas pela natureza. Usaram-se os vermes C. elegans (moscas-da-fruta e camundongos). Impuseram uma dieta com restrição calórica (fome, mas sem morrer de desnutrição); desativaram os genes responsáveis pelo metabolismo energético e pelo crescimento; esterilizaram as cobaias.

As moscas-da-fruta chegaram os 90 dias, contra duas semanas, na natureza (proporcionalmente, seriam um homem de 600 anos). Quando os cientistas extirparam as células reprodutivas com laser obtiveram resultados semelhantes. A relação entre fertilidade e fome é o exemplo do trade-off: a energia que iria para a função de reprodução sexuada é direcionada para a autopreservação do organismo.

As tentativas de reproduzir esses experimentos em humanos são irrefreáveis. Mesmo cientistas, como Aubrey de Grey se animaram diante das perspectivas. Seria aprender a manipular o organismo para evitar acúmulo de danos moleculares e celulares.

Quem sabe, pelo menos garantir uma velhice mais saudável e produtiva? Esperemos.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O polegar do violinista”

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