Outro famoso que sofreu sua vida
inteira por doenças genéticas foi Charles Darwin. Ele sabia que um exame mais
aprofundado de saúde não lhe permitiria participar da expedição a bordo do HMS
Beagle. Recusou-se a se submeter a tais exames e partiu na viagem em que
desenvolveria sua teoria da evolução, em 1831. Contudo, a bordo do navio, sua
saúde desmoronou. Em alto-mar, sofria constantemente por enjôos. Quando afundeado,
chegou a fazer expedições em terra de mais de 40Km. Recolheu montanhas de
amostras.
Quando voltou à Europa, casou-se
e viu seu corpo chegar a um estado de quase invalidez. Era um homem
constantemente ofegante, enjoado, indisposto. Seu corpo sofria com furúnculos,
taquicardia, insônia, exaqueca etc. Tinha alucinações, sofria tonturas.
Frequentemente ouvia zumbidos que eram seguidos por crises de gases. Regurgitava
o dia inteiro, após cada refeição. Chegou a vomitar vinte vezes em uma hora. Ele
notou que o cansaço mental, decorrente de seus trabalhos, levava incompreensivelmente
à piora do seu estômago.
Retirou-se para um sanatório,
afastado da cidade, em busca de melhoras. Funcionou e retornou quatro meses
depois ... apenas para ver sua cidade degringolar novamente.
Em relação aos retrodiagnósticos
de Darwin, os médicos discordam muito. Já se falou em: problemas no ouvido
médio, alergia a pombos, hepatite incubada, lúpus, narcolepsia e mais um monte
de outras doenças candidatas. Falou-se em tumor na suprarrenal, como Kennedy. O
que parece ser mais convincente é Doença de Chagas. Seu mascote de viagens era
um inseto barbeiro. Outros médicos incluem: síndrome do vômito cíclico, grave
intolerância à lactose.
Para entender as questões de
fundo genético de Darwin, deve-se entender a sua época. Na Inglaterra vitoriana
do século XIX, cerca de 10% das famílias mais ricas só se casavam com parentes
de sangue. Darwin era de família bastante tradicional e de posses; não foi
diferente consigo e casou-se com uma prima de primeiro grau.
Tiveram dez filhos, três
cresceram e tornaram-se adultos inférteis; três morreram jovens; um viveu por
dezenove anos; uma filha sobreviveu por 23 dias; uma outra filha morreu aos dez
anos. Darwin perdeu completamente sua
fé.
Entretanto Darwin tinha
consciência de sua contribuição para essa maldição genética. Embora filhos de
primos em primeiro grau tenham até 90% de chances de serem saudáveis, os riscos
de problemas genéticos tornam-se muito maiores. Para entender esse problema,
Darwin fez testes com plantas miscigenadas. Diante dos resultados, encaminhou
uma petição ao Parlamento para que se proibissem casamentos consanguíneos, em
1871. Não houve a proibição, um de seus filhos, George, fez campanha a seu
favor.
Quanto aos músicos, Sergei
Rachmaninoff tinha mãos enormes, talvez por sofrer de síndrome de Marfan. Esse
pianista alcançava uma oitava e meia com uma das mãos. Por sua vez, Robert
Schumann sofria de espasmos em um dos dedos por distonia focal. Fora obrigado a
compor peças que não faziam uso desse dedo.
Mas o auge das complicações
genéticas ficou patente em Niccolò Paganini. O compositor Gioacchino Rossini
disse que só havia chorado três vezes na vida, uma delas foi ouvindo o violino
de Paganini. Famoso por romper as cordas do violino no final das apresentações,
foi nomeado Cavaleiro da Espora Dourada pelo papa Leão XII. Circularam moedas
em diversos países com seu rosto gravado. Além de violinista virtuose,
compunha.
Aproveitando as lendas que diziam
que seu talento era fruto de uma relação íntima com o diabo, intitulava suas
composições como “Gargalhada do Diabo”, ou “Dança das Bruxas”.
Seu talento era devido, além de
anos de dedicação à sua arte, a uma flexibilidade inusitada nas mãos. Conseguia
uma variação de notas impossível aos demais músicos e tocava até mil notas por
minuto. Conseguia efeitos que soavam como dois violinos tocados simultaneamente.
Seu concorrente nos palcos, Karol Lipinski, admirava-se dos seus dedos pequenos,
porém muito fortes.
Paganini foi uma criança muito
adoentada. Conseguiu estudar violino por sete anos, com afinco, mas teve de
superar períodos de enfermidade. Alguns dos seus sintomas indicam uma doença
genética denominada síndrome de Ehlers-Danlos (SED). Ela reduz a produção de
colágeno, fibra que torna tendões e ligamentos mais rígidos e os ossos mais
resistentes. A flexibilidade de certos artistas de circo se deve a essa
síndrome.
Por outro lado, sua falta leva à
fadiga muscular, pulmões fracos, problemas intestinais, visão fraca, pele quase
translúcida e sujeita a danos, com certa facilidade. Depois de longas
apresentações de pé, Paganini sentia dores fortes nos joelhos e nas pernas.
Após 1810, depois de longas
turnês, e embora tivesse pouco mais de 30 anos, Paganini viu seu corpo ceder às
intempéries. Estava rico, porém com a saúde a tal ponto em frangalhos que foi
despejado do imóvel que locara porque o proprietário achou que ele estava
falecendo por tuberculose. Chegou ao ponto de amarrar os dentes para poder
comer algo. Cancelou apresentações, até que parou finalmente em 1820.
Procurou muitos médicos, que
diagnosticaram sífilis, tuberculose, receitaram remédios os mais exóticos
imagináveis, a ponto de destruir suas víceras, acabar com seus dentes e,
finalmente, deixá-lo mudo. Morreu em 1840. De fato, a SED pôde ser diagnosticada
em Paganini em função de sua pele sensível e muito fina. Dr. Benatti, que fez
esse diagnóstico em 1830, notou que eram características de nascença do músico.
Em seu leito de morte, recusou a
comunhão e a confissão, talvez em profundo desgosto por causa do sofrimento que
viveu nos anos anteriores. Por não ter os sacramentos, a Igreja se recusou a
enterrá-lo como cristão. Apenas muito tempo depois, sua família pôde
enterrá-lo, às escondidas, num jardim particular em Gênova. Trinta e seis anos
depois, a Igreja o perdoou.
O pintor francês Henri Toulouse-Lautrec,
conhecido pelas crônicas imagéticas do Moulin Rouge, foi uma das famosas
vítimas dos cruzamentos genéticos consangüíneos. Seu antepassado mais poderoso
foi Carlos Magno, seguindo-se toda a linhagem de nobres de Toulouse,
governantes do sul da França. Por desentendimentos com o Vaticano, dez de seus
parentes foram excomungados pelo papa em ocasiões diversas.
Para manter suas terras, os
nobres Toulouse-Lautrec somente permitiam casamentos entre parentes.
Aumenta-se, assim, a probabilidades de mutações recessivas surgirem. Sempre que
temos alguma mutação recessiva, a cura pode estar na outra fita de DNA, que
deverá conter uma cópia saudável do gene alterado, sem a mutação. A probabilidade
de ambos os pais conterem mutações malignas é muito baixa ... mas aumenta
sobremaneira quando se trata de consangüíneos. Seus filhos podem herdar genes
defeituosos em ambas as fitas.
Henri, aos seis meses pesava
apenas 5Kg. Sua moleira só se fechou aos quatro anos. Seus braços e pernas eram
atrofiados e disformes. Na adolescência já usava bengalas. Quebrou ambos os
fêmures, sem que se curassem completamente. Adulto, devia medir por volta de
1,35 metros. O diagnóstico é complicado, mas não se descarta problemas em genes
recessivos. Diversos parentes de Henri apresentavam as mesmas deformidades.
Henri foi a Paris estudar, lá
conheceu a “turma do boêmio e bebedores de absinto”, tornou-se um dos pintores
mais famosos da época, enriqueceu, mas deprimia-se constantemente em função de
sua aparência. Bebia muito e morreu na década de 1890, aos 36 anos. O “gênio da
deformação” notava mais motivos para tal apelido, além dos ângulos inusitados
que explorava em suas obras.
A maldição dos genes também
atingiu os poderosos Habsburgo. Assim como os demais soberanos da época, os
casamentos consanguíneos eram a regra para a manutenção das riquezas e da “pureza”
da linhagem. Embora essa regra valesse para toda a família, o ramo espanhol se
superou. Os casamentos nessa condição chegavam a 80% do total. Cerca de 30% dos
bebês morriam. Dos restantes, 20% não atingiam os dez anos. Algumas
características genéticas os marcaram: lábios neporianos, mandíbula exageradamente
grande.
O último rei nessa condição foi
Carlos II, que não deixou herdeiros. Sua mandíbula era tão mal formada que ele
não conseguia mastigar. A língua se enrolava na sua boca e ele mal conseguia
falar. Diz-se que tinha problemas mentais, além dos problemas físicos grotescos.
Começou a andar com oito anos de idade. Morreu pouco antes dos quarenta.
Como se não fosse o bastante,
importaram uma prima para que se casasse com ele. Como sofria de ejaculação
precoce, não tiveram filhos. Foi o fim da dinastia.
Rubem L. de F. Auto
FONTE: "O POLEGAR DO VIOLINISTA"
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