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quarta-feira, 8 de março de 2017

TÁTICAS MILITARES MODERNAS: EXÉRCITOS REPAGINADOS


Por volta de 1650, os exércitos europeus eram tão bons quantos os melhores existentes na Ásia. Contudo, ao longo dos próximos 150 anos, os europeus simplesmente reinventaram a “arte” da guerra.

Os palcos de guerra por volta de 1590, mostravam exércitos munidos de armas de fogo. Contudo, por serem armas de recarregamento lento e bastante imprecisas, ataques a tiros e canhões poderiam ser ineficazes, caso errassem o alvo e houvesse um rápido contra-ataque de cavalarias ou de piratas.

A solução veio da Holanda. O conde Guilherme Luís de Nassau, comandante nas guerras de independência contra a Espanha, lia, em 1594, relatos sobre uso de dardos em Roma.

Guilherme expôs seus entendimentos em carta a seu primo, Maurício de Nassau. Guilherme assertou que mosqueteiros competentes poderiam disparar seus tiros a cada 30 segundos. Em vez de todos os mosqueteiros lançarem uma saraivada ao mesmo tempo, Guilherme sugeriu dividi-los em seis fileiras; uma fileira por vez.

Cada fileira, na sua vez de disparar, avançaria, dispararia, retornaria e recarregaria seu mosquete. Durante a marcha a ré, a fileira seguinte executaria seus disparos. E assim por diante. O tempo entre a primeira e a última fileira garantiria o intervalo necessário para o recarregamento dos mosquetes. E o inimigo seria atingido por uma forte tempestade de chumbo a cada 5 segundos, em vez dos 30 anteriores.

Por volta de 1620, o rei sueco Gustavo Adolfo reformulou a tática de Guilherme de Nassau, que agora se tornava ainda mais mortal. Em vez de atirar, retornar, recarregar e avançar de novo, Gustavo mandou que seus homens avançassem 10 passos, atirassem e permanecessem na nova posição enquanto recarregavam. As fileiras seguintes avançariam mais 10 passos, e assim sucessivamente. Gustavo só queria ver a marcha adiante interrompida pela morte ou pela derrota.

Gustavo ainda verteu atenção à artilharia, que engrossaria a tempestade de chumbo sobre o inimigo. Para garantir maior eficiência à cavalaria, retirou-lhes as armas de fogo.

Por fim, Gustavo percebeu que exércitos numerosos eram igualmente essenciais. Em 1415, na batalha de Agincourt, os franceses enfileiraram 30 mil soldados. Após Gustavo, no entanto, esses números se multiplicaram. Na década de 1640, as grandes potências européias agregaram 150 mil homens – metade do tamanho do exército romano 2 mil anos antes. Em 1670, a França sozinha reuniu 200 mil homens; trinta anos depois eram 395 mil. Por volta de 1710, 650 mil franceses conformavam um exército mais numeroso do que os padres que a Igreja católica tinha no país.    

Por volta de 1650, almirantes holandeses renovaram as guerras navais. Criaram uma formação de linha frontal, semelhantes às fileiras da infantaria. Essas fileiras seguiam um rota paralela à do navio inimigo e o “saldavam” com saraivadas contínuas de tiros disparadas desde as laterais. Ingleses, franceses e espanhóis logo copiaram a nova tática. Alguns enfrentamentos duravam o dia inteiro, entre frotas trocando tiros continuamente.

Assim, navios de linha (que participavam da fileira) passaram a representar o coração das esquadras. Navios menores escoltavam os de linha. Essas embarcações menores eram, às vezes, navios de fogo, pois se costumava pôr fogo neles e lançá-los contra a linha inimiga.

O passo seguinte foi a padronização das armas. Militares holandeses, em 1599, distribuíam o mesmo tipo de mosquete a todos os soldados. Gustavo estabeleceu três tipos de canhões, apenas. Os franceses se certificaram de que todos os navios regiam da mesma maneira a mudanças nos ventos, mantendo a mesma posição relativa na fileira.

Após padronizarem as armas, criaram-se manuais de bom uso para cada uma delas. Um manual holandês, de 1607, descrevia os 43 passos que os mosqueteiros deveriam seguir – deveriam ser rigorosamente seguidos, sob fogo cerrado dos inimigos. Milhares de marinheiro deveriam executar com esmero as manobras de escalar cordames e velas, enrolar, prender, panejar a vela, avançar e bordejar na hora certa. E fazê-lo com perfeição, mesmo sendo alvo de bolas de canhão e envoltos em fumaça de pólvora.

E padronizar homens na execução de suas funções era conseguido por meio de treinamentos, incessante e incansavelmente. Socar pólvora, recarregar mosquetes, tudo repetido ad nauseam. Deveria ser capazes de fazê-lo mesmo de olhos fechados. Os nós de marinheiros eram repetidos até os dedos ficarem em carne viva.

De todos os homens de armas, os mais relutantes em seguir as regras de padronização eram os oficiais. Inicialmente, criou-se a proporção de 10:1 – 10 soldados para cada oficial. No entanto, historicamente os oficiais saíam da aristocracia – o que rendia um comportamento bastante rebelde frente às ordens expressas e pasteurizadas, que não “respeitavam” sua individualidade...

Ainda no século XVIII, os oficiais iam à guerra como quem ia a um baile: perucas, sapatos e trajes de cetim eram bem comuns. Além de ótimos perfumes...

Apenas em 1747 os oficiais britânicos aceitaram usar uniformes padronizados. A criação das Academias Militares, por volta de 1600, ajudou a profissionalizar os “almofadinhas”. Samuel Pepys, o responsável pela inglória tarefa em solo britânico, sonhava formar oficiais com “sobriedade, diligência, obediência a ordens e dedicação ao estudo e à prática da arte da navegação” – a parte da sobriedade talvez ainda seja uma meta a ser cumprida. Todos deveriam ser aprovados em exames de astronomia, artilharia, navegação e sinalização.

Por fim, os governos aprenderam também a cumprir os compromissos que assumiam com seus homens. Quando a Coroa britânica entrou em crise econômica e deixou de pagar seus marinheiros, nasceu o conceito de greve. A expressão usada para designar greve, em inglês, é “strike”. Essa palavra significa arrancar, derrubar. A razão foi que os marinheiros arrancaram as velas dos navios, evitando assim que os navios deixassem o porto, até que o governo pagasse o soldo devido.

Logo após, em 1677, uma frota holandesa, ciente da ação dos marinheiros do seu inimigo histórico, aproveitou o tumulto, invadiu Londres subindo o Tâmisa, queimou e roubou navios, deixando a Inglaterra em polvorosa.

As mulheres dos marinheiros agarravam parlamentares pelas ruas e gritavam: “É isso que dá não pagar nossos maridos!”  

Esse episódio levantou uma necessidade que acompanharia governos por muitos e muitos séculos à frente: como levantar fundos, fazer dívidas e administrá-las com um mínimo de responsabilidade. A maneira mais eficiente foi criada pelos holandeses: um mercado secundário de títulos públicos.

Isso permitiu que capitalistas credores do governo tivessem um mercado com a liquidez necessária para que revendessem tais títulos com lucro (que é a diferença entre os juros futuros e o desconto presente).

Foi assim que a Holanda pagou suas constantes guerras do século XVII. A dívida nacional saltou de 50 milhões de florins em 1632 para 250 milhões em 1752. Mas, tendo angariado confiança durante esse período, a taxa de juros paga decresceu a menos de 2,5% em 1747.

Em 1694, a Inglaterra criou a sua própria versão do sistema holandês e criou um banco central, responsável por gerir a dívida pública. Os governos não poderiam mais, simplesmente, desvalorizar suas moedas e assim pagar as dívidas. Deveriam usar seus recursos, por meio de impostos, para saldar suas dívidas.

Descobriu-se assim a fórmula: finanças públicas saudáveis trazem os recursos necessários para fazer guerras. Amsterdam e Londres levantavam recursos exorbitantes em prazo curtíssimo.

Esse cenário durou até por volta do século XVIII. Como as invenções na área de finanças públicas eram muito recentes, quase ninguém as compreendia a fundo – incluindo os banqueiros. Por volta de 1720, duas bolhas financeiras, uma britânica e a outra francesa, levaram os principais bancos à bancarrota, destruindo as finanças de famílias inteiras.

Com os custos de guerra crescendo, surgiram alianças entre países, que assim compartilhavam os gastos. O resultado foi pôr as decisões militares nas mãos de burocratas – as guerras de gabinete se multiplicaram. Não existiam mais países em guerra, mas exércitos profissionais se enfrentando em campos de batalha.      


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.   

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