Em 1202, Leonardo Fibonacci, de Pisa, filho de um oficial na
África do Norte da alfândega da República de Pisa, escreve em latim um Tratado
do Ábaco (tabuinha de calcular da Antiguidade, transformada no século X em um
quadro cujas colunas utilizavam algarismos arábicos) no qual introduz em
particular essa conquista essencial para a contabilidade que é o zero. Esses
progressos, que não cessarão no curso da Idade Média ocidental, culminarão com
a redação em 1494 pelo irmão Luca Pacioli da Summa de Arithmetica, verdadeira
enciclopédia aritmética e matemática destinada aos comerciantes. Ao mesmo tempo
aparece em Nuremberg, na Alemanha do Sul, um Método de Cálculo.
Por seu turno, os textos bíblicos que a Igreja usou para
julgar ou corrigir os utilizadores do dinheiro, têm entre os textos
provenientes do Evangelho mais eficiência do que aqueles oriundos do Antigo
Testamento. A exceção é o versículo 31, 5 do Livro do Eclesiástico (o
Sirácide), que declara: “Aquele que ama o dinheiro dificilmente escapa do
pecado”.
Os textos do Novo Testamento que mais pesaram quanto à
atitude a respeito do dinheiro são os seguintes:
1)
Mateus, 6,24: “Ninguém pode servir a dois
senhores: ou odiará um e amará o outro, ou ligar-se-á a um e desprezará o
outro. Não se pode servir a Deus e a Mamon” (Mamon designa no judaísmo tardio a
riqueza iníqua, particularmente sob a forma monetária).
2)
Mateus 19,23-24: “Jesus disse então a seus
discípulos: Em verdade vos digo, será difícil a um rico entrar no reino dos
céus. Sim, eu vos repito, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus.” Essa passagem se encontra em
outros Evangelhos, também.
3)
Lucas, 12,13-22: “Mesmo em meio à abundância, a
vida de um homem não está garantida por seus bens.” Mais adiante, em Lucas
ainda, Jesus diz aos ricos: “vendei seus bens e dai-os como esmola.”
Em Lucas, 16,19-31, o mau rico vai para o inferno, enquanto
Lázaro é acolhido no paraíso.
As imagens medievais, onde o dinheiro aparece de maneira,
frequentemente, simbólica, são sempre pejorativas e tendem a impressionar
aquele que as vê, levando-o a temer o dinheiro. A primeira imagem é um episódio
particularmente tocante da história de Jesus: a representação de Judas
recebendo os trinta dinheiros pelos quais vendeu seu mestre aos que iam
crucificá-lo.
Um célebre manuscrito co numerosas imagens do século XII,
conhecido como Hortus Deliciarum (Jardim das Delícias), uma página representa
Judas recebendo o dinheiro de sua traição com o seguinte comentário: “Judas é o
pior dos comerciantes que encarna os usuários expulsos do Templo por Jesus
porque põem suas esperanças na riqueza e querem que o dinheiro triunfe, reine,
domine o que é um plágio dos louvores celebrando o reinado de Cristo sobre a Terra.”
O principal símbolo iconográfico do dinheiro na Idade Média
é uma bolsa no pescoço de um rico que a leva consigo ao inferno. Essa bolsa
fatal, cheia de dinheiro, está representada em esculturas bem visíveis em
tímpanos e capitéis de igrejas. Também aparece no Inferno, da Divina Comédia,
de Dante.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “A Idade Média e o dinheiro: ensaio de uma
antropologia histórica”.
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