Pesquisar as postagens

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

RETRODIAGNÓSTICOS: O QUE REALMENTE MATOU ALGUMAS DAS PESSOAS MAIS FAMOSAS DA HISTÓRIA? --- PARTE 2


Outro famoso que sofreu sua vida inteira por doenças genéticas foi Charles Darwin. Ele sabia que um exame mais aprofundado de saúde não lhe permitiria participar da expedição a bordo do HMS Beagle. Recusou-se a se submeter a tais exames e partiu na viagem em que desenvolveria sua teoria da evolução, em 1831. Contudo, a bordo do navio, sua saúde desmoronou. Em alto-mar, sofria constantemente por enjôos. Quando afundeado, chegou a fazer expedições em terra de mais de 40Km. Recolheu montanhas de amostras.

Quando voltou à Europa, casou-se e viu seu corpo chegar a um estado de quase invalidez. Era um homem constantemente ofegante, enjoado, indisposto. Seu corpo sofria com furúnculos, taquicardia, insônia, exaqueca etc. Tinha alucinações, sofria tonturas. Frequentemente ouvia zumbidos que eram seguidos por crises de gases. Regurgitava o dia inteiro, após cada refeição. Chegou a vomitar vinte vezes em uma hora. Ele notou que o cansaço mental, decorrente de seus trabalhos, levava incompreensivelmente à piora do seu estômago.

Retirou-se para um sanatório, afastado da cidade, em busca de melhoras. Funcionou e retornou quatro meses depois ... apenas para ver sua cidade degringolar novamente.

Em relação aos retrodiagnósticos de Darwin, os médicos discordam muito. Já se falou em: problemas no ouvido médio, alergia a pombos, hepatite incubada, lúpus, narcolepsia e mais um monte de outras doenças candidatas. Falou-se em tumor na suprarrenal, como Kennedy. O que parece ser mais convincente é Doença de Chagas. Seu mascote de viagens era um inseto barbeiro. Outros médicos incluem: síndrome do vômito cíclico, grave intolerância à lactose.

Para entender as questões de fundo genético de Darwin, deve-se entender a sua época. Na Inglaterra vitoriana do século XIX, cerca de 10% das famílias mais ricas só se casavam com parentes de sangue. Darwin era de família bastante tradicional e de posses; não foi diferente consigo e casou-se com uma prima de primeiro grau.

Tiveram dez filhos, três cresceram e tornaram-se adultos inférteis; três morreram jovens; um viveu por dezenove anos; uma filha sobreviveu por 23 dias; uma outra filha morreu aos dez anos.  Darwin perdeu completamente sua fé.

Entretanto Darwin tinha consciência de sua contribuição para essa maldição genética. Embora filhos de primos em primeiro grau tenham até 90% de chances de serem saudáveis, os riscos de problemas genéticos tornam-se muito maiores. Para entender esse problema, Darwin fez testes com plantas miscigenadas. Diante dos resultados, encaminhou uma petição ao Parlamento para que se proibissem casamentos consanguíneos, em 1871. Não houve a proibição, um de seus filhos, George, fez campanha a seu favor.

Quanto aos músicos, Sergei Rachmaninoff tinha mãos enormes, talvez por sofrer de síndrome de Marfan. Esse pianista alcançava uma oitava e meia com uma das mãos. Por sua vez, Robert Schumann sofria de espasmos em um dos dedos por distonia focal. Fora obrigado a compor peças que não faziam uso desse dedo.

Mas o auge das complicações genéticas ficou patente em Niccolò Paganini. O compositor Gioacchino Rossini disse que só havia chorado três vezes na vida, uma delas foi ouvindo o violino de Paganini. Famoso por romper as cordas do violino no final das apresentações, foi nomeado Cavaleiro da Espora Dourada pelo papa Leão XII. Circularam moedas em diversos países com seu rosto gravado. Além de violinista virtuose, compunha.

Aproveitando as lendas que diziam que seu talento era fruto de uma relação íntima com o diabo, intitulava suas composições como “Gargalhada do Diabo”, ou “Dança das Bruxas”.

Seu talento era devido, além de anos de dedicação à sua arte, a uma flexibilidade inusitada nas mãos. Conseguia uma variação de notas impossível aos demais músicos e tocava até mil notas por minuto. Conseguia efeitos que soavam como dois violinos tocados simultaneamente. Seu concorrente nos palcos, Karol Lipinski, admirava-se dos seus dedos pequenos, porém muito fortes.

Paganini foi uma criança muito adoentada. Conseguiu estudar violino por sete anos, com afinco, mas teve de superar períodos de enfermidade. Alguns dos seus sintomas indicam uma doença genética denominada síndrome de Ehlers-Danlos (SED). Ela reduz a produção de colágeno, fibra que torna tendões e ligamentos mais rígidos e os ossos mais resistentes. A flexibilidade de certos artistas de circo se deve a essa síndrome.

Por outro lado, sua falta leva à fadiga muscular, pulmões fracos, problemas intestinais, visão fraca, pele quase translúcida e sujeita a danos, com certa facilidade. Depois de longas apresentações de pé, Paganini sentia dores fortes nos joelhos e nas pernas.

Após 1810, depois de longas turnês, e embora tivesse pouco mais de 30 anos, Paganini viu seu corpo ceder às intempéries. Estava rico, porém com a saúde a tal ponto em frangalhos que foi despejado do imóvel que locara porque o proprietário achou que ele estava falecendo por tuberculose. Chegou ao ponto de amarrar os dentes para poder comer algo. Cancelou apresentações, até que parou finalmente em 1820.

Procurou muitos médicos, que diagnosticaram sífilis, tuberculose, receitaram remédios os mais exóticos imagináveis, a ponto de destruir suas víceras, acabar com seus dentes e, finalmente, deixá-lo mudo. Morreu em 1840. De fato, a SED pôde ser diagnosticada em Paganini em função de sua pele sensível e muito fina. Dr. Benatti, que fez esse diagnóstico em 1830, notou que eram características de nascença do músico.

Em seu leito de morte, recusou a comunhão e a confissão, talvez em profundo desgosto por causa do sofrimento que viveu nos anos anteriores. Por não ter os sacramentos, a Igreja se recusou a enterrá-lo como cristão. Apenas muito tempo depois, sua família pôde enterrá-lo, às escondidas, num jardim particular em Gênova. Trinta e seis anos depois, a Igreja o perdoou.

O pintor francês Henri Toulouse-Lautrec, conhecido pelas crônicas imagéticas do Moulin Rouge, foi uma das famosas vítimas dos cruzamentos genéticos consangüíneos. Seu antepassado mais poderoso foi Carlos Magno, seguindo-se toda a linhagem de nobres de Toulouse, governantes do sul da França. Por desentendimentos com o Vaticano, dez de seus parentes foram excomungados pelo papa em ocasiões diversas.

Para manter suas terras, os nobres Toulouse-Lautrec somente permitiam casamentos entre parentes. Aumenta-se, assim, a probabilidades de mutações recessivas surgirem. Sempre que temos alguma mutação recessiva, a cura pode estar na outra fita de DNA, que deverá conter uma cópia saudável do gene alterado, sem a mutação. A probabilidade de ambos os pais conterem mutações malignas é muito baixa ... mas aumenta sobremaneira quando se trata de consangüíneos. Seus filhos podem herdar genes defeituosos em ambas as fitas.

Henri, aos seis meses pesava apenas 5Kg. Sua moleira só se fechou aos quatro anos. Seus braços e pernas eram atrofiados e disformes. Na adolescência já usava bengalas. Quebrou ambos os fêmures, sem que se curassem completamente. Adulto, devia medir por volta de 1,35 metros. O diagnóstico é complicado, mas não se descarta problemas em genes recessivos. Diversos parentes de Henri apresentavam as mesmas deformidades.

Henri foi a Paris estudar, lá conheceu a “turma do boêmio e bebedores de absinto”, tornou-se um dos pintores mais famosos da época, enriqueceu, mas deprimia-se constantemente em função de sua aparência. Bebia muito e morreu na década de 1890, aos 36 anos. O “gênio da deformação” notava mais motivos para tal apelido, além dos ângulos inusitados que explorava em suas obras.

A maldição dos genes também atingiu os poderosos Habsburgo. Assim como os demais soberanos da época, os casamentos consanguíneos eram a regra para a manutenção das riquezas e da “pureza” da linhagem. Embora essa regra valesse para toda a família, o ramo espanhol se superou. Os casamentos nessa condição chegavam a 80% do total. Cerca de 30% dos bebês morriam. Dos restantes, 20% não atingiam os dez anos. Algumas características genéticas os marcaram: lábios neporianos, mandíbula exageradamente grande.

O último rei nessa condição foi Carlos II, que não deixou herdeiros. Sua mandíbula era tão mal formada que ele não conseguia mastigar. A língua se enrolava na sua boca e ele mal conseguia falar. Diz-se que tinha problemas mentais, além dos problemas físicos grotescos. Começou a andar com oito anos de idade. Morreu pouco antes dos quarenta.

Como se não fosse o bastante, importaram uma prima para que se casasse com ele. Como sofria de ejaculação precoce, não tiveram filhos. Foi o fim da dinastia.  



Rubem L. de F. Auto

FONTE: "O POLEGAR DO VIOLINISTA" 

Nenhum comentário:

Postar um comentário