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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

SÓ SEI QUE NADA SEI – AH! TAMBÉM SEI QUE VOCÊS NADA SABEM SOBRE AQUILO QUE DECIDEM


O filósofo Sócrates viveu de 470 a 399 a.C. Quando o ano de 400 a.C. chegava ao fim, um cidadão de nome Meletos apresentou em Atenas uma acusação contra Sócrates. A acusação apresentava pouca densidade probatória e a pena solicitada soava absurda. A acusação dizia que Sócrates, aos seus 70 anos, não respeitava os deuses e, inclusive, tentava introduzir novos deuses. Acusava-o também de corromper a juventude. Por isso, deveria morrer.

Sócrates era o filósofo mais famoso de Atenas. Mas não era unanimidade. Sua aparência e seus hábitos chocavam alguns concidadãos. Normalmente ele abordava pessoas aleatoriamente e indagava-lhes perguntas filosóficas que, não raro, levavam o interlocutor a se sentir humilhado após algumas respostas.

A ágora era uma preça triangular, dedicada ao comércio e cercada por prédios públicos e templos. Quem fosse lá à tarde fazer compras poderia ser interrompido por um homem sujo, maltrapilho, de narigudo, de cabeça grande, cabelo ralo e testa alta e pronunciada e que poderia perguntar-lhe: o que é a sabedoria? O que é você considera justo ou injusto? Diante da resposta dada, Sócrates logo fazia outra pergunta, que tornava a resposta anterior débil. E não parava, a ponto de muito pensarem que seu objetivo era ridicularizar as pessoas. Não era: ele queria adquirir conhecimento. Ele punha constantemente idéias e conclusões em dúvida.

A esse método de fazer perguntas e estimular a meditação denomina-se método socrático. Buscava-se com este adquirir a verdadeira sabedoria.

Nos anos da acusação contra Sócrates, Atenas apenas retornara à democracia, após a derrota na Guerra do Peloponeso, contra Esparta, depois de 27 anos. O general espartano Lisandro nomeou 30 generais que devastaram a cidade de Atenas: os Trinta Tiranos. Algum tempo depois, a cidade conseguiu afastá-los do poder. Porém, Sócrates, com seus questionamentos e dúvidas, corporificava a incerteza que seus concidadãos tanto desejavam afastar. Queriam, agora, respostas claras, certezas. Os anos de conflitos levaram-nos a sonhar com estabilidade. Sócrates representava agora um perturbador da ordem pública.

O caso foi julgado em Atenas, perante um júri composto por 500 cidadãos. Sócrates fez sua própria defesa. Baseava-se na máxima: “Só sei que nada sei.”

Ele fez três discursos, conforme o texto Apologia de Sócrates, de Platão. No primeiro, Sócrates argumentava que todos aqueles que estudavam sobre todos os assuntos, como ele, questionavam tudo, mesmo a existência dos deuses. A sua sabedoria era a prova de seu método.

Sócrates foi questionado sobre como havia conquistado a fama de sábio. Respondeu que Xenofonte perguntou ao Oráculo de Delfos quem era o mais sábio de Atenas, ao que ouviu como resposta: “Sábio é Sófocles, mais sábio é Eurípedes, mas, dentre todos, o mais sábio é Sócrates.” Insatisfeito com a resposta, Sócrates decidiu rebater o Oráculo e perguntou a políticos, poetas e artesãos quem era mais sábio e percebeu que todos se consideravam muito sábios por dominarem seus ofícios, suas profissões. Assim, Sócrates deduziu que era de fato o mais sábio de todos, por um motivo: ele mesmo não se considerava ser sábio! Daí: “Só sei que nada sei”, sua célebre frase.

Uma explicação possível para a frase seria, após eliminar a carga irônica, seria que Sócrates suspeitava saber de algumas coisas, mas não seriam suficientes para dizer-se sábio.

Após os discursos de Sócrates, iniciou-se a votação. 280 juízes votaram para que fosse culpado e 220 votaram pela absolvição. Após, iniciou-se a fase de propositura e votação de penas, em que participavam tanto acusação como defesa. A acusação novamente solicitou a pena de morte. Sócrates fez sua proposta: converter-se em benfeitor público e solicitou hospedagem gratuita, por toda a vida, no mercado municipal. Evidentemente essa proposta foi considerada uma ofensa e tal ironia custaria caro a Sócrates. Mesmo fazendo uma segunda proposta, pela qual seria imposta uma sanção econômica, a condenação foi inevitável. Só para ter-se uma dimensão de como o velho filósofo irritou sua audiência: 360 votaram pela condenação à morte, 140 foram contra. Pelos menos 80 votos se voltaram contra ele após a provocação.

O terceiro discurso de Sócrates, iniciava-se direcionado àqueles que o condenavam: advertiu-os de que não se livrariam das perguntas incômodas após a morte dele, pois seus sucessores seriam ainda mais incômodos do que ele próprio. Aos amigos, disse que não temia a morte. Se fosse como dormir sem sonhar, seria um prêmio. Se fosse como viver num mundo cercado por pessoas do passado, alegrava-se diante da perspectiva de conhecer Homero, Hesíodo ou Minos.

Sócrates passou mais um mês no cativeiro, onde recebia muitos amigos. Segundo Platão, teve a chance de fugir, mas não se aproveitou dela. Não queira atuar contra a justiça vigente, embora fosse bastante questionável. Bebeu um copo de cicuta ... e partiu ao encontro de seus ídolos do passado.

Demonstrar que a confissão de ignorância acerca de algo é o início da verdadeira aquisição de conhecimento. Sócrates também demonstrou que a coragem com que enfrentou seu destino deixou patentes a injustiça do julgamento, claramente político (voltado a punir alguém que a cidade achava incômodo, com suas observações e críticas sociais), e a falta de fundamentação das acusações que sofreu.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A história do mundo em 50 frases.”




   

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