Trechos do livro “Como nascem os monstros”:
“Respirou um pouco quando o escalaram para a custódia no
Hospital do Andaraí.
Lá, ficavam os presos da área do 6º BPM, necessitados de
tratamento médico, enquanto aguardavam transferência para o hospital
penitenciário, sempre pajeados por um PM escalado para manter a segurança do
local e impedir eventuais evasões. No sétimo andar havia uma sala reservada
para a recuperação de bandidos feridos em confrontos com a polícia e que não
precisavam de terapia intensiva: para esta Rafael foi designado.
No geral, a sala era um lixo (como tudo o que diz respeito a
encarceramento no Brasil), com gazes e curativos sujos espalhados pelo todo o
chão.
Os dois sobreviventes que Rafael encontrou tinham sido
baleados em situações distintas: um após ter roubado um carro (o comparsa
fugiu) e o outro durante incursão policial ao morro da Cotia.O da incursão
tinha levado um tirambaço pelas costas, na altura da clavícula, e estava todo
torto, sem previsão de alta. Certa vez, na volta de mais uma das cirurgias
feitas para tentar consertá-lo, sentia fortes dores, e Rafael ficou incomodado
com os gemidos agonizantes que não o deixavam dormir.
Foi pedir à enfermeira que fizesse algo – ela até se admirou
da compaixão do mango -, e a moça administrou um analgésico poderoso no
vagabundo que o fez dormir como um neném. Rafael embarcou logo depois, deitado
na outra maca vaga. De alguma forma, o bandido interpretou aquilo como um gesto
de solidariedade do PM, e, no plantão seguinte, falou: “Com todo respeito, meu
chefe... o senhor me deu a maior moral aí, no meu sofrimento, isso aí é pro
senhor tomar um café...”, e deu 50 reais na mão do polícia. Amizade feita! Os
outros serviços vieram naturalmente.
Às vezes, queria uma visita íntima (mesmo não sendo direito
do custodiado em hospital, ainda mais estando ele em convalescência); então,
agendava para o serviço de Rafael. Cem reais. Outras, queria fumar uma maconha
(trazida pela visita). Mais 100 reais. Fumava deitado na maca, com a porta de
correr trancada e Rafael deitado do outro lado da sala, assistindo à televisão
trazida pela mãe do preso (mais 100 reais). Fecharam uma mesada semanal e,
durante pouco mais de um mês, Rafael recebeu 300 reais por semana para deixar o
plantão “arregado”. Com direito a DVD, lanche do McDonald`s, maconha, celular e
piranha liberados.
Pena que durou pouco, pois a marola começou a dar muita
pinta e nem o vento que entrava pelo tapume estava mais dando jeito na fumaça...”
Rubem L. de F. Auto
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