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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

AS MULHERES QUE AJUDARAM A DESCOBRIR O DNA

Uma característica presente na história da descoberta da genética é o maior número de mulheres que contribuíram em suas descobertas. Uma delas foi a irmã Miriam Michael Stimson, uma freira dominicana. Ela fazia questão de trabalhar com o hábito completo, com direito a touca e véu.

Os primeiros trabalhos publicados pela irmã Stimson provavam que as bases do DNA eram mutáveis em sua forma, e isso ocorria constantemente.  Embora tenham sido verificadas posteriormente falhas em suas pesquisas, elas foram de grande importância para o trabalho posterior de Watson e Crick, ao descrever o formato em dupla hélice do DNA.

Outra pesquisadora que fez avançar sobremaneira as fronteiras da genética foi Rosalind Franklin. Foi ela quem tirou a primeira fotografia do DNA. Aliás, sua chapa fotográfica deixava bastante evidente a dupla hélice, o que leva muitos a acusarem Watson e Crick de plágio.

No início do século XX, Miescher descobriu a constituição química do DNA. Mas o questionamento que tal descoberta levantou também era estimulante: qual seria o seu formato? O encaixe de A com T e de C com G eram totalmente desconhecidos até a década de 1950.

O desafio era encontrar uma maneira lógica pela qual essas letrinhas se encaixariam. O modelo de Watson e Crick foi apenas uma maneira mais inteligente pela qual conseguiram o encaixe logicamente adequado.
O trabalho anterior de irmã Miriam se iniciou com ela tentando traçar a forma das bases do DNA. Embora soe estranho que uma freira estivesse desafiando um campo técnico, num momento crucial para aquela ciência, ela mesma tratou de explicar que o que ela fazia não era algo tão inusitado assim. Ela disse certa vez que a maioria das mulheres cientistas que conhecera em encontros e conferências eram freiras, como ela.

Vale uma curta explicação. Naquela época, início do século XX, as mulheres que tinham interesse por fazer ciência, se se casassem, terminavam por desistir da carreira para se dedicar à família. Caso resolvessem por não se casar, sofriam escárnios públicos, como ocorreu com Rosalind Franklin. Levantando comentários maldosos, sem se falar no péssimo pagamento que recebiam. Por seu turno, as freiras eram solteiras respeitadas e ainda constavam com o apoio financeiro da Ordem a que pertencessem. A Odem de irmã 
Miriam ficava em Michigan. Trabalhava muito, tanto como responsável pelo alojamento dos estudantes quanto dando aulas. E deveria usar o hábito completo, sempre.

Irmã Miriam era muito inteligente. Seu apelido, dado pelas freiras que a auxiliavam no laboratório a chamavam de M². Contribuíram para a medicina, descobrindo a Preparação H. No final da década de 1940, ela parecia ter feito grandes progressos no formato das bases de DNA.

As bases do DNA (A, C, G e T) são compostas por átomos de carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. O grande problema para traçar o formato dessas bases é o hidrogênios: é o elemento mais leve, mais sujeito a pressões externas e, como conseqüência, movem-se para diferentes posições, alterando frequentemente o formato da base que constitui. A posição do hidro9gênio é fundamental para que o DNA se mantenha coeso.

O átomo de hidrogênio é composto por um elétron que rodeia um átomo. Seu elétron é atraído pela parte interna da fita de DNA, deixando a carga positiva exposta para a parte externa do DNA. O hidrogênio, assim, une duas fitas, por meio da carga elétrica negativa de um lado, e da carga positiva do outro. A parte negativa, em geral, une-se a oxigênio ou nitrogênio, que acumulam elétrons.  A ligação descrita não é muito forte, o que é uma vantagem quando o DNA pretende se recombinar.

O grande obstáculo que Watson e Crick enfrentaram no seu modelo foi o fato de que ninguém sabia como encaixar o hidrogênio com o oxigênio sem que se soubesse que certas bases sempre se encaixavam aos pares.

Irmã Miriam dissolveu as bases em soluções de alta e baixa acidez – no primeiro caso, aumentava o número de íons; no segundo, os diminuía. Ao iluminar a solução com ultravioleta, percebeu variações na absorção da luz, o que indicava mudança de forma nas moléculas. Contudo, alguns anos depois, percebeu-se que a mistura em alta acidez era inadequada e alterava os resultados significativamente, pois criava bases artificiais novas.

Apesar desses resultados mal sucedidos, irmã Miriam criou o método de análise por ultravioleta. Foi o uso dessa técnica que permitiu a Erwin Chargaff descobrir que o DNA tinham em quantidades iguais as bases A e T; C e G. Foi essa descoberta que levou Watson e Crick a fecharem seu modelo do DNA.
Interessante notar que aquelas ligações de hidrogênio (ou pontes de hidrogênio) passaram a ser descartadas nos modelos seguintes, já que o modelo Watson-Crick não permitiu incluí-las com a certeza de como funcionariam.

Irmã Miriam continuou seus trabalhos. Porém agora passou para o outro lado do espectro da luz: o infravermelho era, agora, sua arma. Mistura DNA com brometo de potássio. A Força Aérea americana doou uma máquina para que fabricassem os componentes utilizados na pesquisa com mais facilidade. Ao cortar o brometo de potássio em discos com 1 milímetro de espessura, o infravermelho atravessava e somente atingia as bases pesquisadas. Confirmou-se assim o modelo Watson-Crick. As bases só tinham um formato natural, e era aquele que permitia a formação das pontes de hidrogênio.

Nos anos 1960, talvez atraída pelas idéias inovadoras da época, irmã Miriam abandonou o hábito, aprendeu a dirigir, proferiu palestras na Sorbonne (a primeira cientista, desde Madame Curie). Nos anos finais de vida, voltou a se dedicar à Ordem dominicana.

E assim uma mulher religiosa ajudou a desvendar um dos segredos da vida ...

Em 1963, após a divulgação do modelo em dupla hélice, muitos cientistas foram conferir a descoberta dos dois britânicos. De tanto remexer as entranhas das células, descobriu-se o DNA mitocondrial – mtDNA. Ao tentar argumentar sobre a origem daquela estranha constatação, chegou-se à teoria da endossimbiose, segundo a qual célula e mitocôndrias eram dois seres distintos que passaram a colaborar num esquema simbiótico vantajoso para ambos.

A teoria da endossimbiose foi criada por uma cientista chamada Lynn Margulis. Era conhecida por gostar de chocar suas platéias em suas conferências.

Nos anos seguintes, foram feitas mais algumas descobertas sobre as mitocôndrias, como o formato do seu DNA, bem parecido com o dos micróbios. As descobertas acerca da mitocôndrias foram muitas, ainda ocorrem e já abordei em outro post.

A outra mulher fantástica foi Barbara McClintock. Ainda como estudante, ela aperfeiçoou a técnica de “esmagadura”, por meio da qual chegou aos 10 cromossomos do milho. Ainda mais: descobriram que eles trocavam material genético entre si.

Suas descobertas estão muito relacionadas aos trabalhos de Thomas Morgan. Este recebeu seu Prêmio Nobel apenas dois anos após a publicação das descobertas de McClintock, em 1931.
Barbara era rude, vivia num meio altamente machista e foi acusada de passar a perna em vários colegas. Seu trabalho com milhos era promissor, como estava relacionado a uma indústria gigante, estava sempre irrigado de dinheiro.  

Partindo da visão de Morgan, de que os genes se localizavam no DNA como pérolas num colar, Barbara observou o que chamou de “genes saltadores”, que alteravam sua posição no DNA. Quando ocorria essa alteração do posicionamento, a cor do milho se alterava.

Esse genes eram elementos controiladores, que ligavam e desligavam certos genes – nesse caso, os que produziam pigmentos.  Atualmente são chamados de transpósons ou DNA móvel.

A teoria para o surgimento desses genes saltadores é a seguinte: cerca de 550 milhões de anso atrás, surgiram criaturas multicelulares. Os primeiros seres multicelulares foram provavelmente um engano da natureza: eram cobertos por substâncias pegajosas que uniram suas células. Ao tentar coordenar suas funções, nasceram as células especializadas.

Apesar de fantástica, essa explicação e a própria existências dos “genes saltadores” foi desacreditada pela ciência machista de então. No fim dos anos 1960, biólogos que desdenharam de Barbara também passaram a avistar tais genes.

Por suas descobertas e como maneira de pedir desculpas pelo modo rude como foi tratada, nos anos 1980 foi lançada sua biografia: A feeling of the organism, publicada em 1983.Faleceu em 1992, aos 90 anos.  



Rubem L. de F. Auto   

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