As poucas batalhas testemunhadas por antropólogos, na Nova
Guiné ou na Amazônia, mostraram o estilo de batalha mais primitivo praticado
por humanos: movimentos desordenados, linhas irregulares conformada por puçás dezenas
de homens.
Tudo se iniciava nas provocações: realizadas fora do alcance
de flechas, ocorriam mutuamente.
O passo seguinte eram os ataques pontuais e furtivos: um ou
dois homens avançavam, atiravam e voltavam correndo.
Esses “rituais bélicos” poderiam durar o dia inteiro,
parando apenas na hora da janta, podendo ser reiniciados no dia seguinte. Os
feridos poderiam levar à interrupção dos ataques. Mesmo a chuva era capaz de
causar esse mesmo efeito.
Esses fatos levaram, naturalmente, a que as guerras de Idade
das Pedras tivessem uma feição mais próxima dos rituais de virilidade, quando os
mais jovens davam mostras de sua valentia.
Em razão da periculosidade dessas batalhas, quando qualquer
um poderia ser atacado por uma flecha lançada em sua direção, ou por uma
achadinha num ataque mais corpo a corpo, o real perigo se escondia entre essas
batalhas, em ataques de surpresa.
Homens se escondiam e empreendiam ataques contra os mais distraídos.
Um pequeno grupo de corajosos provocava a tribo inimiga. Quando percebiam alguns
membros daquela tribo sozinhos, desprotegidos, matava-nos rapidamente. Caso o
grupo fosse de mulheres, estupravam-nas e, em geral, as raptavam para sua
tribo. Se o grupo de inimigos fosse mais numeroso, escondiam-se.
Outra tática usada pelas tribos humanas mais primitivas
envolvia as emboscadas ao amanhecer. Sorrateiramente alcançavam a tribo inimiga
antes do amanhecer, ainda na escuridão; atacavam logo que amanhecesse. O número
de vítimas não passava de uns poucos infelizes que saíam para urinar quando
acordavam. Após os golpes certeiros, fugiam em debandada.
Relatos de um ataque de uma tribo Awatori, do Arizona, por
volta de 1700, contam sobre um ataque que terminou com uma tribo queimando
todos os membros da outra tribo dentro de suas habitações de madeira.
O modo de vida radicalmente igualitário dentro dessas
sociedades não permitiu o surgimento da disciplina militar própria dos
espartanos, por exemplo, que enfrentavam os ataques inimigos de frente, sem
recuar nem debandar.
O maior risco para quem atacava era um eventual
contra-ataque, quando toda uma tribo poderia ser punida em represália.
Esses eram os episódios que elevavam substancialmente os
índices de violência nas tribos da Idade das Pedras.
Tribos claramente caracterizadas pelo alto nível de
violência de seus membros se lançaram à criação de áreas de exclusão, isto é,
trechos de terras em que os ataques de emboscada eram tão comuns que ninguém se
atrevia a morar nelas.
Quando a necessidade de terras férteis se tronou premente,
essa área de segurança entre as tribos passou a ser encarada como desperdício
de um recurso valoroso. Em lugar de relevar terras preciosas, passaram à construção
sem muros quilométricos, visando a manter possíveis invasores à distância.
Nesse momento, a disciplina e a logística passaram a ser itens
importantes nas sociedades que se formavam. São ingredientes importantes na
criação de muralhas. Deve-se levar em conta, também, que cada obstáculo construído
levava o outro lado a criar maneiras criativas de superá-los. No caso dos
muros, deu-se origem aos cercos – que também exigem disciplina e boa logística.
A “Corrida Armamentista” por melhores fortificações levou à
construção de uma torre em Jericó, por volta de 9.300 a.C., na região do vale
do Rio Jordão. Alguns não crêem que ela tivesse funções militares, pois se seguiram
5 séculos sem qualquer outra torre além daquela.
A outra construção do tipo somente foi registrada na
Turquia, na região de Mersin, em 4.300 a.C. Essa última, sim, deu início a uma
sequência de fortificações (torres, muros etc.) no sudoeste da Ásia.
Por volta de 3.100 a.C. foi construído um muro de 9,5
quilômetros de extensão na região de Uruk, na Suméria, correspondente ao atual
Iraque. Mas as evidências arqueológicas demonstram que a tecnologia dos
inimigos, no sentido de superar essas fortificações, evoluiu bastante também.
Evidentemente s[ó sentia necessidade desses tipo de
fortificação quem tinha algo valioso a defender. Uruk, após a construção de sua
murada de 9,5 km passou a exercer controle sobre quase toda a Suméria.
A estrutura interna que surgiu com o desenvolvimento de Uruk
deu mostras de um Estado galgando complexidade cada vez maior. Havia dentro de
suas fortificações, cidades novas, cada uma contando com dezenas de milhares de
pessoas, além de deuses que se diziam descenderem de deuses.
Mais algum tempo de passou e surgiram códigos de leis, burocracia
estatal, arquivos públicos, impostos. Os dirigentes se denominavam pastores de
seu próprio povo.
Nesse mesmo período, na região do vale do alto Nilo, três
reinos de digladiaram até que apenas uma prevaleceu. Seu rei, Narmer,
denominou-se faraó de toda o Egito – correspondente a um reino de 500
quilômetros de extensão.
O novo estágio de desenvolvimento levou os faraós a de
declararem deuses, não eram mais filhos de deuses ou quase-deuses. Levantaram
pirâmides, como provas de sua superioridade em relação a todas as demais
sociedades. A Pirâmide de Gizé pesa mais de 1 milhão de toneladas e ainda é a
fortificação mais pesada da Terra.
O poder centralizado do faraó suplantou a aristocracia, que
passou a depender de favores reais, não mais podendo manipular o poder à sua
vontade.
Interessante também é notar a correlação estreita entre o
nascimento das primeiras sociedades complexas, com poder centralizado, e o desenvolvimento
da agricultura. Os primeiros exemplares surgiram no Crescente Fértil (sudoeste
da Ásia e Egito). Esse fenômeno se repetiu em diversas outras paragens, nas
mesmas latitudes afortunadas.
O enredo incluía a domesticação de plantas e animais, em
geral 2 ou 3 mil anos depois do cultivo. As cidades muradas – com seus reis divinos,
monumentos grandiosos, escrita e serviços públicos – aparecem de 3 a 4 mil anos
após a domesticação: 2.800 a.C. no Paquistão, 1.900 a.C. na China e 200 a.C. no
Peru e México.
Um ingrediente muito importante nesse progresso histórico envolveu
a tecnologia de armas e armaduras. Artesão do sudoeste asiático haviam começado
a trabalhar com cobre – na época, apenas com motivos ornamentais –, cerca de 7
mil a.C.
Por volta de 3.300 a.C., surgiram os primeiros trabalhos em
bronze (liga de cobre e estanho ou cobre e arsênico). Esse metal era duro o
suficiente para usar em armas de guerra. O bronze testemunhou Uruk quase desde
o seu início.
Não sabe bem como, mas um dos grandes feitos das primeiras
civilizações foi a persuasão de jovens no sentido de se lançarem a situações
com risco real e iminente de morte – como ao aturem como soldados em uma
guerra.
Os testemunhos são dados por meio de pinturas. Pinturas da
Idade das Pedras descrevem regularmente bandos de homens atirando flechas uns
contra os outros. Contudo, uma pintura conhecida como Estela dos Abutres, data
de 2450 a.C., é diferente: fileiras densas de soldados, aparentando uma
disciplina inédita, claramente de infantaria, liderados pelo rei Eannatum de
Lagash. Eles pisoteiam inimigos mortos. Uma inscrição revela que Eannatum
liderou uma campanha vitorisa contra a cidade de Umma. Esta última foi
incorporada ao reino de Eannatum, a Suméria.
O rei Sargão da Arcádia se vangloriava repetindo sobre seu exército
de 5.400 homens, ainda em 2.330 a.C.
Deu-se início aí ao moderno soldado, que não recua nem
debanda diante de um inimigo forte.
Os resultados alcançados foram de um estrondoso sucesso:
Acádia conformou um reino que corresponde ao atual Iraque; Sargão unificou o
que é hoje a Síria e estendeu seu reino até do Cáucaso ao Mediterrâneo.
E imaginar que milhares de anos depois, a solução pelos “muros”
voltaria à ordem do dia...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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