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sexta-feira, 10 de março de 2017

TREINAMENTO PARA MEFISTÓFELES – RECRUTAS DO DIABO – PARTE 4




Trechos do livro “Como nascem os monstros”:
                                                        
“Durante três anos, o aluno é testado ao limite na mais pura e idiota rigidez militar. Três anos em que tudo, tudo mesmo, gira em torno dos costumes de um regime absolutamente retrógrado e incompatível com as peculiaridades do serviço policial. Chegam ao ponto de dormir no chão para não desarrumar as próprias camas, feitas a régua, e inspecionadas por outro aluno “veterano”. Um milímetro fora da medida é o suficiente para que o aluno fique impedido de ir para casa nos finais de semana.

(...)

Os oficiais instrutores incentivam a segregação do convício dos futuros aspirantes com os demais praças, dizendo que poracá é raça ruim, ladra, burra. Desde o início aprendem que não devem se misturar, não devem dar brecha para intimidade. Tudo deve ser encarado com desconfiança, e a principal missão depois de formados seria coibir os atos dessa corja que insiste em sujar o nome da instituição. Marchas, desfiles e cerimônias são frequentes e ensaiadas ao extremo.

(...)

Ao contrário das Forças Armadas, de onde a PM tirou os moldes de sua academia, o oficial da Polícia não tem uma especialidade, uma função definida. No Exército, temos o intendente, o infante, o engenhyeiro e outros. E na PM? Temos o PM. Mas quem é que cuida da folha de pagamentos? O oficial. E quem determina a rotina do rancho? Ele também. Quem faz o estuda das regiões a serem patrulhadas? Quem faz o cálculo quantitativo de armas e munições? Quem pede para comprá-las? Quem manda no serviço reservado? E no trânsito? Tudo ele.
Sempre na base do improviso, vai dando um jeito de fazer de tudo, sem ser especialista me nada. Desde a formação até assumir o cargo, o oficial foi treinado para swer oficial, e só. Repreender o praça é o principal, o resto vem por tabela.

(...)

No sistema administrativo das polícias estaduais de vários países, como França, Inglaterra e Estados Unidos, há a função de tenente, mas ela é dada de acordo com o merecimento do policial durante sua carreira. Não há uma escola de tenentes, um curso para formá-los, e sim um reconhecimento oriundo da própria instituição, que, por meio de procedimentos internos pautados na meritocracia, designa a alguns a função de mando sobre os outros. Não há a imperatividade da farda, usada apenas em ocasiões específicas, mas a hierarquia está implícita no cargo.
Pensar em um sistema semelhante vigorando as polícias brasileiras faz parte do sonho compartilhado pela maioria dos estudiosos da problemática da segurança pública. Mas é um terreno tortuosos esse de tentar mudar a ordem das coisas. Muitos interesses estão envolvidos na manutenção da estrutura feudal à qual estamos submetidos. Odedecemos aos xoguns cariocas e às suas milícias particulares em todos os nossos movimentos pela cidade: Pare; abra o vidro; acenda a luz interna. Encosta; mãos na cabeça; documEnto. Onde mora? Eles mandam, e aI de você se não obedecer.

(...)

Bombeiros insatisfeitos com o governador e sua evidente inépcia para o cargo invadiram o quartel-general da corporação para exigir uma reunião com o seu comandante-geral. Era uma reivindicação por melhorias salariais e das condições de trabalho, só que o coronel dos bombeiros, com o cu na mão, ligou para o governador e deve ter dito: “Chefe, fudeu!” Então, a solução foi chamar o BOPE para jogar bombas e disparar balas de borracha contra os invasores e suas famílias, que pacificamente os acompanhavam durante o protesto.

(...)

O sujeito fica três anos em internato, aprendendo a “ser oficial da Polícia Militar”, torna-se capitão, major, coronel, e não tem discernimento ou peito para fizer “NÃO” a uma ordem absurda dessas? Será que quem obedeceu a essa ordem covarde não percebeu que se trata de um ato de pura politicagem fascista?

(...)

Policial tem de medir, analisar, pesar. Não é culpa dele se o governador é prepotente demais com um grupo de servidores, se ele não tem habilidade política para contornar o caso.

(...)

Será que um jovem que se preocupasse menos em passar sua farda e mais em estudar ciências políticas, que tivesse lido ao menos trechos da República, de Platão, será que esse jovem obedeceria a tal ordem absurda dada pelo governador?
Lógico que não!

(...)

A Academia D. João VI funciona, assim como o CFAP, como uma fábrica, uma linha de montagem, só que de peças mais caras. Mesmo assim, mesmo sendo mais trabalhadas, continuam sendo peças e somente isso. Descartáveis e substituíveis. Só peças.”


Rubem L. de F. Auto

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