Por volta de 1650, os exércitos europeus eram tão bons
quantos os melhores existentes na Ásia. Contudo, ao longo dos próximos 150
anos, os europeus simplesmente reinventaram a “arte” da guerra.
Os palcos de guerra por volta de 1590, mostravam exércitos
munidos de armas de fogo. Contudo, por serem armas de recarregamento lento e
bastante imprecisas, ataques a tiros e canhões poderiam ser ineficazes, caso
errassem o alvo e houvesse um rápido contra-ataque de cavalarias ou de piratas.
A solução veio da Holanda. O conde Guilherme Luís de Nassau,
comandante nas guerras de independência contra a Espanha, lia, em 1594, relatos
sobre uso de dardos em Roma.
Guilherme expôs seus entendimentos em carta a seu primo,
Maurício de Nassau. Guilherme assertou que mosqueteiros competentes poderiam
disparar seus tiros a cada 30 segundos. Em vez de todos os mosqueteiros
lançarem uma saraivada ao mesmo tempo, Guilherme sugeriu dividi-los em seis
fileiras; uma fileira por vez.
Cada fileira, na sua vez de disparar, avançaria, dispararia,
retornaria e recarregaria seu mosquete. Durante a marcha a ré, a fileira
seguinte executaria seus disparos. E assim por diante. O tempo entre a primeira
e a última fileira garantiria o intervalo necessário para o recarregamento dos
mosquetes. E o inimigo seria atingido por uma forte tempestade de chumbo a cada
5 segundos, em vez dos 30 anteriores.
Por volta de 1620, o rei sueco Gustavo Adolfo reformulou a
tática de Guilherme de Nassau, que agora se tornava ainda mais mortal. Em vez
de atirar, retornar, recarregar e avançar de novo, Gustavo mandou que seus
homens avançassem 10 passos, atirassem e permanecessem na nova posição enquanto
recarregavam. As fileiras seguintes avançariam mais 10 passos, e assim
sucessivamente. Gustavo só queria ver a marcha adiante interrompida pela morte
ou pela derrota.
Gustavo ainda verteu atenção à artilharia, que engrossaria a
tempestade de chumbo sobre o inimigo. Para garantir maior eficiência à
cavalaria, retirou-lhes as armas de fogo.
Por fim, Gustavo percebeu que exércitos numerosos eram
igualmente essenciais. Em 1415, na batalha de Agincourt, os franceses enfileiraram
30 mil soldados. Após Gustavo, no entanto, esses números se multiplicaram. Na década
de 1640, as grandes potências européias agregaram 150 mil homens – metade do
tamanho do exército romano 2 mil anos antes. Em 1670, a França sozinha reuniu
200 mil homens; trinta anos depois eram 395 mil. Por volta de 1710, 650 mil
franceses conformavam um exército mais numeroso do que os padres que a Igreja
católica tinha no país.
Por volta de 1650, almirantes holandeses renovaram as
guerras navais. Criaram uma formação de linha frontal, semelhantes às fileiras
da infantaria. Essas fileiras seguiam um rota paralela à do navio inimigo e o “saldavam”
com saraivadas contínuas de tiros disparadas desde as laterais. Ingleses,
franceses e espanhóis logo copiaram a nova tática. Alguns enfrentamentos
duravam o dia inteiro, entre frotas trocando tiros continuamente.
Assim, navios de linha (que participavam da fileira)
passaram a representar o coração das esquadras. Navios menores escoltavam os de
linha. Essas embarcações menores eram, às vezes, navios de fogo, pois se
costumava pôr fogo neles e lançá-los contra a linha inimiga.
O passo seguinte foi a padronização das armas. Militares
holandeses, em 1599, distribuíam o mesmo tipo de mosquete a todos os soldados.
Gustavo estabeleceu três tipos de canhões, apenas. Os franceses se certificaram
de que todos os navios regiam da mesma maneira a mudanças nos ventos, mantendo
a mesma posição relativa na fileira.
Após padronizarem as armas, criaram-se manuais de bom uso
para cada uma delas. Um manual holandês, de 1607, descrevia os 43 passos que os
mosqueteiros deveriam seguir – deveriam ser rigorosamente seguidos, sob fogo
cerrado dos inimigos. Milhares de marinheiro deveriam executar com esmero as
manobras de escalar cordames e velas, enrolar, prender, panejar a vela, avançar
e bordejar na hora certa. E fazê-lo com perfeição, mesmo sendo alvo de bolas de
canhão e envoltos em fumaça de pólvora.
E padronizar homens na execução de suas funções era
conseguido por meio de treinamentos, incessante e incansavelmente. Socar
pólvora, recarregar mosquetes, tudo repetido ad nauseam. Deveria ser capazes de
fazê-lo mesmo de olhos fechados. Os nós de marinheiros eram repetidos até os
dedos ficarem em carne viva.
De todos os homens de armas, os mais relutantes em seguir as
regras de padronização eram os oficiais. Inicialmente, criou-se a proporção de
10:1 – 10 soldados para cada oficial. No entanto, historicamente os oficiais
saíam da aristocracia – o que rendia um comportamento bastante rebelde frente
às ordens expressas e pasteurizadas, que não “respeitavam” sua
individualidade...
Ainda no século XVIII, os oficiais iam à guerra como quem ia
a um baile: perucas, sapatos e trajes de cetim eram bem comuns. Além de ótimos
perfumes...
Apenas em 1747 os oficiais britânicos aceitaram usar
uniformes padronizados. A criação das Academias Militares, por volta de 1600,
ajudou a profissionalizar os “almofadinhas”. Samuel Pepys, o responsável pela
inglória tarefa em solo britânico, sonhava formar oficiais com “sobriedade,
diligência, obediência a ordens e dedicação ao estudo e à prática da arte da
navegação” – a parte da sobriedade talvez ainda seja uma meta a ser cumprida.
Todos deveriam ser aprovados em exames de astronomia, artilharia, navegação e
sinalização.
Por fim, os governos aprenderam também a cumprir os
compromissos que assumiam com seus homens. Quando a Coroa britânica entrou em
crise econômica e deixou de pagar seus marinheiros, nasceu o conceito de greve.
A expressão usada para designar greve, em inglês, é “strike”. Essa palavra
significa arrancar, derrubar. A razão foi que os marinheiros arrancaram as
velas dos navios, evitando assim que os navios deixassem o porto, até que o
governo pagasse o soldo devido.
Logo após, em 1677, uma frota holandesa, ciente da ação dos marinheiros
do seu inimigo histórico, aproveitou o tumulto, invadiu Londres subindo o
Tâmisa, queimou e roubou navios, deixando a Inglaterra em polvorosa.
As mulheres dos marinheiros agarravam parlamentares pelas
ruas e gritavam: “É isso que dá não pagar nossos maridos!”
Esse episódio levantou uma necessidade que acompanharia
governos por muitos e muitos séculos à frente: como levantar fundos, fazer
dívidas e administrá-las com um mínimo de responsabilidade. A maneira mais
eficiente foi criada pelos holandeses: um mercado secundário de títulos
públicos.
Isso permitiu que capitalistas credores do governo tivessem
um mercado com a liquidez necessária para que revendessem tais títulos com
lucro (que é a diferença entre os juros futuros e o desconto presente).
Foi assim que a Holanda pagou suas constantes guerras do
século XVII. A dívida nacional saltou de 50 milhões de florins em 1632 para 250
milhões em 1752. Mas, tendo angariado confiança durante esse período, a taxa de
juros paga decresceu a menos de 2,5% em 1747.
Em 1694, a Inglaterra criou a sua própria versão do sistema
holandês e criou um banco central, responsável por gerir a dívida pública. Os
governos não poderiam mais, simplesmente, desvalorizar suas moedas e assim
pagar as dívidas. Deveriam usar seus recursos, por meio de impostos, para
saldar suas dívidas.
Descobriu-se assim a fórmula: finanças públicas saudáveis
trazem os recursos necessários para fazer guerras. Amsterdam e Londres
levantavam recursos exorbitantes em prazo curtíssimo.
Esse cenário durou até por volta do século XVIII. Como as
invenções na área de finanças públicas eram muito recentes, quase ninguém as
compreendia a fundo – incluindo os banqueiros. Por volta de 1720, duas bolhas
financeiras, uma britânica e a outra francesa, levaram os principais bancos à
bancarrota, destruindo as finanças de famílias inteiras.
Com os custos de guerra crescendo, surgiram alianças entre
países, que assim compartilhavam os gastos. O resultado foi pôr as decisões
militares nas mãos de burocratas – as guerras de gabinete se multiplicaram. Não
existiam mais países em guerra, mas exércitos profissionais se enfrentando em
campos de batalha.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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