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quinta-feira, 23 de março de 2017

OS NÚMEROS E A IDADE MÉDIA – ENTRE TAPAS E BEIJOS


Em 1202, Leonardo Fibonacci, de Pisa, filho de um oficial na África do Norte da alfândega da República de Pisa, escreve em latim um Tratado do Ábaco (tabuinha de calcular da Antiguidade, transformada no século X em um quadro cujas colunas utilizavam algarismos arábicos) no qual introduz em particular essa conquista essencial para a contabilidade que é o zero. Esses progressos, que não cessarão no curso da Idade Média ocidental, culminarão com a redação em 1494 pelo irmão Luca Pacioli da Summa de Arithmetica, verdadeira enciclopédia aritmética e matemática destinada aos comerciantes. Ao mesmo tempo aparece em Nuremberg, na Alemanha do Sul, um Método de Cálculo.

Por seu turno, os textos bíblicos que a Igreja usou para julgar ou corrigir os utilizadores do dinheiro, têm entre os textos provenientes do Evangelho mais eficiência do que aqueles oriundos do Antigo Testamento. A exceção é o versículo 31, 5 do Livro do Eclesiástico (o Sirácide), que declara: “Aquele que ama o dinheiro dificilmente escapa do pecado”.

Os textos do Novo Testamento que mais pesaram quanto à atitude a respeito do dinheiro são os seguintes:
1)      Mateus, 6,24: “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará um e amará o outro, ou ligar-se-á a um e desprezará o outro. Não se pode servir a Deus e a Mamon” (Mamon designa no judaísmo tardio a riqueza iníqua, particularmente sob a forma monetária).
2)      Mateus 19,23-24: “Jesus disse então a seus discípulos: Em verdade vos digo, será difícil a um rico entrar no reino dos céus. Sim, eu vos repito, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.” Essa passagem se encontra em outros Evangelhos, também.
3)      Lucas, 12,13-22: “Mesmo em meio à abundância, a vida de um homem não está garantida por seus bens.” Mais adiante, em Lucas ainda, Jesus diz aos ricos: “vendei seus bens e dai-os como esmola.”

Em Lucas, 16,19-31, o mau rico vai para o inferno, enquanto Lázaro é acolhido no paraíso.

As imagens medievais, onde o dinheiro aparece de maneira, frequentemente, simbólica, são sempre pejorativas e tendem a impressionar aquele que as vê, levando-o a temer o dinheiro. A primeira imagem é um episódio particularmente tocante da história de Jesus: a representação de Judas recebendo os trinta dinheiros pelos quais vendeu seu mestre aos que iam crucificá-lo.

Um célebre manuscrito co numerosas imagens do século XII, conhecido como Hortus Deliciarum (Jardim das Delícias), uma página representa Judas recebendo o dinheiro de sua traição com o seguinte comentário: “Judas é o pior dos comerciantes que encarna os usuários expulsos do Templo por Jesus porque põem suas esperanças na riqueza e querem que o dinheiro triunfe, reine, domine o que é um plágio dos louvores celebrando o reinado de Cristo sobre a Terra.”

O principal símbolo iconográfico do dinheiro na Idade Média é uma bolsa no pescoço de um rico que a leva consigo ao inferno. Essa bolsa fatal, cheia de dinheiro, está representada em esculturas bem visíveis em tímpanos e capitéis de igrejas. Também aparece no Inferno, da Divina Comédia, de Dante.
   

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “A Idade Média e o dinheiro: ensaio de uma antropologia histórica”.

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