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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ACORDOS SYKES-PICOT: HÁ CEM ANOS SE INICIAVA A GUERRA DA SÍRIA


Símbolo da vontade unilateral de Paris e Londres de repartir a região do Oriente Próximo (expressão que se refere a regiões das “arábias” mais próximas da Europa) entre as duas potências, provavelmente nenhum Tratado soa mais detestável aos ouvidos dos árabes. Esses acordos entre França e Reino Unido ignoravam completamente as aspirações das pessoas que lá habitavam.

Há cem anos, em 1916, na sequência da queda do Império Otomano e desejosos de alargar suas esferas de influência no Oriente Próximo, França e Reino Unido concluíram finalmente uma série de acordos secretos, com consentimento da Rússia czarista, conhecidos como Acordos Sykes-Picot, em homenagem ao nome dos homens que os negociaram.

Françoise George-Picot, cônsul francês em Beirute até a Primeira Guerra, em seguida transferido para o Cairo, e membro do Partido Colonial francês, defendia uma “Síria integral”, ou “Grande Síria”, sob o jugo colonial francês.

Sir Mark Sykes, conselheiro diplomático e membro do Partido conservador britânico tinha por objetivo aumentar a influência colonial no Oriente Próximo.

O fruto de suas negociações à sombra definiu a partição e o desmembramento das províncias árabes do Império Otomano assim como a repartição de suas Províncias entre as duas potências – mesmo havendo uma grande variação no traçado final em relação às formas prévias. Os árabes mesmos não foram informados até 1917, quando os bolcheviques fizeram publicar o texto, logo após derrubarem o czar russo.
Depois disso, Sykes-Picot tronou-se símbolo no Oriente Próximo do imperialismo e da repartição arbitrária de territórios. Portanto, mesmo que os acordos constituam um evento maior, a crença de que eles constituem o ponto de viragem da história do Oriente Próximo moderno deve ser desconstruído: foi uma etapa necessária para a compreensão dos processos de separação e de partição.

De fato, esses processos não pararam de se reproduzir após um século. Os acordos Sykes-Picot tiveram como ponto de origem as trocas de correspondências entre Henry McMahon e Sayyed Hussein Bem Ali, o sharif de Meca que permitiu ao Reino Unido negociar territórios árabes além de sua zona de influência, apoiando-se numa lógica de separação etno-religiosa.

Assim, e de acordo com os intérpretes franceses, Londres pretendia excluir as províncias onde havia árabes não muçulmanos dos territórios que seriam reconhecidos como árabes e independentes. Os dois documentos não podem ser considerados fora do contexto: resultam dos dinamismos regionais anteriores à Primeira Guerra Mundial.

No fim do século XIX, a presença ocidental se avolumava na região do Império Otomano. Um sinal de influência era a construção de escolas missionárias, de sociedades culturais, pelo uso de línguas estrangeiras, particularmente o francês, em questões administrativas, e também como vetor da colonização: a França domina a Argélia onde se pratica a política de “dividir para dominar” e o Reino Unido dominava Aden. Ademais, a França e a Rússia se consideravam protetores das populações católica e ortodoxa no império otomano. Sua presença aumentou após o fim da Guerra da Criméia (1853/56).

Endividado, o império otomano foi forçado a realizar acordos financeiros com as potências estrangeiras, o que permitiu aos banqueiros e outros financiadores  estrangeiros entrarem em novos mercados.
Dali em diante, França e Reino Unido redobraram seus esforços para exercer um controle exclusivo sobre certas zonas das províncias árabes do império otomano. Pelo fim do século, as duas potências  tinham estendido seus impérios até aquela região: Londres tomou controle do Egito e do Chipre; Paris estabeleceu um protetorado na Tunísia (e o Marrocos em 1912).

A Aliança entre Alemanha e Império Otomano se materializou por meio do projeto ferroviário otomano. Contudo, os projetos de extensão ferroviária do início do século XX foram obscurecidos pelos conflitos do Reino Unido e da França na defesa de seus interesses, e a ferrovia tornou-se objeto de uma competição feroz entre aqueles que queriam o controle sobre as porções do império.

Cada potência negociava a exclusividade do direito de passagem por suas áreas de influência: a França na Síria e no Líbano; o Reino Unido na Mesopotâmia e na Palestina. Finalmente, os dois países compreendem a necessidade de negociar a construções de uma frente comum.

O Reino Unido se movimentou no sentido de impedir que o império otomano estabelecesse uma conexão entre Hedjaz e Aqaba, demandando que o Sinai fizesse parte do Egito (e não da Palestina) para que assim não pusesse em perigo o Canal de Suez.

Em 1911, a Itália decidiu agir por si só e atacou o império otomano para se apropriar da Líbia. A derrota do império otomano foi o sinal incontestável de fraqueza e, a partir de 1912, eles começaram a negociar o futuro da Síria.

Finalmente, terminada a I Guerra Mundial, o império otomano foi objeto de uma repartição econômica, cultural e religiosa. A guerra, ao lado da aliança entre otomanos e alemães, forneceram à França e ao Reino Unido razões para desqualificar os demais países que pretendiam lá se instalar, também.

O Acordo foi assinado em 16 de maio de 1916 e misturava independência e proteção. Linguagem que costumava se entrelaçar no âmbito desses documentos.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: http://orientxxi.info/l-orient-dans-la-guerre-1914-1918/les-accords-sykes-picot-deuxieme-phase-du-plan-de-partition-du-proche-orient,1602

HOMENS MUTANTES IMUNES À AIDS: ISSO SERIA POSSÍVEL?


O vírus HIV, causador da síndrome da AIDS, já vem há muitas décadas preocupando e fazendo vítimas em todo o mundo. Como uma doença grave e incurável até o momento, já foi apontada até como provável futura causa de extermínio da humanidade ou outros argumentos com o mesmo nível d dramaticidade.
Mas o fato é: até o momento, o HIV não atingiu níveis epidêmicos. Mas não custa fazer um pequeno exercício de imaginação: e se isso tivesse acontecido?

Sabe-se que uma pequena porcentagem de pessoas no mundo é imune à doença. Bom, se o cenário catastrófico imaginado ocorresse, essas pessoas poderiam evoluir numa nova espécie humana. E para tanto existe apenas uma barreira: a sexual.

Caso uma pessoa imune ao HIV, porém infectada, tenha um filho com um não portador, haveria uma enorme probabilidade de que o eventual filho nascesse com a doença. Certamente morreria logo. Para as pessoas imunes, fazer sexo com pessoas não imunes poderia levar a humanidade ao extermínio. Lembrando: pessoas imunes que contraíram a doença num cenário de epidemia planetária de AIDS.

Com o tempo, surgiria um tipo de especificação que criaria barreiras sexuais intransponíveis entre pessoas imunes e não imunes. Para completar o cenário: o HIV é um retrovírus. Portanto ele seria capaz de inserir seu próprio DNA nos seres humanos imunes ao HIV, unindo os dois genomas – outros vírus fazem e já fizeram isso em nós.

Na geração seguinte, os descendentes contariam com esse genoma “atualizado”, nascendo imunes a uma doença que teria causado uma tragédia épica alguns anos antes ...

Uma breve observação: alguns pesquisadores creditam aos vírus a criação do nosso DNA, a partir do RNA, há alguns bilhões de anos. Também creem que esses vírus criam novos DNA, até hoje.

No século XIX, cientistas descobriram que cavalos da cavalaria do Exército alemão, na cidade de Borna, haviam sido infectados. Após a infecção, agiam de maneira suicida, até se matarem. Esse vírus foram batizados de “bornavírus” e hoje se sabe que podem infectar seres humanos, atingindo os neurônios, e podem ser repassadas geneticamente aos descendentes.  Esse processo só exige que o bornavírus insira seu DNA em nosso genoma. E nossos DNA móvel faz isso com muita facilidade.

Provavelmente, avanços evolutivos humanos contaram com processos semelhantes a esse para que ocorressem: a placenta pode ter sido produto de aquisição de DNA de bornavírus. Acredita-se que o fato de viver em células do ouvido possa estar ligado a habilidades auditivas que tenhamos desenvolvido.

O processo teria sido o mesmo que levou os Toxo, vírus evoluídos para infectar gatos, infectasse também seres humanos e fosse capaz de influenciar nosso comportamento, produzindo dopamina e nos levando a situações arriscadas.

Sendo passado de um ser humano para outro via sexual, os bornavírus pode trazer DNA de alguma maneira benéfico a seres humanos. Conclusão necessária: as DST (doenças sexualmente transmissíveis) de alguma maneira estão ligadas à nossa evolução. Qualidades geniais podem ter sido transmitidas ao longo das gerações por via sexual. Se filho em filho evoluímos a partir dos macacos ...


De acordo com o virologista Luis Vallareal: “É nossa incapacidade de entender os vírus, em especial os vírus silenciosos, que limita a compreensão do papel que eles desempenham em toda a vida. Só agora, na era dos genomas, podemos ver com clareza suas marcas onipresentes nos genomas de toda vida.”


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro "O polegar do violinista"

A ÉTICA NOS GENES


O fato seguinte se deu na Universidade de Leiden, na Holanda. Médicos do serviço de diagnóstico pré-natal atenderam Ingrid, uma advogada em início de gravidez. Seu pai tinha hemofilia e ela sabia ser portadora assintomática da doença.

A hemofilia é um distúrbio no processo de coagulação sanguínea. Ela é provocada por mutação genética, que afeta os genes responsáveis pela produção das proteínas que regulam os fatores VIII e IX do sangue. Nos casos mais graves, evolui para hemorragias internas. Essas hemorragias podem deixar sequelas físicas.

A preocupação de Ingrid era saber se seu filho tinha herdado a doença, por meio de diagnóstico pré-natal. Na Holanda, assim como em quase toda a Europa, é permitido interromper a gravidez quando o motivo for relacionado a doença genética, desde que o casal manifeste a vontade.

Interessante notar que um dos obstáculos a serem superados pelas equipes médicas, ao informarem sobre uma eventual doença de fundo genético, é convencer o cônjuge que a transmitiu não é “culpado” pela doença do filho. Trata-se de simples loteria da natureza.

A hemofilia ocorre no organismo por meio da transmissão de um gene que se liga a um dos pares do cromosssomo sexual X. As mulheres, que possuem o par cromossômico XX, podem herdar o gene “hemofílico” em um dos X, porém o outro, idêntico, raramente terá o mesmo problema, e assim este segundo produzirá todas as proteínas necessárias, não permitindo assim o desenvolvimento da doença. Diz-se que as mulheres são portadoras assintomáticas.

O mesmo não ocorre nos homens, que possuem um par de cromossomos sexuais XY. O cromossomo Y não terá os mesmos genes do cromossomo X, não podendo, portanto, compensar a falha do primeiro,

Se o pai hemofílico tiver filha, ele transmitirá a doença, mas suas filhas não a manifestarão. Por outro lado, tendo filho, este terá 50% de chances de herdar a doença. O diagnóstico pré-natal pode investigar se o feto é portador da doença quando realizado entre a oitava e a décima semana de gestação. Analisa-se aí o DNA do feto, a partir da coleta de vilosidades coriônicas retiradas na região intravaginal. Esta secreção é que forma a placenta.

Os resultados da análise do feto são comparados com a análise sanguínea e do DNA da gestante e dos pais da gestante. Essa análise revelará qual a mutação genética que afeta a família.

A análise genética descrita não é um teste de paternidade, mas revela o vínculo genético entre as pessoas testadas. Muitas vezes os resultados são reveladores de não filiação paterna em uma proporção chocante: acima de 10% das famílias testadas nos EUA revelam que o pai “documentado” não é o pai biológico da criança.

Embora haja conseqüências sociais colaterais não desejadas pelos médicos, esse resultado é muito importante para traçar os riscos de doenças genéticas da gravidez atual e de futuras. O fato de o pai apresentado não ser pai biológico pode alterar completamente o diagnóstico do filho.

Uma pesquisa realizada sobre esse assunto, nos EUA, mostrou que 96% dos médicos consultados não revelariam o resultado “inesperado” referente à paternidade, com vistas a manter o vínculo familiar sem traumas. 13% diriam que mentiriam ou ocultariam a informação, revelando apenas os resultados diretamente relacionados à doença pesquisada.

O exame de Ingrid revelou que seu pai hemofílico não era seu pai biológico: Ingrid não corria o risco de ter um bebê hemofílico, mas é quanto à outra informação?

Doenças neurodegenerativas, como coréia de Huntington, têm a mesma causa e seu diagnóstico pode revelar filiações familiares biológica e socialmente contraditórias. Seria ético que a mãe, consciente da falsa paternidade em que a família crê, deixe que o teste genético revele um resultado que ela mesma poderia revelar? É ético evitar esse trauma em nome de uma família unida.

Um paciente portador de leucemia – doença sanguínea curável por meio de transplante de medula óssea, ou por meio do sangue do cordão umbilical de um doador – precisa de máxima afinidade sanguínea entre si e o doador. Utiliza-se a sigla HLA: antígeno leucocitário humano, em inglês. Esse sistema faz parte do sistema imunológico principal MHC: glicoproteínas localizadas na membrana de células do sistema imunológico reconhecem corpos alienígenas (antígenos) e acionam suas defesas.

Quanto maior a compatibilidade dos HLA, maior a probabilidade de êxito do transplante. A compatibilidade total ocorre entre gêmeos idênticos. Entre irmãos, a semelhança ocorre com probabilidade de 25%. A identificação do doador compatível ocorre após se testarem todos os membros da família.

Após tais testes, identificado um membro da família cujo teste genético contradiz sua filiação “oficial”, deve-se revelá-lo. Em um caso real, após tornar pública a informação de que um dos filhos não era pai de quem pensava ser, e de quase terminar o casamento do casal frente ao pai inconformado, investigações adicionais revelarem que o babe havia sido trocado na maternidade.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “GenÉtica: escolhas que nossos avós não faziam ...”  

terça-feira, 29 de novembro de 2016

CAVENDISH: O LADRÃO DOS MARES


A vila de Santos, no século XVI, tinha dois ingleses entre seus residentes. Um deles chamava-se John Whithall era senhor de engenho que mantinha contato freqüente com a Inglaterra. Fora apelidado de João Leitão e planejava estabelecer uma rota comercial entre Santos e seu o país, envolvendo sua produção de açúcar e outras mercadorias de valor.

A pirataria inglesa, nessa época, era encarada com certa glória em função dos feitos de Francis Drake, herói nacional inglês e notável pelas suas histórias de pilhagens, saques e destruição de cidades. Jovens se “inspiravam” em seu exemplo.

Thomas Cavendish era um jovem aristocrata inglês da região de Suffolk. Herdou a fortuna paterna quando tinha 12 anos de idade. Passou à historiografia luso-brasileira como “franco ladrão dos mares” e “terrível flibusteiro”. Iniciou estudos em Cambridge, mas logo a abandonou. Mudou-se para Londres e ficou conhecido pelo estilo de vida extravagante. Além de fazer dívidas que não costumava pagar, investiu em empresas comerciais e na exploração de novas rotas comerciais com o Oriente.

Lançou-se ao mar pela primeira vez quando contava 25 anos de idade, após ser nomeado alto almirante de marinha por Walter Raleigh, tendo a missão de colonizar o território da Virginia. Partiu em 1585 para criar a colônia de Roanoke. Sua preparação foi à base de aulas teóricas de navegação. Conheceu também dois índios ameríndios capturados em missões anteriores.

O retorno de sua missão na Virginia não foi lucrativa, mas ele pôde fazer contatos que exploraria mais à frente. Planejou lançar-se agora numa missão de circum-navegação do Globo. Conseguiu a expedição de uma carta real, vendeu algumas propriedades e adquiriu dois navios, sendo um deles um galeão. Juntou a tripulação que julgou necessária e conseguiu convencer alguns investidores.

Nessa viagem de circum-navegação Cavendish conhece a costa brasileira. Passaram um mês na ilha de São Sebastião, na capitania de São Vicente (hoje, Ilhabela). Dali à frente, seguem o roteiro clássico até o Oriente: saqueiam e incendeiam dezenas de vilas e naus, capturaram um galeão Santa Ana e sua valiosíssima carga. Por fim, chegam às Filipinas e à China. Voltam de posse de mapas, estratégicos para futuras aventuras do mesmo porte.

Aos 28 anos de idade, Cavendish tornou-se o terceiro homem a completar uma viagem de circum-navegação da Terra. Encomendou a Jodocus Hondius um glorioso retrato, em que é retratado com mapa em que se registra a rota que seguiu.

Foi recebido como herói pela rainha Elisabeth, numa cerimônia naval marcante. Ela comentou: “O rei da Espanha late muito, mas não morde. Não nos importamos com os espanhóis; seus navios, carregados de ouro e prata, chegam até aqui apesar de tudo.”

Um mês depois, em 1588, Cavendish derrota uma Armada espanhola e carrega seus tesouros. Estava em curso o desmantelamento do império espanhol pelos piratas da rainha da Inglaterra ... tomar os tesouros espanhóis à força tornou-se política de Estado inglesa.

Após essa viagem, Cavendish se preparou para outra, porém com a intenção de fixar uma rota comercial com o Oriente de onde acabara de retornar. Conseguiu outra licença real, para atacar navios e portos espanhóis, porém não conseguiu investidores dispostos a correr mais esse risco (sua viagem de circum-navegação foi um fracasso em termos comerciais, o que afastou eventuais investidores, dessa vez). Aliás, houve um investidor, que também partiu como capitão, de nome John Davies. Porém ele pretendia seguir com Cavendish até o Pacífico. De lá tentaria achar a desejada “northwest passage”, por onde pretendia cruzar a América do Norte e cortar tempo de viagem até o Oriente. De fato, essa passagem nunca existiu.
A bordo das embarcações estavam diversos nobres, alistados como homens de armas. Eram jovens, de famílias de posses, porém descapitalizadas. Esperavam que a pilhagem de tesouros espanhóis fizesse com que retornassem ao status social a que pensavam pertencer. Dos 330 homens da frota de Cavendish, cerca de 200 pertenciam à nobreza.

A estadia em Santos segue envolta em mistérios. O que deveria ser uma parada rápida e quase secreta, tornou-se uma temporada com final desastrado. Sabe-se, contudo, que a posse de um território no Atlântico Sul era visto como estratégico pela coroa inglesa, haja vista o apoio que representaria na travessia do Estreito de Magalhães – poderia fornecer facilmente alimentos e mantimentos para uma tripulação enorme. Sabe-se também que Francis Drake visitara São Vicente em 1579.

Na Europa, de acordo com o relato de diversos viajantes, o litoral brasileiro também era visto como um eventual início da tomada do Peru, local das maiores minas espanholas. Alguns aventureiros chegaram a calcular em doze dias, à pé, de Santos ao Peru. Boatos de descoberta de minas de ouro e prata na região da capitania de São Vicente era freqüentes e várias dessas histórias chegaram a Londres.

Cavendish partiu de Plymouth em setembro de 1591. A viagem durou torturantes 27 dias de ventos fracos e calmaria. Algumas tentativas de motim foram desarticuladas por seguidas ameaças de enforcamento. O final da viagem contava a história de homens famintos, sofrendo de escorbuto, sede e doenças.

Ao se aproximarem do litoral, surpreenderam uma nau portuguesa que voltava do rio da Prata. Capturaram a embarcação, fizeram o comandante Gaspar Jorge refém, levaram os navios até Ilha Grande, atual baía de Angra dos Reis. Em face do drama, a fidalguia deu lugar à barbárie. Atacaram a meia dúzia de casinhas de colonos e índios. Levaram o que acharam: bananas, raízes, porcos, galinhas.

Ao deixarem Ilha Grande, seguiram o roteiro d destruição. Puseram fogo nas casas, quimaram o navio capturado, abandonaram os portugueses na praia, assim como os escravos, que eram a tripulação do navio português.

Rumaram para São Sebastião. Lá, planejaram o ataque a Santos, cidade que não era fortificada na época. Partiram duas naus em direção à vila. Este ocorreu na manhã de 25 de dezembro de 1591. Quando o sino da igreja soou, Gaspar Jorge informou que era o momento ideal: estavam todos rezando. Vinte e quatro soldados ingleses invadiram pela praia.

Quem estava na igreja ficou preso lá dentro, durante todo o dia – cerca de 300 mulheres e crianças. Segundo o relato de um dos membros da frota inglesa: “na vila havia um bom estoque de alimentos, doces cristalizados, açúcar e farinha de mandioca, com a qual fizemos ótimo pão.”

Danos também foram infligidos: “partimos de Santos e queimamos São Vicente até o chão.” Entre Santos e São Vicente, aliás, queimaram cinco engenhos de açúcar.

Padres jesuítas também testemunharam o saque empreendido por “hereges luteranos”. Viram o saque de casas e igrejas. Há relatos de tratamento desrespeitoso a imagens sacras, roubo de ouro e prata dos ornamentos das igrejas.

Durante muito tempo os habitantes das cidades litorâneas brasileiras viviam quase que prontos para uma fuga repentina, em direção ao interior do continente, haja vista a possibilidade de ataques piratas a qualquer momento. Piratas esses que infestavam nosso litoral, tanto franceses, quanto ingleses ou holandeses.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Piratas no Brasil: as incríveis histórias dos ladrões dos mares ...”

PIRATAS – COMO SE DEVE ENFRENTAR O ESTABLISHMENT


A história da pirataria começa há muito tempo. No século VIII a.C. os gregos eram conhecidos piratas do Mar Egeu. A obra histórica Odisseia é repleta de histórias de piratas, que pilhavam navios de mercadorias com que cruzavam.

Os romanos foram conhecidas vítimas de muitos desses ladrões dos mares. Visando a pôr um fim nesse problema, empreenderam grandes esforços para controlar o Mediterrâneo, a ponto de transformá-lo no Mare Nostrum (nosso mar). Livrou-o dos piratas. Entretanto, sempre que sofriam percalços internos e se descuidavam da segurança marítima, os tais piratas grassavam novamente.

As vítimas dos ataques eram, além de navios mercantes, cidades costeiras e sua população.

O fim do império romano inaugurou a pior época em termos de segurança da região do mediterrâneo. A instalação de muçulmanos na Península Ibérica aumentou ainda mais os ataques.

No norte da Europa o problema não era muito diferente. A região do Báltico e do Canal da Mancha era pululada por piratas escandinavos e normandos, que levavam o terror para cidades litorâneas da Escandinávia, Germânia, ilhas britânicas e da França.

Os séculos XVI, XVII e XVIII viram o surgimento do que ficou conhecido como pirataria moderna. Embora tenha aspectos em comum com a pirataria clássica, alguns pontos a diferenciam. Ela nasceu com a descoberta da América. Ao lado das aventuras portuguesas, a descoberta de Colombo lançou uma corrida pela controle do Atlântico entre Espanha e Portugal. Essa corrida foi coroada com a divisão do mundo entre as duas Nações, sob o manto de legitimidade do Papa espanhol Alexandre VI, por meio do Tratado de Tordesilhas, em 1494.

O Tratado observava o princípio denominado Mare Clausum (mar fechado). Os mares ficavam abertos apenas às duas nações signatárias, mas fechados a todas as demais, garantindo-se também o direito às nações ibéricas de tomar posse de quaisquer territórios fora da Europa, estivessem no Atlântico, no Índico ou no Pacífico. Ignoravam-se solenemente todos os demais reinos europeus.

Á medida que o mundo português e espanhol crescia e enriquecia, os demais eram contagiados pela ambição por obter novas riquezas. Ingleses, franceses e holandeses passaram a combater a condição de que eram vítimas.

Academicamente, o princípio aplicado ao Tratado de Tordesilhas foi combatido especialmente por Hugo Grotius, contratado pela Companhia das Índias Orientais para atuar num processo envolvendo a captura por esta do navio português Santa Catarina, em 1603. A boa relação entre Holanda e Portugal e a possibilidade de que esta se azedasse, em face da enorme quantidade de riquezas a bordo, levou à publicação da tese de Grotius: “Dissertação sobre a Liberdade dos Mares”, de 1608.

Nessa obra e em “O direito de saquear”, que possuíam uma parte intitulada Mare Liberum (ou mar aberto), Grotius defende a ampla liberdade de navegação em alto mar e a plena liberdade de qualquer nação aproximar-se e fazer comércio com quem quer desejar.

No entanto, a plena liberdade de navegar os mares de todo o mundo não foi produto de acordos internacionais nem da criação de boas teses jurídicas. Ela foi alcançada de modo mais pragmático: ao longo de dois séculos, ingleses, franceses e holandeses contaram com piratas, que trataram de deixar claro às nações ibéricas que o Tratado que assinaram não passava de “letra morta”, a seus olhos. Atraídos pelas descobertas colossais de ouro e prata no Novo Mundo, e conhecedores da débil marinha desses países, incapaz de manter a segurança dos litorais que dominavam, tais piratas pulularam as águas do Atlântico, norte e sul, Caribe, portos chilenos e do Equador, por séculos.

Quem eram esses piratas? Em geral, eram homens marginalizados na Europa, contratados por seus governos ou por particulares. Eram chamados de piratas (palavra de origem grega), corsários (se contassem com uma carta de corso, emitida por um rei), flibusteiros (só atacavam embarcações espanholas, ou bucaneiros (atuavam nas Antilhas). Embora haja essas diferenciações, normalmente não há uma fronteira muito clara entre esses tipos, havendo vários exemplos de quem passou a pirata “oficial”.


Cidades da costa brasilerira como Santos, Recife e Rio de Janeiro fora atacadas por piratas do tipo corsários, isto é, autorizados por seus respectivos reis, embora constassem mormente com financiamento de companhias privadas de comércio. Foram exemplos: Thomas Cavendish e James Lancaster, ingleses; Jean-Françoise Du Clerc e René Duguay-Trouin, franceses. 

Desde tempos imemoriais, vale a regra: países ricos exigem assinatura de Acordos e Tratados; países pobres, os quebram.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Piratas no Brasil: a incrível história dos ladrões dos mares ...”  


A GRANDE MURALHA: COMO OS CHINESES CRIARAM UMA TENDÊNCIA


Após vencer guerras contra os sete reinos chineses vizinhos, derrotar uma conspiração elaborada por sua própria mãe e seu novo marido, escapar de diversas tentativas de assassinato e de ordenar a execução de 10 mil prisioneiros de guerra, Qin Shi Huang Di estabeleceu sua Dinastia, Qin, e unificou aquele que seria o império chinês, desde 223 a.C.

Em sete anos ele conseguiu dominar todos os Estados vizinhos e tornou-se um déspota para sempre lembrado, aos 34 anos de idade. Extinguiu regras tradicionais do período feudal e criou novas leis, seguindo uma filosofia totalmente autoritária.

Por volta de 220 a.C. iniciaram a construção daquela que seria uma das obras feitas pelo homem: a Grande Muralha. Inicialmente feita concebida como uma barreira contra os “povos do norte”.
Não há registros sobre as técnicas de construção empregadas nem quanto ao número de trabalhadores utilizados. Sabe-se, porém, que foram aproveitados fortes construídos por reinos anteriores ao longo do trajeto.

Constitui-se de grandes blocos de pedra ligados por argamassa de barro. São 3 mil quilômetros de extensão. Seu financiamento exigiu a criação de pesados tributos.

Após a morte do primeiro imperador, Qin, seguiu-se um período conturbado, pontilhado por guerras civis e revoltas populares. Nessa época, suspendeu-se a construção até 205 a.C., durante a Dinastia Han.

O aspecto atual da Muralha é produto da Dinastia Ming. A Muralha já possuía 7 mil km de extensão, de Shanghai a Jiayu, cruzava quatro Províncias e duas regiões autônomas.

Quanto a sua função primordial, contudo, já no século XVI ficou claro que seria incapaz de manter o território chinês isolado dos povos invasores. Terminou por ser abandonada.

Na década de 1980, a Muralha ganhou uma nova função: turismo. Durante o governo Deng Xiaoping a construção foi elevada a símbolo nacional e, para tanto, é preservada.

Ao longo dos séculos, tornou-se também uma obra bastante inspiradora para governos autoritários de todo o mundo, seja para manter mexicanos à distância, seja para manter comunistas (ou capitalistas) distantes, seja para isolar os Palestinos ou manter poloneses judeus nos guetos. No terceiro mundo também é lembrada como meio de manter drogas e armas distantes.

Em como, há um aspecto: nunca funcionaram!


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A extraordinária história da China”      

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ESCOLA AUSTRÍACA DE ECONOMIA EM 10 PASSOS


A Escola Austríaca de Economia foi fundada em 1871 com a publicação de “Princípios de Economia”, de Carl Menger. Menger, ao lado de William Stanley Jevons e Leon Walras, desenvolveu a revolução marginalista em análise econômica. Menger dedicou seu trabalho a seu amigo alemão William Roscher, figura de liderança na escola histórica alemã, a qual dominou o pensamento econômico em países de língua lema.

Em seu livro, Menger argumenta que a análise econômica é aplicável universalmente e que a unidade adequada da análise é o homem e suas escolhas. Essas escolhas, argui, são determinadas pelas preferências subjetivas individuais e pela margem sobre as quais as escolhas são feitas (marginalismo). A lógica da escolha, cria, é o alicerce para o desenvolvimento de uma teoria econômica universalmente válida.

A ideia de uma teoria econômica aplicável a diversas realidades era considerada impossível segundo as análises econômicas em bases históricas. Por outro lado, economistas clássicos ingleses de períodos anteriores chegaram a investir nessa possibilidade. A obra “Princípios ...”, de Menger, resgatava a tese de princípios econômicos universais e o fez por meio da análise marginalista.

Apesar do nome pelo qual ficaram conhecidos mundialmente, desde a década de 1930 nenhum economista austríaco (da Universidade de Viena ou de qualquer outra da Áustria) tornou-se figura de proa da Escola Austríaca de Economia. Nas décadas de 1930/40, a Escola mudou-se para a Grã Bretanha e para os EUA e os professores a ela filiados eram, principalmente, da London School of Economics, NY University, Auburn University e George Mason University.

Muitas das idéias dos principais economistas austríacos de meados do séc. XX, como Ludwig Mises e F. Hayek, estavam enraizadas nas idéias de economistas clássicos como Adam Smith e David Hume, ou em economistas anteriores, do início do séc. XX, como Knut Wicksell, assim como Menger, Bohm-Bawerk e Friedrich Von Wieser.

Essa mistura diversificada de tradições intelectuais em ciência econômica é ainda mais óbvia em economistas da Escola Austríaca contemporânea, que foi influenciada por figuras modernas em economia. Incluem-se Armen Alchian, James Buchanan, Ronald Coase, Harold Demsetz, Douglas North, Mancur Olson, Vernon Smith, Israel Kirzner e Murray Rothbard.


A Escola Austríaca de Economia possui algumas proposições, alguns princípios sobre os quais ergue seus conhecimentos edificados. Ei-las em dez apontamentos:

1 – Apenas escolhas individuais: a análise econômica inicia-se no homem. Entidades coletivas não fazem escolhas, apenas o homem. A tarefa primeira da economia é fazer tais escolhas inteligíveis, baseando-as nas finalidades e nos planos das pessoas; a tarefa segunda da economia é traçar as conseqüências não intencionais das escolhas individuais.

2 – O estudo das trocas nos mercados trata fundamentalmente de mudanças comportamentais e de instituições que participam nessas trocas: esse ponto trata das negociações e barganhas que precedem a fixação de termos de trocas comerciais no mercado.

3 – As pessoas crêem e pensam em cima dos fatos, em ciências sociais: pelo fato de se comportar diferente das ciências naturais, em que há verdades e leis absolutas, as ciências sociais devem se preocupar em entender o comportamento humano, sua finalidade e os planos envolvidos nas ações das pessoas.

4 – Utilidades e custos são subjetivos: desde 1870, os economistas concordam que valor é subjetivo, mas, conforme Alfred Marshall, muitos entendem que o lado do custo da equação é determinado por fatores objetivos. O preço seria determinado por essas duas condições, uma subjetiva e outra objetiva. Contudo, como o custo também é determinado em termos relativos a outro custo de oportunidade, o custo também é subjetivo. Portanto toda a oferta é determinada por valorações subjetivas individuais.

5 – O sistema baseado em preço carrega as informações de que as pessoas necessitam para processar a tomada de decisões: o preço resume todos os termos para a troca no mercado.

6 – A propriedade privada dos meios de produção é condição necessária para o cálculo econômico racional: essa escola reconhece na propriedade privada incentivos poderosos para a alocação eficiente de recursos escassos. Mises cria que a capacidade de planejamento dos administradores públicos era muito limitada frente à quantidade de fatores que deveriam ser levados em conta na hora de decidir onde alocar os recursos da sociedade, em regra, escassos.

7 – O mercado competitivo é um processo de descobertas do empreendedorismo: a competição no mercado é uma atividade e o empreendedor tem um papel de mudança que leva o mercado a novas direções. O empreendedor tem lucro quando reconhece uma oportunidade de ganhos. O aprendizado mútuo (do empreendedor e do mercado), produto da descoberta da oportunidade de ganhos, leva o mercado a alocar recursos de maneira cada vez mais eficiente. O “mercado livre” seria aquele que incentiva a busca constante por novas oportunidades e se move em direção à maior eficiência alocativa. Segundo membros de escola econômica, as imperfeições de hoje representam oportunidades de ganhos futuros.

8 – O dinheiro não é neutro: Se o governo distorcer o valor unitário da moeda, a troca comercial também será distorcida. O objetivo da política monetária deveria ser minimizar tais distorções. Qualquer emissão de moeda desacompanhada de maior demanda por moeda somente gerará inflação. Contudo, os aumentos de preços dos diversos bens não ocorre simultaneamente. Haverá alteração nos preços relativos. Tais alterações gerarão alteração no padrão de consumo e de produção.

9 – A estrutura de capital consiste de bens heterogêneos que têm utilidades variadas que precisam estar alinhadas: Nesse momento, pessoas em Detroit, Stuttgart e Tokio estão desenhando carros que serão vendidos apenas daqui a mais de uma década. Como sabem onde alocar melhor seus recursos? A produção varia de acordo com um futuro incerto, e o processo produtivo requer diferentes estágios de investimento, variando do mais remoto (minérios de ferro) ao mais próximo (a venda dos carros). Os valores de todos os bens de produção em cada estágio da produção derivam dos valores que os consumidores percebem naquele bem que está sendo produzido. O planejamento da produção alinha vários bens dentro de uma estrutura de capital que produz bens finais na maneira mais eficiente possível, deseja-se.

Se o capital fosse homogêneo, a má alocação de algum em dado setor seria seguida de uma realocação posterior, para outro setor mais eficiente, elevando a eficiência alocativa daquela economia. No entanto o capital é heterogêneo – uma fábrica de automóveis nunca produzirá computadores, por exemplo.
O que guia esse processo de alocação são os preços e pelo cálculo prudente dos investidores. Preços distorcidos podem levar a tomada de decisões igualmente distorcida. E isso leva a perda (desperdício) de recursos.

10 – Instituições sociais frequentemente são o resultado de ações humanas, mas não de desejos humanos: Os diversos elementos que conformam o mercado e a economia não foram criados com a finalidade de exercerem o papel que de fato exercem; foram apenas fruto de decisões humanas que, em conjunto, criaram sistemas e mecanismos econômicos que influenciam a sociedade. Preços, dinheiro, leis, linguagem, ciência e outros são fenômenos sociais que podem traçar suas origens na procura humana por alcançar seus objetivos, suas finalidades individuais. Contudo, trazem benefícios sociais em seu funcionamento. Não foram planejadas e criadas apenas pelo desejo das pessoas, em conjunto.

A Escola Austríaca também aponta que o economista, em suas análises, deve ser frio, deve-se manter distante das paixões inerentes às escolhas econômicas, devendo se prender apenas às implicações econômicas, à viabilidade de tais escolhas.

Após todo esse “approach” em relação à Escola Austríaca, resta um questionamento: é possível traçar políticas públicas e orientar o futuro de uma sociedade apenas usando a Escola Austríaca?


Rubem L. de F. Auto



DINASTIAS CHINESAS: UMA LONGA HISTÓRIA


A civilização chinesa começou a tomar forma como um amontoado de cidades-estado no Vale do Rio Amarelo. A primeira unificação da China ocorreu por volta de 221 a.C., período em que surgiu o Império. O modelo de governança adotado era semelhante àquele do Egito, o que permitiu a administração de um grande território.

A fundação da civilização chinesa se deu com a invenção e posterior imposição de um sistema de escrita, na Dinastia Qin (pronuncia-se Tchin) e pelo desenvolvimento do confucionismo. Esta Dinastia foi marcada pela posse do Primeiro Imperador. Após sua morte, foi extinta e sucedida pela Dinastia Han. Ondas sucessivas de invasores estrangeiros e sua absorção cultural deu origem à amalgama de onde surgiu a civilização chinesa.

Como se deu essa história que, segundo alguns historiadores, antecede os egípcios?

Pode-se retornar até os tempos pré-históricos da cultura chinesa. Naquela época, a China era habitada por uma espécie de homo erectus conhecida como homo erectus pekinensis – ou Homem de Pequim -, que viveu no Pleistoceno (entre 1.806.000 e 11.500 anos atrás). Foi descoberto em 1923.

Quanto à agricultura, esta nasceu na China por volta de 6 mil a.C. Quando do seu surgimento, a região era habitada por um povo de cultura nomeada Peiligang: grupo de comunidades do Neolítico, na região da Província de Henan, entre 7 mil e 5 mil a.C.

A agricultura na região foi bem sucedida, levando ao aumento populacional e à especialização de trabalhos por artesãos. No fim do Neolítico, a região do Vale do Rio Amarelo se tornou um centro cultural e deu nascimento aos primeiros vilarejos.

O período seguinte ficou conhecido como a Era dos Cinco Imperadores: foram grandes administradores e considerados sábios. Um deles entrou para a história com o apelido de Imperador Amarelo e ancestral do povo chinês.

Até esse ponto a história da China mistura fatos históricos e um pouco de mitologia. Daqui em diante os fatos são bem embasados em documentos históricos.

A Dinastia seguinte foi a Xia: funcionou entre os séculos XXI e XVI a.C. Foi fundada pelo Rei Dayi, herói do seu povo em razão de sua habilidade para conter as cheias do rio Amarelo. Nessa Dinastia surgiu a propriedade privada – e a escravidão, na China.

Terminou quando, após uma série de péssimos administradores, o Reino Shang rebelou-se e venceu. A Dinastia Shang se Iniciou nmo século XVI a.C. e terminou no século XII a.C. Durante esse período a forma de Estado se consolida e o instituto da propriedade privada se fortalece. A idéia de civilização chinesa toma sua forma mais acabada.

A terceira Dinastia chinesa é a Zhou foi fundada em 1027 a.C. e terminou em 256 a.C., quando foi derrubada pela Dinastia Qin. Esta última é considerada a primeira Dinastia feudal da China. Os Zhou estabeleceram a ideia de Mandato do Céu: o líder, conhecido como o filho do céu governava por direito divino. Se o governante perdesse o trono, perdia o Mandato divino, subsequentemente. Esse foi o argumento que usaram para destituir os Shang.

Em decorrência do Mandato do Céu, os Zhou tomavam status divino, acima dos anteriores. Essa mesma ideia deu legitimidade aos futuros governantes, também. Os Zhou espalharam a cultura chinesa pela região do rio Yangtze.

Entre os anos de 770 e 476 a.C. foi conhecido como período das Primaveras e Outonos: Confúcio escrevera suas crônicas “Anais das Primaveras e Outonos”. Confúcio teria nascido no final dessa era. Também nesse período o poder se tornou mais centralizado. Em termos de desenvolvimento econômico, surgiram ferramentas agrícolas, infraestrutura hídrica etc.

O período seguinte foi marcado por disputas incessantes entre diversos reinos: o período dos Estados Combatentes, que se estendeu de 403 a 221 a.C. A unificação da China ocorreu no final desse período, pelo citado Primeiro Imperador.

No final das guerras, estabilizaram-se sete Estados: Qin, Chu, Yan, Han, Zhao, Wei e Qi. O passo seguinte foram reformas intensas, maior delas foi realizada pelo Estado Qin, chamada de reforma Shangyang. O imperador mais marcante da Dinastia Qin, que governou o período seguinte foi Qin Shi Huang Di – no ocidente, seu nome é abreviado para HungDi. Para alguns, seu nome é a origem da palavra China. Consolidou o império, mas a um custo humano tão alto que custou-lhe o fim da Dinastia após sua morte.

O período seguinte foi o da Dinastia Han: essa foi a Época de Ouro chinesa. Estendeu-se de 206 a.C. a 220 d.C. Foi fundada pelo imperador Gao – ou Liu Bang, e sua capital era em Chang`na. Pertence a essa Dinastia um dos maiores governantes da história da China Jing Di.

No ano 8 d.C., o governante Wang Mang iniciou novo período da Dinastia Han, sendo marcado por florescimento: da indústria de ateliê, do comércio, da cultura, da arte, das ciências naturais. Criaram-se fundições, metalurgia, tecelagem. Abriu-se o contato diplomático com a Ásia ocidental e abriu-se a Rota da Seda.

A Dinastia seguinte foi a dos Han do Leste: de 25 a 220 d.C. houve a expansão para o Oeste e os contatos comerciais por meio da Rota da Seda alcançaram o Império Romano.

Essa Dinastia teve um fim com a invasão do país pelos “homens das estepes”: os mongóis. As lutas e conflitos se estenderam por 75 anos. Terminou com a extinção da Dinastia dos Han e sua divisão em três reinos: Wei, Shu e Wu.

O período seguinte foi muito confuso, chegando a China a ser estraçalhada em centenas de reinos. Contudo, o sul do país se encontrava bastante desenvolvido. Com isso, grupos do oeste e do norte migraram em direção ao sul. Nesse período surgiram famosas escolas de pensamento filosófico: Xuan, budismo e taoísmo. O matemático Zu Chongzi calculou o “pi” (razão entre circunferência e raio do círculo) até a sétima casa decimal.

A Dinastia seguinte, Sui, foi curta e terminou com o enforcamento do imperador.     

A Dinastia seguinte, os Tang, durou 289 anos, iniciada por um período de florescimento e terminando em decadência. A decadência levou a guerra ... que terminou com o vitorioso fundando uma nova Dinastia.

Chamava-se Song, essa nova Dinastia. Foi sucedida pela Dinastia Yuan, fundada por Kublay Khan em 1271, neto de Gengis Khan, que mudou a Capital para Pequim em 1279. Foi dividida em: Song do norte e Song do sul. Os Song do Norte fortaleceram o comércio exterior e as ciências, o que levou à invenção da pólvora, da bússola, a tipografia (imprensão de livros) e dos primeiros equipamentos de astronomia. Também se difundiram o budismo, o confucionismo e o taoísmo.

Durante as Dinastias Tang, Song e Yuan a China era a nação mais próspera da Terra. Nessa era, comerciantes de todo o mundo procuravam portos chineses para comercializar, diplomatas visitavam-na frequentemente, o islamismo se popularizou e Marco Polo visitou também o país, por volta de 1275.  

Em 1368 começa a Dinastia Ming, notabilizada pelos vasos de porcelana. Foi marcada pelo poder feudal e despótico. Mas também realizaram algumas mudanças. Zhang Juzheng atualizou os padrões de funcionamento da Administração pública, trouxe progressos para agricultura e construiu canais, drenou rios e reformou o sistema tributário. Houve avanços na área têxtil, de porcelana, mineração de ferro, fundição de cobre, fabricação de papel e na indústria naval. Surgiram sinais de capitalismo.

A decadência seguinte foi marcada por diversos confrontos co camponeses, por volta de 1627. Chegou ao fim em 1644, com o suicídio do imperador Chongzhen.

A última das Dinastias foram os Qing. Iniciou-se com os manchus (originários da Manchúria), quando derrotaram os Ming. Interessante notar que os manchus se espalharam por toda a Ásia a partir da tomada da China.

Essa Dinastia durou de 1644 a 1911. Seu fim foi belamente retratado no filme “O último imperador”, de Bernardo Bertolucci. O período seguinte inaugurou o nascimento da República da China, quando o último imperador chinês, Pu Yi, abdicou do trono.

Aqui termina a história da China antiga e começa uma nova, que não se sabe bem onde terminará ...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A extraordinária história da China”

REWILDING: O NOVO PROJETO DO PARQUE DOS DINOSSAUROS


Há cerca de 10 mil anos, quando a Era do Gelo chagava a um fim, grande parte da América se assemelhava a uma savana africana. Circulavam por lá Mastodontes (semelhantes a elefantes), cavalos selvagens e lhamas, ursos tigres dentes-de-sabre, preguiças de 6 metros de comprimento, Tatus gigantes.

E mais: existe um projeto de retorná-los à vida, o Rewilding – ou retorno à vida selvagem. A proposta é de Paul Martin, da Universidade do Arizona, e de Josh Donlan, de Cornell.

Inicialmente, o projeto só aborda a América do Norte e sua megafauna extinta há milênios. Os dois pesquisadores defendem a hipótese do “overkill”: megamatanças generalizadas empreendidas pelos humanos, logo que chegaram ao continente. Apenas de posse de lanças e contando com a ingenuidade de animais que nunca tinha tido contato com caçadores, eles exterminaram 75% dos animais com mais de 45 Kg. E em ambientes onde sobraram muitos desses bichos, na África ou na Ásia, ele sofrem com o perigo da extinção.

A idéia dos pesquisadores seria criar um pequeno ambiente pré-histórico em terras do interior da América do Norte, como uma Arca de Noé. Lá ficariam espécies como “backup” para um caso de extinção absoluta desses animais. De quebra, ainda recomporiam a paisagem do nosso continente com mamíferos de grande porte.

Existem três grupos de animais que merecem tratamento distinto: dentes-de-sabre e preguiças gigantes estão definitivamente extintos, sem possibilidades de retorno; Lhamas, camelos, cavalos, mamutes contam com parentes próximos, embora não sejam exatamente a mesma espécie; leões e outras espécies extintas nas Américas ainda sobrevivem em outros lugares.

O projeto visa à salvação de equivalentes biológicos, não genéticos. Isto é, a semelhança é pensada pelo critério do papel que dada espécie exerce no seu meio. Aliás, esse papel que certa espécie exerce no meio que habita, em geral, é fundamental para a existência de outras espécies. Por exemplo, as clareiras abertas na floresta por elefantes permitem o florescimento de várias espécies de plantas. A reintrodução de lobos em Yellowstone reduziu o estrago ambiental provocado por veados, pois passaram a contar com um espaço menor para se desenvolverem, além de deixarem para trás carcaças de presas, que sevem de alimento para espécies menores. Onças exercem um papel semelhante, no Brasil.

Os partidários do rewilding acreditam que o meio ambiente americano necessita do papel exercido pelos animais de grande porte já extintos. Acredita-se que as antilocapras, que podem correr até 100 Km/h e vivem na América do Norte, evoluíram fugindo de guepardos americanos, tão rápidos quanto os africanos e asiáticos.

O projeto não deixa de comentar as possibilidades econômicas trazidas pelo ecoturismo, para observar in loco espécies tão exóticas.

Como toda a base do projeto são teses científicas, não poderia deixar de lado uma certa polêmica. Alguns pesquisadores acham que os humanos tiveram muito pouco ou quase nada a ver com a extinção de grandes mamíferos no continente. No Brasil, praticamente não há registros de grandes ossos em sítios arqueológicos. Muitos pesquisadores acham que a extinção citada é produto exclusivamente do fim da Era do Gelo, em função das alterações climáticas advindas.

Por fim, as alterações surgidas no meio ambiente americano nesses 10 mil últimos anos, segundo alguns, deporiam contra a adaptabilidade dos grandes mamíferos aos tempos modernos. Eles seriam, provavelmente, apenas espécies invasoras.

Por fim, resta a pergunta: em lugar de se preocupar com animais que já estão extintos há muito, não seria melhor se preocupar com aqueles que ainda têm salvação?


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Além de Darwin: o que sabemos sobre a vida ...”

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A MORTE É INEVITÁVEL? TALVEZ NÃO SEJA


Titono, príncipe de Tróia, homem reconhecido pela sua beleza, conquistou o coração da Eos, deusa da Aurora. Apaixonada, Eoa pediu a Zeus que fizesse de Titono um imortal. Porém esqueceu-se de pedir que ele também fosse jovem por toda a eternidade. O desejo mal elaborado causou sofrimento terrível a Titono, que envelheceu a cada dia de sua eternidade, a ponto de tornar-se um ancião enrugado e deformado, até que virou um gafanhoto - e imortal.

A moral da história é óbvia: Cuidado com o que você deseja! E nenhum desejo deve ser mais recorrente na mente humana do que evitar a morte. Evidentemente não é diferente com a ciência: os pesquisadores vêem descobrindo coisas fantásticas acerca da morte.

Relembrando. Os seres vivos vivem um ciclo da vida: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. A morte celular tem o nome de apoptose, porém ela estabelece um “fim da linha” no crescimento celular. Por exemplo, o espaço entre nossos dedos advém da morte de células que formariam uma espécie de nadadeiras, caso não houvesse apoptose.

Por isso a morte tem uma feição de desgaste do organismo, não é algo programado; portanto é evitável.  
Um ser vivo que é essencialmente imortal são as bactérias. Se estiverem em condições favoráveis, reproduzir-se-ão assexuadamente a um ritmo frenético e sem apresentar qualquer sinal de envelhecimento com o tempo.

A morte decorrente do envelhecimento, em princípio, é uma doença sexualmente transmitida. A reprodução sexuada partiu dos organismos eucariontes: células complexas e com núcleo para abrigar seu material genético. Inicialmente eram unicelulares.

Alguns organismos eucariontes unicelulares primitivos, quando em ambiente desvantajoso, unem-se em uma célula só. Esta é mais capaz de hibernar, torna-se mais resistente. Quando retornam ao ambiente mais adequado, se dividem normalmente.

Essa união, há um bilhão de anos, mais ou menos, tornou-se permanente: da união das duas células surgiu uma terceira, que carregava o material genético das duas iniciais. O passo seguinte foi a geração de células especializadas, com apenas um conjunto de DNA que se refere a todo o organismo e capazes de reproduzir todo o processo: unir-se a outra com as mesmas características e gerar um descendente com material genético dos “pai e da mãe”.

O interessante aqui foi o trade-off que se estabeleceu: mortalidade versus reprodução sexuada. É como se a imortalidade das bactérias assexuadas tivesse sido embutida nos óvulos e espermatozoides. É igualmente expensivo para um organismo consertar defeitos ou problemas surgidos em seu interior ou garantir herdeiros. Resultado: o organismo preferiu garantir filhos ... E assim nos tornamos mortais. Como o organismo não implementa melhorias e correções em si mesmo, nosso organismo passou a sofrer de doenças cardíacas, diabetes, celulite etc.

Como as doenças que se relacionam como o envelhecimento e que possuem uma origem genética - Parkinson, Alzheimer, osteoporose, enfermidades cardíacas etc. -, em geral apenas se iniciam na velhice, não costumam interferir na reprodução. Resultado: os genes também são passados adiante, ainda que o doador tenha morrido de uma dessas doenças, mas apenas aos 70 anos de idade, por exemplo.

No caso descrito acima, ele não apenas será imune à seleção natural, mas ainda poderá ser favorecido caso o gene que produzirá a doença genética na velhice seja o mesmo que tenha produzido algum benefício na juventude. Pesquisadores já são capazes de associar o gene que causa câncer com a produção acelerada de espermatozoides. O que liga os dois é a multiplicação de células. No caso do tumor, é uma multiplicação desordenada.

O trade-off que levou da imortalidade à mortalidade pode ser reproduzido para a análise de expectativa de vida. Camundongos e morcegos têm expectativas de vida bem diferentes: 3 anos e 30 anos, respectivamente. A diferença? Asas. Os morcegos têm bem mais chances de escapar de predadores. Com esse incentivo, seus organismos se adaptaram a mais anos de vida.

De posse desses conhecimentos, iniciaram-se pesquisas para saber quais as possibilidades de manipulação das condições impostas pela natureza. Usaram-se os vermes C. elegans (moscas-da-fruta e camundongos). Impuseram uma dieta com restrição calórica (fome, mas sem morrer de desnutrição); desativaram os genes responsáveis pelo metabolismo energético e pelo crescimento; esterilizaram as cobaias.

As moscas-da-fruta chegaram os 90 dias, contra duas semanas, na natureza (proporcionalmente, seriam um homem de 600 anos). Quando os cientistas extirparam as células reprodutivas com laser obtiveram resultados semelhantes. A relação entre fertilidade e fome é o exemplo do trade-off: a energia que iria para a função de reprodução sexuada é direcionada para a autopreservação do organismo.

As tentativas de reproduzir esses experimentos em humanos são irrefreáveis. Mesmo cientistas, como Aubrey de Grey se animaram diante das perspectivas. Seria aprender a manipular o organismo para evitar acúmulo de danos moleculares e celulares.

Quem sabe, pelo menos garantir uma velhice mais saudável e produtiva? Esperemos.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O polegar do violinista”

MICROCEFALIA E O CÉREBRO DE EINSTEIN


A inteligência humana costuma ser estudada pela forma e rapidez com que o DNA se dissemina por uma população. Em 2005, cientistas informaram que dois genes, que já eram produto de mutações anteriores, conseguiram se disseminar em grande quantidade: o gene da microcefalia, que se disseminou 37 mil anos atrás; e o gene ASPM (relacionado às divisões celulares que resultam em neurônios), 6 mil anos atrás.

Seguindo o ritmo da natureza, caso dada mutação se dissemine, esta mutação provavelmente trouxe vantagens, mostrou-se benéfica para a espécie. No entanto, descobriu-se um efeito carona na transmissão genética. Caso certo gene se encontre muito próximo de outro, poderão ser repassado conjuntamente, sem que o organismo consiga dividir o DNA no ponto específico de separação. Isto é, genes que podem não ser benéficos, podem ser passados aos herdeiros por meio de carona com outro, este sim benéfico.

Cientistas verificaram que tanto o gene da microcefalia quanto o ASPM foram disseminados por efeito carona.

Em 2005, o geneticista Bruce Lahn passou a pesquisar a relação entre genes da microcefalia e ASPM e a influência deles sobre o crescimento dos neurônios. Ele não só percebeu diversas versões desses genes como ainda pôde visualizar diversos caronas. Outra coisa que lhe chamou a atenção foi a velocidade estonteante com que se espalharam.

Essa velocidade de disseminação só poderia ser conseqüência de alguma eventual vantagem que tais genes possam ter trazido à espécie. Sabendo que esses genes têm influência sobre a produção de neurônios, Lahn argumentou que eles trouxeram alguma vantagem no campo cognitivo, incrementando nossa inteligência.

De fato. No entanto, as versões tanto da microcefalia quanto do ASPM que aumentam a capacidade do cérebro são específicas, e se disseminaram entre 3.500 a.C. e 4 mil a.C. Foi nesse período que surgiram as primeiras artes simbólicas e as primeiras cidades.

O passo seguinte deu origem a muitas confusões na academia. Essa versão que aumenta a inteligência foi observada mais frequentemente entre asiáticos e caucasianos do que entre africanos. Racismo? Isso foi argumentado.

O ponto é que a próprio questionamento sobre a eventual existência biológica de raças é questionada. E a razão alegada é que alguns grupos étnicos respondem muito mal a certos medicamentos, como o contra hepatite C e doenças cardíacas, entre outras. Outras populações respondem biologicamente muito mal à fartura de alimentos dos tempos modernos, em contraste com as condições de escassez que as acompanharam ao longo da evolução.

Existe uma teoria que diz que descendentes de escravos capturados na África ajudam a elevar as taxas de hipertensão até hoje. A razão é que o organismo daquelas pessoas acumulava com mais facilidade nutrientes, como o sal, o que lhes permitia maior resistência e capacidade de sobrevivência, tanto em seus locais de origem como para a própria viagem transoceânica em navios negreiros, que tantas vítimas fez. Por outro lado, seus descendentes têm acesso a uma quantidade de sal e demais nutrientes em excesso, o que se reflete em diversos problemas de saúde.

Outra doença que depõe contra a inexistência biológica de grupos distintos a ponto de apontarem para a existência de raças humanas é a AIDS. Alguns grupos étnicos apresentam indivíduos com imunidade ao HIV – e por razões que variam bioquimicamente entre os grupos.

O mesmo ocorre com Doença de Crohn, diabetes, câncer de mama e outras. Alguns cientistas dizem que argumentar pela inexistência de raças pode prejudicar os pacientes. Raças, no ponto de vista deles, seriam populações que apresentam versões diferentes de certos genes.

Segundo alguns deles, ao mapear esses genes com versões significativamente diferentes, chegam-se aos grupos tradicionalmente apontados como raças: africanos, asiáticos, caucasianos ... O que tirou o impulso inicial de fazer uso dessa classificação são os cruzamentos geográficos, que geram muitas justaposições e sobreposições genéticas. Caso clássico são os indianos, nascidos num cruzamento geográfico milenar. Nestes últimos, o conceito de raça torna-se completamente impreciso.

Quanto aos efeitos práticos desses genes, observou-se que eles pareciam auxiliar os espermatozóides a bater a cauda com mais velocidades. Também trazem novas defesas ao sistema imunológico. Por fim: pessoas portadoras desses genes tiveram melhor desempenho em testes de QI.

Interessante comparar o que está descrito acima com o impacto que esses genes tiveram primeiramente no corpo humano. Cerca de 30 mil a.C., nosso DNA reduziu o tamanho médio do corpo humano em 10%. O cérebro humano foi reduzido em 10%, também – acredita-se que se tenha reduzido ainda mais, desde então. Quem fez isso?

Desde então caiu por terra qualquer menção à relação entre tamanho do cérebro e inteligência superior. Alguns números: o cérebro humano pesa em média 1,4 Kg; o cérebro de Ivan Turguêniev pesava 2 Kg; Daniel Webster e Charles Babbage, um estadista e um matemático famosos, tinham cérebros na média. O grande poeta Walt Whitman tinha um cérebro de vergonhosos 1,25 Kg. O criador da frenologia, ciência que estuda as regiões cerebrais e suas funções, Franz J. Gall, tinha um “cerebrozinho” de 1,2 Kg.

Desses testes, certamente o mais famoso foi o “roubo” do cérebro de Einstein. O físico alemão morreu no dia 18 de abril de 1955, de hemorragia interna após sofrer um aneurisma na aorta. Um dos homens mais admirados do mundo, foi submetido a uma junta médica internacional, mas não resistiu. Surgiu então a pergunta: quanto pesaria o cérebro de um dos homens mais inteligentes do mundo? Einstein não concordou com a idéia de bisbilhotarem seu cérebro após sua morte porque detestava a idéia de que este pudesse ser tratado como relíquia, algo que lembrava religião ... Não combinava consigo e com sua modesta.

Porém, o patologista de plantão quando da chegada do corpo, Thomas Harvey, não resistiu à curiosidade e até se imaginou fazendo um favor à humanidade quando planejou como “roubar” o cérebro do criador da Teoria da Relatividade. Como Einstein exigiu ser queimado, Harvey extraiu o cérebro inteiro, sem avisar a ninguém, e devolveu o corpo à família.

Interessante dizer que um médico de Nova Jersey “roubou” os globos oculares de Einstein, em 1955. Anos depois ele recusou uma oferta milionária de Michael Jackson pelas “bilhas” do gênio. O resto do corpo foi cremado, algum tempo depois, sem mais “desvios” de órgãos.

Após a pesagem, a dúvida virou decepção: 1,22 Kg, abaixo da média dos humanos. Quando a notícia se espalhou – a cremação ainda não havia ocorrido -, a família protestou, mas terminou concordando que se realizassem outros estudos na massa cinzenta do cientista.

Apenas três estudos foram publicados com base no órgão central de Einstein: realmente não acharam nada de extraordinário. Talvez pesquisas relacionadas ao método de crescimento do cérebro possam trazer algum resultado posterior, que apontem alguma característica física que explique diferentes desempenhos.

A tese de que o tamanho do cérebro explica sua capacidade saiu de “moda”. Em seu lugar, as pesquisas focavam no tamanho de certas áreas do cérebro. Os primatas apresentam axônios: prolongamentos carnudos de neurônios. As informações circulam com mais velocidade. Outro fator importante é a espessura do córtex – região sede de pensamentos, sonhos etc. Certos genes são cruciais nesse processo.

E aí nossa historinha chega ao ponto! O fato de que a espessura do córtex é um fator relevante no desenvolvimento da inteligência e de que genes são os responsáveis por esse desenvolvimento fica claro quando esse processo não corre com eficácia: desenvolvem-se cérebros pequenos e primitivos. Um desses genes é o ASPM – primatas têm trechos extras de DNA de ASPM em relação a outros mamíferos. As tiras extras de aminoácidos (isoleucina e glutamina, a “química da inteligência”) formados se acumulam no córtex.
Outra função fulcral dos genes de ASPM é o aumento da densidade de neurônios – também fator essencial da inteligência. Esse processo ocorre nos primeiros dias de vida, quando a maior parte de nossas células é de células-tronco (células não especializadas, que podem se tornar qualquer outra).  O mesmo vale para os neurônios.

O ponto é: quando uma célula-tronco se torna um neurônio, a produção pára. Somente novas células-tronco se tornam neurônios. Um cérebro grande exige acúmulo de células-tronco. Portanto a divisão celular inicialmente deve ocorrer entre células-tronco gerando novas células-tronco, antes que se especializem em neurônios.

A divisão celular é controlada pelos genes ASPM, que controlam os fusos que ligam os cromossomos. Se ocorrer algum erro nesse processo, os neurônios podem se formar cedo demais e o cérebro que se forma é defeituoso. O ASPM não garante cérebros grandes, mas cheio de neurônios.

Voltando ao cérebro de Einstein, embora pequeno, era bastante denso em função do formato do seu córtex pré-frontal. Esta parte do cérebro coordena os pensamentos e é responsável por resolver problemas e dividir tarefas em etapas.

Quanto às rugas e dobras no cérebro, há algo também interessante. Elas por si sós não garantem mais Inteligência, mas macacos menos espertos possuem menos rugas que os cérebros de macacos mais inteligentes. Crianças que sofrem da síndrome do “cérebro liso” apresentam sério retardamento. Quando nossos genes começam a enrugar nosso cérebro (afinal, nascemos com ele quase liso), estamos nos distanciando de nossos ancestrais, desde primatas.

Einstein tinha corrugações diferenciadas na região do córtex do lobo parietal – responsável pelo raciocínio matemático, processamento de imagens, sons, dentre outros sentidos. Ele disse que pensava em física por meio de imagens ...

Seu córtex também era 15% mais espesso que o das demais pessoas.

Por outro lado, uma parte de seu cérebro chamada opérculo parietal parecia ausente. Essa parte do cérebro ajuda a produzir imagens: Einstein começou a falar aos dois anos e porque até os sete tinha que pronunciar em voz alta as sentenças que pretendesse formular. Quer mais um detalhe: a falta dessa região, por seu turno, pode tornar as transmissões de informações mais rápidas.

Conclusão: vamos esperar mais descobertas nesse campo ...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “O polegar do violinista”

         

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O QI DOS GOLFINHOS


Perguntinha bem fácil: qual o animal mais inteligente da Terra? Humanos? Parece ser a resposta mais lógica. Mas, que tal questioná-la um pouco mais?

O órgão sede da inteligência é o cérebro. Nossa vantagem como animais mais inteligentes se reflete em alguns dados, como massa encefálica proporcionalmente muito grande em relação à massa corporal. Também temos um cérebro bem complexo, com dobras que aumentam bastante sua área, o que, em tese, reflete uma estrutura maior do que aquela que teria se fosse um órgão liso, sem rugas.

Contudo, apenas as informações acima dariam como resposta à pergunta lá em cima uma resposta diferente: os animais mais inteligentes da Terra seriam os odontocetos! Fazem parte deste grupo os golfinhos, orcas e outros parentes da baleia, porém com dentes (daí o “odonto” no nome deles). O cérebro deles supera o nosso em tamanho absoluto, tamanho relativo e quantidade de dobras na região córtex (responsável pelos nossos pensamentos mais complexos e abstratos).

Mas, quais seriam as capacidades fenomenais adquiridas por esses animais ao contarem com uma massa cinzenta tão massiva? A resposta necessita de uma análise regressiva, primeiramente. OS primeiros cetáceos – seres ancestrais das baleias – foram mamíferos terrestres (com cascos) que retornaram aos mares. Esse retorno se deu há cerca de 55 milhões de anos. Como mamíferos terrestres, eram primos próximos de hipopótamos e porcos.

Até aqui temos uma evidência do motivo para terem desenvolvidos cérebros tão grandes: a passagem de seres terrestres para o formato de peixe, certamente envolve uma metamorfose intensa, que exige o desenvolvimento de habilidades que fazem uso de funções cerebrais importantes. As próprias questões ambientais podem ter influenciado. Há cerca de 34 milhões de anos houve uma Era do Gelo que abaixou sobremaneira as temperaturas dos oceanos, o que pode ter levado à criação de células cerebrais com a função única de gerar calor para o organismo não congelar.

Nessa época também surgiu a moderna arquitetura de seus cérebros, com áreas específicas para cada função. Também nesse período os cetáceos desenvolveram uma das suas ferramentas mais importantes: o sonar. É como eles conseguem se localizar em seu ambiente, usando o eco dos sons que emitem para mapear a natureza ao redor. Tal mecanismo, associado ao uma vida social significativa pode ser a explicação para sua massa encefálica supercrescida.

O neurocientista americano R. Douglas Fields compilou alguns dados: ao se desdobrar o cérebro, como se alisássemos uma folha de papel amassado, o córtex humano atingiria 2,275 centímetros quadrados, a área de um guardanapo; o dos golfinhos chega a 3,475 centímetros quadrados, a área de uma folha de jornal. E o cérebro deles tem 50% mais dobras (ou circunvoluções).

Ao se apelar para informações mais concretas acerca de evidências de inteligência nos odontocetos (e mesmo nos misticetos, baleias com dentes), podemos apontar: formação de alianças, uso de sinais sonoros distintos para comunicação, capacidade de imitar sons, comportamentos culturalmente distintos entre grupos separados.

Quer mais? Os golfinhos se reconhecem no espelho, o que aponta para a autoconsciência, ou a capacidade de se identificar em meio a outros seres muito semelhantes; traço típico de humanos. E isso é complementado pela capacidade que possuem de emitirem sons diferentes, dependendo de com quem desejem se comunicar. É como se possuíssem identidade única.

Por outro lado, seus cérebros contam com apenas cinco camadas especializadas de neurônios, enquanto nossos cérebros contam com seis.

Bom, para você que não entende por que chamaríamos de inteligentes seres incapazes de fazer contas ou de escrever poesias: ele não têm mãos, não podem manipular objetos, e isso está na raiz de tudo o que fizemos até hoje.

Além disso, não podemos nos deixar trair. Seres tão complexos também possuem suas idiossincrasias, e algumas são repugnantes: golfinhos praticam estupro grupal, infanticídio, orcas comem baleias, seres da mesma espécie.

Concluindo: se lhes faltaram mãos para criar tecnologias, tais membros também lhes faltaram para desenvolver maldades.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Além de Darwin: o que sabemos sobre a vida ...”

LULAS E POLVOS: OS EINSTEIN DOS MOLUSCOS


Ao analisar a inteligência de moluscos de muitas pernas – como polvos, lulas, sibas etc. – os pesquisadores ficaram atônitos.  Características que pareciam completamente dissociadas desses animais, como curiosidade, maquiavelismo, sinais decorrentes de mudanças na cor da pele, senso de humor estão não apenas presentes, como podem contar a história da evolução da inteligência.

Estima-se que humanos e moluscos se separaram em linhagens distintas entre 1 bilhão e 600 milhões de anos atrás. Os moluscos possuem pupilas em forma de W, entretanto o funcionamento não é muito diferente das nossas. Não distinguem cores, mas detectam luz polarizada, o que os faz mais sensíveis a contraste.

Quanto ao cérebro, a razão ente massa cerebral e massa corporal é a maior dentre os invertebrados – são órgãos complexos e possuem rugosidades e dobras, como as nossas. A localização é exótica: em volta do esôfago, logo abaixo da garganta.

Outra curiosidade. Os moluscos em geral pertencem à classe dos cefalópodes, pelo fato de possuírem processamento de informações, normalmente realizada no cérebro, nas pernas (ou tentáculos), também. Esse mecanismo ajuda na coordenação de tantas pernas. O órgão central dá indicações gerais do que quer que o membro faça. O membro decide o resto sozinho.

Sua pele é igualmente fascinante: a maior parte dos cefalópodes possui órgãos chamados cromatóforos. São milhões de sacos de pigmento vermelho, amarelo e marrom além de fibras musculares. Ao se retraírem ou se estenderem, mudam totalmente a cor do molusco. Assim, ele se passa por uma pedra no fundo mar, por exemplo. Ajuda tanto a se defender como a atacar.

Dentre os cefalópodes, existem as sibas, de quem se retira uma tinta usada para produzir corantes de cor sépia. Ela consegue assumir características totalmente distintas em diferentes partes do corpo, copiando o fundo sobre o qual se põe.

Entre si, essas cores são usadas para comunicar o sexo a que pertencem e seu estado emocional momentâneo. Podem até anunciar informações diversas em lados opostos do corpo: comunica algo aos machos de um lado e outra coisa às fêmeas, do lado oposto.  Alguns têm a capacidade de passar informações falsas, para enganar outro membro da espécie.

Certamente não é algo óbvio entender o comportamento de seres cujo comportamento não é exatamente o de um cachorro ou de um gato. Mas há algo a ser aprendido aí ...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Além de Darwin: o que sabemos sobre a vida ...”