Pesquisar as postagens

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

LATITUDES AFORTUNADAS – A VIDA APÓS UM LONGO INVERNO


Quando o mundo começou a se aquecer, após a última Era Glacial, plantas e animais passaram a se reproduzir freneticamente. O momento mais gélido daquela era viu, no máximo, meio milhão de seres humanos cambaleando pelo planeta; 10 mil anos mais tarde, éramos 10 milhões de humanos fuçando a natureza.

A faixa de Terra do planeta onde o clima e a ecologia conspiraram para a criação de pradarias, recheadas de grãos deliciosos e de mamíferos suculentos, foi batizada de Latitudes Afortunadas. Nessas regiões, a caça era farta e a coleta de alimentos, faustosa.

Em 8 mil a.C., dos 10 milhões de habitantes do planeta, mais da metade se situava nas Latitudes Afortunadas. Essa região inclui o atual Oriente Médio, sul da Europa, trecho da Indochina, América central, Oeste da China.  

Na região do Vale do Jordão, antes mesmo do término da Era Glacial, as coletas eram de tal forma ricas que as pessoas lá se estabeleceram, criando pequenas vilas, habitações permanentes que permitiam o explorar toda aquela abundância, sem ter de procurar outras paragens mais tarde.

O primeiro passo em direção à cultura agropastoril foi a domesticação, isto é, o cultivo de plantas e criação de animais, de maneira a alterar a genética dessas fontes de alimentos. As latitudes afortunadas eram ricas em espécies domesticáveis.

De acordo com Jared Diamond, o mundo possui cerca de 200 mil espécies de plantas, das quais comemos apenas 2 mil, e somente cerca de 200 são domesticáveis. Existem 56 plantas com semente comestíveis, pesando acima de 10 miligramas. Dessas, 50 se desenvolveram nas latitudes afortunadas. Das 14 espécies de mamíferos pesando mais de 45 quilos, domesticadas antes do século XX, 9 são oriundas das latitudes afortunadas.

Pelo exposto, é fácil notar que a domesticação se iniciou nas latitudes afortunadas, mais especificamente no sudoeste asiático. Esta região concentrava a maior diversidade de espécies domesticáveis no planeta.
O passo seguinte é o chamado cultivo. A região conhecida como Flancos Montanhosos abriga as primeiras sementes e animais anormalmente grandes, datados de 9500 a 9000 a.C. São as primeiras evidências de alteração da genética original.

A região onde hoje é a China abrigava também grande número de espécies domesticáveis, embora em número um pouco menor que a região dos Flancos. O cultivo do arroz se iniciou por volta 7500 a.C., na região entre os rios Amarelo e Yang-Tsé. O Painço e os porcos demoraram mais mil anos até a domesticação completa.

Na região onde hoje é o Paquistão, a cevada, os carneiros e as cabras tiveram seu cultivo inicial. Abóbora, amendoim e teosinte (ancestral do milho) foram domesticados no México em 6500 a.C. Quinua, lhamas e alpacas sofreram o mesmo processo no Peru.

A domesticação foi um processo contínuo, longo, incluía limpar os campos de ervas daninhas, capinados, arados, irrigados e fertilizados. Cultivar dava trabalho, mais do que caçar e coletar alimentos. Embora os seres humanos tenham convivido com uma alimentação menos rica e variada, após a domesticação de espécies, a produção de alimentos por unidade de terra eram muito superior.

Com a barriga mais cheia, os humanos se lançaram a uma explosão populacional, que populou as latitudes afortunadas com mais exemplares dessa espécie que viria a dominar todas as outras. Ali surgiram as primeiras vilas, cidades, sociedades e, mais tarde, impérios.   
   

Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário