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terça-feira, 1 de novembro de 2016

COMO CONSTANTINO UTILIZOU UMA RELIGIÃO RECENTEMENTE FUNDADA PARA RECONSTRUIR UM IMPÉRIO


No ano de 293, o imperador Diocleciano fundou a tetrarquia: quatro imperadores passariam a governar todo o Império Romano. Sua intenção era evitar o desmoronamento de todo o império. Ao menos temporariamente, foi bem sucedido ao reformá-lo econômica e administrativamente.

Como não poderia deixar de ser, não tardaram a estourar os conflitos, que levariam ao restabelecimento do imperador único. Um desses conflitos envolvia os imperadores Constantino I e Maxêncio, aparentados mas ainda assim inimigos.

O conflito entre ambos ocorreu em 312 d.C.: a Batalha da Ponte Mílvia. Antes do conflito, Maxêncio consultara o oráculo, que garantira que seu exército de 40.000 homens derrotaria o de Constantino.

Constantino tinha consciência de sua inferioridade militar. Ainda que não desistisse da batalha, sabia que precisava de algo que motivasse seus homens a lutarem como nunca. Constantino postou-se defronte de seus homens e contou-lhes que havia visto no céu o símbolo de Jesus Cristo, acompanhado da frase “Com este símbolo vencerás!”.

O símbolo, que depois mandara pintar nos escudos de seus soldados, era o monograma XP – equivalente a CHR. A frase que ouvira foi gravada nas moedas romanas: “Sob este signo serás vencedor.”

Importante notar que Maxêncio representava o oposto de tudo o que Constantino defendia. Desde que era imperador, Maxêncio tentava ressuscitar as antigas tradições romanas, com seus deuses.

Seria ingênuo não crer no uso de algo muito caro a seus soldados como motivação para a batalha. Mesmo no mundo moderno pode-se visualizar o uso de símbolos religiosos, combustível perfeito para o fanatismo.

Ao fim da batalha, Maxêncio restara derrotado, afogando-se nas águas do Tibre. Com a vitória, Constantino passava à condição de imperador de todo o Império Romano do Ocidente.

Passados 12 anos desse episódio, Constantino derrotava Licínio, imperador único da parte Oriental do império, condição que passara a ocupar após derrotar Maximino Daia. Com isso, Constantino era agora Imperador único de todo o Império Romano.

No ano de 330 d.C., Constantino tomava uma decisão muito polêmica. Decidiu-se por transferir a Capital da cidade de Roma, nascedouro de todo o Império e cidade caprichosa, local do Senado e de toda sua obstinação por conter o poder imperial, para a cidade grega de Bizâncio, que Constantino rebatizara para Nova Roma – depois, seria novamente rebatizada, agora para Constantinopla. Seu brasão era a águia bicéfala.

Com Constantino, o cristianismo foi tomando o status de religião estatal. Construiu igrejas e concedeu poder judicial aos bispos. Estabeleceu o domingo como dia de descanso. Certamente o poder expansivo do cristianismo parecia-lhe instrumento perfeito para garantir-se no poder. No entanto, sabia que seus planos só teriam sucesso se conseguisse ter influência sobre a Igreja. Para tanto, participou ativamente da constituição decorrentes cristãs, orientou-as conforme suas conveniências. Conduziu pessoalmente o Concílio de Nicea e foi o responsável por incorporar a Santíssima Trindade aos dogmas cristãos.

Embora tenha garantido uma sobrevida de alguns séculos ao Império, culturalmente o que florescia era o cristianismo, enquanto a cultura romana entrava em decadência. Entretanto era difícil dizer se Constantino era, de fato, cristão.

Em homenagem à sua vitória em Mílvia, mandara construir um Arco do Triunfo (inspirou o homônimo francês). Nesse, não há qualquer menção a simbologias cristãs e há gravuras de dois deuses romanos. Na parte ocidental do império, de raiz pagã, praticamente não se declarava cristão. Somente o fazia na parte oriental, de maioria cristã. Impossível disfarçar um interesse político.

Constantino faleceu em 337 d.C. O imperador requisitou Eusébio de Nicomédia, patriarca de Constantinopla, para batizá-lo. Constantino tinha muito do que se arrepender, muitos pecados a expiar, entre eles o assassinato de sua mulher e de seu filho.

Contudo, a Igreja romana usou o episódio para espalhar uma lenda, que teria papel fundamental no mundo nos seus mil anos seguintes: o Testamento de Constantino. Por essa lenda, Constantino na verdade fora batizado pelo Papa Silvestre I. Em retribuição, Constantino havia o proclamado, a ele e a todos os bispos de Roma que o sucedessem, soberanos sobre a cidade de Roma e toda a metade ocidental do Império.

No século XV, Nicolau de Cusa demonstrou que tal documento era falsificado, mas já se haviam passado mais de mil anos. Foi essa lenda que permitiu aos bispos de Roma serem proclamados Papas. Se a metade oriental do Império tinha Constantinopla, a metade ocidental, no período do Renascimento e com alguns séculos de diferença, ergueu a Cidade Vaticana.

No ano de 1054, ocorreu o cisma do Oriente, pelo qual ficou definida a cisão entre a Igreja católica romana e a Igreja oriental ortodoxa. Surgiu a excomunhão recíproca entre o Papa de Roma e o Patriarca de Constantinopla. Mais uma herança de Constantino.

Interessante notar que Constantino é considerado santo para a Igreja ortodoxa, porém apenas foi digno de ter um dia em sua homenagem pela Igreja romana.

E tudo teve início com um irrefreável desejo pelo poder ...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: “A história do mundo em 50 frases.” 

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