Símbolo da vontade unilateral de
Paris e Londres de repartir a região do Oriente Próximo (expressão que se
refere a regiões das “arábias” mais próximas da Europa) entre as duas
potências, provavelmente nenhum Tratado soa mais detestável aos ouvidos dos
árabes. Esses acordos entre França e Reino Unido ignoravam completamente as
aspirações das pessoas que lá habitavam.
Há cem anos, em 1916, na sequência
da queda do Império Otomano e desejosos de alargar suas esferas de influência
no Oriente Próximo, França e Reino Unido concluíram finalmente uma série de
acordos secretos, com consentimento da Rússia czarista, conhecidos como Acordos
Sykes-Picot, em homenagem ao nome dos homens que os negociaram.
Françoise George-Picot, cônsul
francês em Beirute até a Primeira Guerra, em seguida transferido para o Cairo,
e membro do Partido Colonial francês, defendia uma “Síria integral”, ou “Grande
Síria”, sob o jugo colonial francês.
Sir Mark Sykes, conselheiro
diplomático e membro do Partido conservador britânico tinha por objetivo
aumentar a influência colonial no Oriente Próximo.
O fruto de suas negociações à
sombra definiu a partição e o desmembramento das províncias árabes do Império
Otomano assim como a repartição de suas Províncias entre as duas potências –
mesmo havendo uma grande variação no traçado final em relação às formas
prévias. Os árabes mesmos não foram informados até 1917, quando os bolcheviques
fizeram publicar o texto, logo após derrubarem o czar russo.
Depois disso, Sykes-Picot
tronou-se símbolo no Oriente Próximo do imperialismo e da repartição arbitrária
de territórios. Portanto, mesmo que os acordos constituam um evento maior, a
crença de que eles constituem o ponto de viragem da história do Oriente Próximo
moderno deve ser desconstruído: foi uma etapa necessária para a compreensão dos
processos de separação e de partição.
De fato, esses processos não pararam
de se reproduzir após um século. Os acordos Sykes-Picot tiveram como ponto de
origem as trocas de correspondências entre Henry McMahon e Sayyed Hussein Bem Ali,
o sharif de Meca que permitiu ao Reino Unido negociar territórios árabes além
de sua zona de influência, apoiando-se numa lógica de separação etno-religiosa.
Assim, e de acordo com os
intérpretes franceses, Londres pretendia excluir as províncias onde havia
árabes não muçulmanos dos territórios que seriam reconhecidos como árabes e
independentes. Os dois documentos não podem ser considerados fora do contexto:
resultam dos dinamismos regionais anteriores à Primeira Guerra Mundial.
No fim do século XIX, a presença
ocidental se avolumava na região do Império Otomano. Um sinal de influência era
a construção de escolas missionárias, de sociedades culturais, pelo uso de
línguas estrangeiras, particularmente o francês, em questões administrativas, e
também como vetor da colonização: a França domina a Argélia onde se pratica a
política de “dividir para dominar” e o Reino Unido dominava Aden. Ademais, a
França e a Rússia se consideravam protetores das populações católica e ortodoxa
no império otomano. Sua presença aumentou após o fim da Guerra da Criméia
(1853/56).
Endividado, o império otomano foi
forçado a realizar acordos financeiros com as potências estrangeiras, o que
permitiu aos banqueiros e outros financiadores estrangeiros entrarem em novos mercados.
Dali em diante, França e Reino
Unido redobraram seus esforços para exercer um controle exclusivo sobre certas
zonas das províncias árabes do império otomano. Pelo fim do século, as duas
potências tinham estendido seus impérios
até aquela região: Londres tomou controle do Egito e do Chipre; Paris
estabeleceu um protetorado na Tunísia (e o Marrocos em 1912).
A Aliança entre Alemanha e
Império Otomano se materializou por meio do projeto ferroviário otomano. Contudo,
os projetos de extensão ferroviária do início do século XX foram obscurecidos
pelos conflitos do Reino Unido e da França na defesa de seus interesses, e a
ferrovia tornou-se objeto de uma competição feroz entre aqueles que queriam o
controle sobre as porções do império.
Cada potência negociava a
exclusividade do direito de passagem por suas áreas de influência: a França na
Síria e no Líbano; o Reino Unido na Mesopotâmia e na Palestina. Finalmente, os
dois países compreendem a necessidade de negociar a construções de uma frente
comum.
O Reino Unido se movimentou no
sentido de impedir que o império otomano estabelecesse uma conexão entre Hedjaz
e Aqaba, demandando que o Sinai fizesse parte do Egito (e não da Palestina)
para que assim não pusesse em perigo o Canal de Suez.
Em 1911, a Itália decidiu agir
por si só e atacou o império otomano para se apropriar da Líbia. A derrota do
império otomano foi o sinal incontestável de fraqueza e, a partir de 1912, eles
começaram a negociar o futuro da Síria.
Finalmente, terminada a I Guerra
Mundial, o império otomano foi objeto de uma repartição econômica, cultural e
religiosa. A guerra, ao lado da aliança entre otomanos e alemães, forneceram à
França e ao Reino Unido razões para desqualificar os demais países que
pretendiam lá se instalar, também.
O Acordo foi assinado em 16 de maio
de 1916 e misturava independência e proteção. Linguagem que costumava se entrelaçar
no âmbito desses documentos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: http://orientxxi.info/l-orient-dans-la-guerre-1914-1918/les-accords-sykes-picot-deuxieme-phase-du-plan-de-partition-du-proche-orient,1602