Tendo apenas 16 anos de idade, James Brooke cerrou fileiras
no exército de milicianos da Companhia Britânica das Índias Orientais. Lutando
uma batalha na Birmânia, ficou ferido gravemente, afastou-se da Companhia,
comprou um navio, encheu-o de canhões e tomou o rumo de Bornéu. Era 1838 e
Brooke era um cara bem ambicioso.
Lá chegando, prestou auxílio ao Sultão de Brunei a sufocar
uma rebelião interna, que poderia descambar para uma guerra civil.
Grato pela ajuda, o sultão nomeou o jovem britânico
governador da província de Sarawak. Em 1841, Brooke tomou o poder plenamente e
se tornou rei de Sarawak. Brooke deu início a uma dinastia: os rajás brancos,
que governaram o lugar por três gerações, até passarem a administração local ao
governo britânico, em 1946, em troca de uma cômoda pensão.
O navio de Brooke se chamava Royalist, mesmo nome do pub
mais famoso de Sarawak.
No mesmo ano em que Brooke chegou a Brunei, 1838, outro
intrépido aventureiro, o norte-americano Josiah Harlan, iniciava seus
ambiciosos planos. Harlan havia lutado também na Birmânia, ao lado de Booke.
Terminado o conflito, perambulou pela Índia. Conseguiu fazer o marajá de Lahore
a lhe entregar a administração de duas províncias.
Harlan então liderou seu exército até o Afeganistão e depôs
o príncipe de Ghor – que era um rico comerciante de escravos. Derrotado e
impressionado com o exército de Harlan, que seguia a forma de combate desenvolvida
na Europa, o príncipe então entrou em acordo com Harlan e passou a ser seu
vice-governante.
Poucas semanas após fincar orgulhosamente a “star and strips”
na Ásia Central, os britânicos invadiram o Afeganistão e puseram um fim precoce
no breve reinado do jovem aventureiro.
Esses foram apenas dois exemplos da superioridade bélica que
o ocidente conseguiu erigir frente ao resto do mundo. Ao desenvolverem forçar
disciplinadas, treinadas, exercendo manobras complexas e estando muito bem
armados, tornaram-se imbatíveis, mesmo se contassem com número reduzido de
soldados.
Em 1914, os europeus e seus colonos espalhados por todos os
continentes dominavam 84% das terras e 100% dos mares do planeta.
A principal ferramenta para alcançar tal hegemonia
chamava-se pólvora. Inventada na China no século IX, a pólvora era
originalmente de baixíssima qualidade. Nos séculos XII e XIII, alguém teve a idéia
de adicionar salitre, produzindo uma pólvora de muito melhor qualidade. Não
queimava, explodia. Assim, comprimida numa câmara, era capaz de expelir balas
ou flechas a altíssima velocidade.
A primeira arma de fogo registrada é uma pintura datada de
1150, num templo budista chinês. Um século mais tarde as armas de fogo estavam
em pleno uso. Existe um exemplar datado de 1288, achado na Manchúria.
Os coreanos já tinham armas de fogo em 1356, em suas
fortalezas. No século seguinte, haviam contornado os Himalaias e chegado à
Índia. Por volta de 1500, canhões de bronze eram produzidos na Birmânia e na
Tailândia. Os japoneses finalmente conseguiram produzir as suas em 1542.
Os europeus, contudo, foram mais precoces na sua corrida
armamentista. Já em 1326, menos de 40 anos após o primeiro exemplar chinês,
dois oficiais de Florença, distante mais de 8 mil quilômetros, cumpriam ordens
de adquirir armas de fogo e munição. No ano seguinte, um ilustrador de Oxford
pintava canhões em um manuscrito. Foi a invenção de disseminação mais rápida na
história.
A velocidade com que se espalhou deve muito à chamada Pax
Mongolica, criada pelos khans mongóis após suas brutais conquistas militares do
século XIII. Este ambiente de paz e segurança abriu possibilidades de negócios
a mercadores, que se dispusessem a transportar mercadorias pelas estradas que
cortavam toda a Eurásia. O mais famoso deles chamava-se Marco Polo. Seda e
cristianismo trafegavam incessantemente.
Outro item transportado junto com as pessoas e as
mercadorias eram as doenças – como a peste negra. Talvez mais mortal que as
armas de fogo tão desejadas.
Em 1331, cinco anos apenas depois da primeira referência a
armas de fogo em Florença, os canhões já estavam em pleno uso em cercos a
cidades medievais. Em 1372, muralhas de cidades francesas caiam aos pés de
soldados canhoneiros.
Um passo importante dado pelos europeus foi a mineração do
salitre: por volt de 1410, haviam reduzido esses custos pela metade.
Outra invenção foi realizada por um rebelde religioso de
origem theca chamado Jan Hus. Ele acoplou canhões a uma carroça. Essa “fortaleza
móvel” era arrastada até os campos de batalha. O conjunto era chamado de
laager, em holandês.
Foi essa arma quem desequilibrou a balança para o lado
europeu, quando os turcos otomanos iniciaram a invasão dos Bálcãs, em 1444. Ficou
claro para os turcos que eles tinham de dominar aquela tecnologia também.
Começaram contratando canhoneiros cristãos. Por volta de
1448 já tinham sua própria tática laarger. Foi assim que puserem abaixo os
muros de Constantinopla e o Império Bizantino.
Os europeus também criaram pólvora em grânulos, ao
descobrirem como umedecê-la e pô-la para secar. Seu potencial explosivo era bem
maior. Essa invenção foi produzida no âmbito das guerras entre França e
Borgonha. Como os canhões na época não eram suficientemente fortes para a nova
pólvora, tiveram de criar novos modelos, mais resistentes. Além disso, os novos
canhões não mais arremessavam pedras, mas bolas de ferro.
Já os húngaros, ainda às voltas com as invasões dos turcos
otomanos, acharam uma maneira de usar as novas pólvoras em armas menores,
criando os arcabuzes. Os turcos sofreram com essa nova maldita invenção.
Maquiavel resumiu bem os novos tempos: “não há muro, por
mais robusto que seja, que a artilharia não seja capaz de destruir em poucos
dias.”
Tudo isso deu novo ânimo às guerras. Entre 1495 e 1525 os
europeus ocidentais travaram um número sem precedentes de guerras de grande escala.
Os canhões levaram à invenção de novas defesas. Uma técnica largamente
empregada foi a de inclinar os muros das fortalezas, além de construí-los com
terra, de forma a fazer as balas de canhão ricocheteassem quando o atingissem.
De novo Maquiavel, em 1520, exibindo conhecimentos
estratégicos: “Nossa primeira providência é fazer nossos muros curvos ... de
modo que, se o inimigo tenta se aproximar, ele pode ser confrontado e repelido
tão bem nos flancos quanto pela frente.”
O resultado mais visível, após essas evoluções e demandas
estratosféricas por armas foi um equilíbrio intracontinental, de forma que
nenhuma nação européia conseguia suplantar as demais de maneira decisiva; no
entanto, todas elas dispararam na frente das demais, de todo o resto do mundo,
no campo bélico. Tornaram-se virtualmente invencíveis... Mas seriam necessários
mais alguns anos até que essa vantagem se consolidasse decididamente.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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