Em 1853, o pintor impressionista
Gustave Courbert pintou um retrato de Pierre-Joseph Proudhon. Ao melhor estilo
do pintor, foi pintada ao ar livre, num jardim, sentado sobre dois degraus. A
mão direita descansa sobre a coxa. A mão esquerda afaga a barba. O olhar parece
distante. Á sua direita, repousam livros, alguns abertos. No primeiro degrau,
papéis. Às suas costas, um tinteiro e uma pena. Veste uma bata larga de linho
branco. Duas meninas o acompanham: suas duas filhas.
Foi este homem quem declarou: “A
propriedade privada é um roubo!” Proudhon foi um revolucionário socialista, portanto
defensor da igualdade. Contudo sua linha de pensamento era bastante
individualista. Essa contradição pode ser explicada voltando-se às suas origens.
Courbet e Proudhon eram da região
do Franco Condado, fronteira com a Suíça. Era uma região de comerciantes e
artesãos, gente acostumada a se dedicar a atividades individuais. Sentiam-se
desconfortáveis com o caráter anônimo e coletivo do Estado. Essas pessoas
festejavam a independência, o fato de poderem governar suas vidas sem ter de
dar ouvidos a decisões de burocratas, tomadas a centenas de quilômetros dali,
por pessoas que mal conheciam a realidade local.
Era um mundo rural e burguês, de
raízes individuais e com pessoas orgulhosas de sua independência. Dali, também
provieram Victor Hugo e Charles Fourier.
Proudhon teve uma infância pobre.
Seu pai fracassou na tentativa de montar um negócio próprio. Teve de largar os
estudos e trabalhar para contribuir com o sustento de casa. Aprendeu o ofício
de tipógrafo. Leu muito, sobre os mais diversos assuntos. Tentou estabelecer um
negócio em Besançon. Fracassou.
Aos 28 anos, escreveu um livro
sobre gramática. Por causa deste, ganhou uma bolsa para estudar na Academia de
Besançon. Na sequência, foi a Paris. Ali, ao se deparar coma pobreza e o
sofrimento das pessoas, mudou muito intelectualmente.
Em 1840, publicou “O que é a
propriedade?” A resposta, no próprio texto, era: “A propriedade é o roubo.” A
inspiração para a frase foi de Jacques Pierre Brissot, intelectual da Revolução
Francesa.
Para Proudhon, homem que provinha
de um ambiente de muito trabalho, que valorizava sobremaneira o esforço
individual, a propriedade privada rendia benefícios ilegítimos, pois estes não
eram derivados do trabalho.
Proudgon distinguia entre
possessão e propriedade. A possessão era composta por bens de uso, enquanto a
propriedade era o capital, as máquinas, os bens de raiz. Por não recusar a
existência da posse individual, Proudhon foi acusado de se socialista burguês
pelos comunistas.
Seu individualismo se manifetava
até no orgulho que sentia por ser autodidata, ter aprendido o que sabia
sozinho. Não concordava totalmente com as ideologias socialista e comunista. A
esquerda o defenestrava por não se opor ao sistema de classes do capitalismo –
Proudhon desejava apenas conciliá-las. Os capitalistas acusavam-no de não levar
em conta a capacidade do capitalismo de se adaptar à realidade, não considerava
seu caráter progressista.
Como um bom individualista,
Proudhon não se importava de não se filiar a qualquer corrente de pensamento. E
no momento em que o nacionalismo atingia seu auge, chegava a flertar com o
perigo. Enquanto, para muitos, o Estado nacional significava liberdade, para
Proudhon o Estado centralizado era sinônimo de fim das liberdades individuais.
Para ele, a sociedade deveria se
organizar em pequenas unidades autônomas – novamente seu condado natal se fazia
presente em suas teses -, sem qualquer instituição acima delas (nem Estado nem
Igreja). Também não via necessidade de existir dinheiro. Acreditava que um
intercâmbio de mercadorias, que envolvesse um número suficientemente grande de pequenos
produtores, poderia substituí-lo. Novamente, somente benefícios advindos do
trabalho seriam aceitos. Em sua teoria, defendia o fim dos direitos de herança,
que evitaria o acúmulo de propriedades. Portanto ninguém estaria em condições
de exercer o poder econômico nem político sobre os outros.
Em 1846, Karl Marx pediu que
Proudhon o ajudasse no movimento comunista. Em carta de resposta, escreveu
Proudhon: “Procuremos juntos, se quiser, as leis da sociedade, as formas como
estas leis se realizam ... Mas, por Deus!, depois de ter derrubado todos os
dogmatismos a priori, não pensemos em doutrinar o povo, por nossa vez ... Lutemos
de forma séria e leal, demos ao mundo o exemplo de uma tolerância sábia e
prudente mas, por estar À cabeça do movimento, não nos tornemos chefes de uma
nova intolerância e não nos apresentemos como apóstolos de uma nova religião,
mesmo que fosse a religião da lógica, a religião da razão ... Não consideremos
nunca que uma questão se esgotou, e quando tivermos utilizado o nosso último
argumento, comecemos de novo, se necessário, com eloqüência e ironia. Com esta
condição, entrarei com prazer na sua associação; senão, não!”
Após esta carta, Marx apelidou-o
de ideólogo pequeno-burguês.
Em suma, o anarquista Proudhon
não queria o embate de classes previsto por Marx; mas desejava a supressão das
diferenças de classe, por meio de uma forma de sociedade em que cada um pudesse
desenvolver sua capacidade individual, livre de qualquer tutela.
Rubem L. de F. Auto
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