O filósofo Sócrates viveu de 470
a 399 a.C. Quando o ano de 400 a.C. chegava ao fim, um cidadão de nome Meletos
apresentou em Atenas uma acusação contra Sócrates. A acusação apresentava pouca
densidade probatória e a pena solicitada soava absurda. A acusação dizia que
Sócrates, aos seus 70 anos, não respeitava os deuses e, inclusive, tentava introduzir
novos deuses. Acusava-o também de corromper a juventude. Por isso, deveria
morrer.
Sócrates era o filósofo mais
famoso de Atenas. Mas não era unanimidade. Sua aparência e seus hábitos
chocavam alguns concidadãos. Normalmente ele abordava pessoas aleatoriamente e
indagava-lhes perguntas filosóficas que, não raro, levavam o interlocutor a se
sentir humilhado após algumas respostas.
A ágora era uma preça triangular,
dedicada ao comércio e cercada por prédios públicos e templos. Quem fosse lá à
tarde fazer compras poderia ser interrompido por um homem sujo, maltrapilho, de
narigudo, de cabeça grande, cabelo ralo e testa alta e pronunciada e que
poderia perguntar-lhe: o que é a sabedoria? O que é você considera justo ou injusto?
Diante da resposta dada, Sócrates logo fazia outra pergunta, que tornava a resposta
anterior débil. E não parava, a ponto de muito pensarem que seu objetivo era
ridicularizar as pessoas. Não era: ele queria adquirir conhecimento. Ele punha
constantemente idéias e conclusões em dúvida.
A esse método de fazer perguntas
e estimular a meditação denomina-se método socrático. Buscava-se com este adquirir
a verdadeira sabedoria.
Nos anos da acusação contra
Sócrates, Atenas apenas retornara à democracia, após a derrota na Guerra do
Peloponeso, contra Esparta, depois de 27 anos. O general espartano Lisandro nomeou
30 generais que devastaram a cidade de Atenas: os Trinta Tiranos. Algum tempo
depois, a cidade conseguiu afastá-los do poder. Porém, Sócrates, com seus
questionamentos e dúvidas, corporificava a incerteza que seus concidadãos tanto
desejavam afastar. Queriam, agora, respostas claras, certezas. Os anos de
conflitos levaram-nos a sonhar com estabilidade. Sócrates representava agora um
perturbador da ordem pública.
O caso foi julgado em Atenas,
perante um júri composto por 500 cidadãos. Sócrates fez sua própria defesa.
Baseava-se na máxima: “Só sei que nada sei.”
Ele fez três discursos, conforme
o texto Apologia de Sócrates, de Platão. No primeiro, Sócrates argumentava que
todos aqueles que estudavam sobre todos os assuntos, como ele, questionavam
tudo, mesmo a existência dos deuses. A sua sabedoria era a prova de seu método.
Sócrates foi questionado sobre
como havia conquistado a fama de sábio. Respondeu que Xenofonte perguntou ao
Oráculo de Delfos quem era o mais sábio de Atenas, ao que ouviu como resposta: “Sábio
é Sófocles, mais sábio é Eurípedes, mas, dentre todos, o mais sábio é Sócrates.”
Insatisfeito com a resposta, Sócrates decidiu rebater o Oráculo e perguntou a
políticos, poetas e artesãos quem era mais sábio e percebeu que todos se
consideravam muito sábios por dominarem seus ofícios, suas profissões. Assim,
Sócrates deduziu que era de fato o mais sábio de todos, por um motivo: ele
mesmo não se considerava ser sábio! Daí: “Só sei que nada sei”, sua célebre frase.
Uma explicação possível para a
frase seria, após eliminar a carga irônica, seria que Sócrates suspeitava saber
de algumas coisas, mas não seriam suficientes para dizer-se sábio.
Após os discursos de Sócrates,
iniciou-se a votação. 280 juízes votaram para que fosse culpado e 220 votaram
pela absolvição. Após, iniciou-se a fase de propositura e votação de penas, em
que participavam tanto acusação como defesa. A acusação novamente solicitou a
pena de morte. Sócrates fez sua proposta: converter-se em benfeitor público e
solicitou hospedagem gratuita, por toda a vida, no mercado municipal.
Evidentemente essa proposta foi considerada uma ofensa e tal ironia custaria
caro a Sócrates. Mesmo fazendo uma segunda proposta, pela qual seria imposta
uma sanção econômica, a condenação foi inevitável. Só para ter-se uma dimensão
de como o velho filósofo irritou sua audiência: 360 votaram pela condenação à
morte, 140 foram contra. Pelos menos 80 votos se voltaram contra ele após a
provocação.
O terceiro discurso de Sócrates,
iniciava-se direcionado àqueles que o condenavam: advertiu-os de que não se
livrariam das perguntas incômodas após a morte dele, pois seus sucessores
seriam ainda mais incômodos do que ele próprio. Aos amigos, disse que não temia
a morte. Se fosse como dormir sem sonhar, seria um prêmio. Se fosse como viver
num mundo cercado por pessoas do passado, alegrava-se diante da perspectiva de
conhecer Homero, Hesíodo ou Minos.
Sócrates passou mais um mês no
cativeiro, onde recebia muitos amigos. Segundo Platão, teve a chance de fugir,
mas não se aproveitou dela. Não queira atuar contra a justiça vigente, embora
fosse bastante questionável. Bebeu um copo de cicuta ... e partiu ao encontro
de seus ídolos do passado.
Demonstrar que a confissão de
ignorância acerca de algo é o início da verdadeira aquisição de conhecimento.
Sócrates também demonstrou que a coragem com que enfrentou seu destino deixou
patentes a injustiça do julgamento, claramente político (voltado a punir alguém
que a cidade achava incômodo, com suas observações e críticas sociais), e a falta
de fundamentação das acusações que sofreu.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A história do mundo
em 50 frases.”
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