Embora a reprodução seja uma maneira de deixarmos um pouco
de nós mesmos nesse Planeta, após partirmos, o resultado prático desse
raciocínio pode ser desanimador. A divisão de DNA pela metade, a cada geração
dilui a presença de genes de dada pessoa. Após seis gerações, a proporção de
genes legados por uma pessoa a qualquer de seus descendentes fica em torno de
1%.
Pois bem, a homossexualidade é uma característica bem
presente nos vertebrados. O que intriga é que esse tipo de comportamento é
contrário à seleção natural das espécies. Os seres vivos tendem a se preocupar
com o que pode aumentar suas oportunidades de sobrevivência e de reprodução. É
isso que pode ajudar a gerar mais galhos na nossa árvore genealógica.
Então o que explicaria a atração por uma sexualidade que
consome recursos energéticos relevantes, mas que não gera descendentes? A
homossexualidade entre as diversas espécies é minoritária. Fica em torno de 10%
dos indivíduos. Mas também não é irrelevante. Se pensarmos que características
recessivas tendem a desaparecer, caso não se revelem adequadas à adaptação dos
indivíduos ao meio, torna-se ainda mais difícil explicar a persistência desse
comportamento. Afinal, se a heterossexualidade favorece tão mais a reprodução,
a homossexualidade deveria já ter desaparecido há muito tempo.
Uma saída para esse questionamento seria apelar a razões
culturais: faz-se por motivos recreativos, por pura diversão; em muitos casos,
eventualmente, vez ou outra; intercalando com relações com o sexo oposto. O que
ocorreria se o preconceito contra relações homossexuais desaparecesse? Talvez
pudéssemos ver nessa situação pessoas se comportando exclusivamente de acordo
com seus desejos sexuais mais íntimos, não de acordo com o que a sociedade
espera.
Note-se que o componente genético não pode ser descartado.
Se um indivíduo tiver um irmão gêmeo idêntico (seus DNA seriam 100% iguais) gay,
suas chances de ser homossexual seriam de 50%. Essa probabilidade é maior do
que se apenas o acaso estivesse agindo; mas não é de 100%, que seria o número caso
apenas a genética fosse o fator determinante na orientação sexual.
Cientistas mapearam o cérebro de homossexuais masculinos e
femininos. Suas imagens cerebrais mostram que eles se comportam de maneira
idêntica ao cérebro de heterossexuais do sexo oposto, fisiológica e
anatomicamente, diante de estímulos sexuais.
Explicações como a que apela a diferenças observadas no
ambiente uterino também vêem se mostrando insuficientes. Esta hipótese aponta
para variações nos hormônios sexuais no ambiente que abriga o feto. Tais
variações conduziriam a mudanças no comportamento sexual do indivíduo. No
entanto, não explica a persistência da homossexualidade ao longo do tempo.
Quem parece estar trazendo esclarecimentos reveladores a
esse respeito é o italiano Andrea Camperio Ciani, da Universidade de Pádua. Sua
hipótese: se a seleção natural não podou a homossexualidade, pode ser que componentes
genéticos revelem algum tipo de vantagem evolutiva.
Aqui vale fazer uma observação: alguns genes, também
chamados “genes egoístas” simplificadamente, não se preocupam com a reprodução
do indivíduo, mas na sua própria sobrevivência. Ainda que o custo da
persistência do gene na espécie seja a morte do indivíduo, para o gene esse
custo é aceitável. Podem-se observar traços desse comportamento em
homossexuais: caso sejam estritamente homossexuais, não se reproduzirão. No
entanto, os genes ligados à “atração gay” não se encontram apenas no organismo
de homossexuais; estão presentes também em seus parentes héteros. Portanto o
comportamento evolutivo desses genes não segue uma estratégia definida apenas
para indivíduos homossexuais, mas para todos. O comportamento homossexual seria
uma espécie de efeito colateral desses genes, sendo essa manifestação uma
exceção.
Por exemplo: as mães e tias de homossexuais masculinos
pesquisados mostravam-se bem mais férteis que a média das mulheres. Esse fato
não se repetiu com relação às tias paternas. Observou-se o mesmo em relação a homens
bissexuais. Ao seqüenciar os genes, chegou-se á possibilidade de que a causa
esteja em dois genes, sendo que um deles estaria no cromossomo X, daquela fatia
herdada das mães. Portanto afeta a todos, incluindo os homens.
Segundo os pesquisadores, os “genes gays” não promovem
fertilidade, mas hiperheterossexualidade. Trata-se de uma excessiva atração pelo
sexo oposto, que se manifesta faticamente no maior número de filhos. A
contraparte dessa síndrome seria a homossexualidade, ou bissexualidade, num
indivíduo do sexo masculino.
Em conclusão: os
genes são entidades interessados exclusivamente na transmissão de suas
características por gerações, ao longo do tempo. Os indivíduos homossexuais representariam
pequenas “derrotas” que acompanham grandes “vitórias”. O sucesso evolucionário
observado em pessoas hiperheterossexuais compensaria a “derrota” observada nos
poucos casos em que a homossexualidade se manifestou.
As pesquisas não terminaram, nem essas conclusões são
definitivas ... mas não deixaria de ser “hiperinteressante” saber que a
homossexualidade é efeito, justamento, do “hipersucesso” da heterossexualidade.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Além de Darwin: o que sabemos sobre a história
e o destino da vida na Terra”
Nenhum comentário:
Postar um comentário