O general John Hachett (ex-comandante das forças britânicas
a Alemanha Ocidental) imaginou uma guerra em seu romance muito bem recebido de
1978, A Terceira Guerra Mundial.
Depois de 17 dias de batalhas convencionais, a ofensiva
soviética foi detida e, com os soldados norte-americanos chegando para
fortalecer a linha e até fazê-la recuar, os soviéticos reagiram com armas mais
potentes. Eles lançaram um único míssil SS-17 com uma ogiva nuclear, destruindo
Birmingham, Inglaterra. Trezentos mil morreram. A OTAN reagiu
proporcionalmente, com um ataque nuclear a Minsk. O instável regime soviético
entrou em colapso.
Mas, na realidade, como o general sabia muito bem, é
provável que tivesse sido bem pior. A OTAN previu que seria a primeira a usar a
força nuclear, por meio de dispositivos “táticos” (em geral, equivalentes a
meia Hiroshima), para deter a ruptura das linhas e também para sinalizar que o
ataque deveria ser encerrado. Se Moscou ignorasse a mensagem, seriam usadas
bombas e ogivas nucleares maiores (equivalentes a meia dúzia de Hiroshimas), e,
se ainda não houvesse respostas quando os tanques soviéticos tivessem já
avançado 90 quilômetros pela Alemanha Ocidental, a coisa iria ficar mais séria.
Infelizmente, os soviéticos não demonstraram a menor
intenção de encarar as bombas H como sinais sutis. Seu plano previa usar
tanques para chegar ao Reno em duas semanas e ao canal da Mancha e Pirineus em outras
quatro. Para conseguir isso, o primeiro escalão usaria de 28 a 75 armas
nucleares para abrir brechas na linha da OTAN, e o segundo dispararia outras 34
a 100 durante sua penetração com blindados. Esperando que a OTAN fosse reagir
na mesma moeda, os soldados soviéticos estariam equipados para lutar em campos
de batalha encharcados para de substâncias químicas e radiação, concentrando-se
com rapidez para atacar e depois dispersar-se. A Alemanha Ocidental sofreria
com várias centenas de Hiroshimas, que matariam a maioria de sues habitantes. A
essa altura, os ICBMs (mísseis intercontinentais) já cruzariam o pólo Norte.
Na visão de Moscou, uns poucos dias de guerra total
devastariam os dois países, mas depois que as ogivas se esgotassem, a luta
convencional continuaria até que um dos lados já não conseguisse lutar.
Consequentemente em meio a acalorados debates, ambas as
superpotências começaram a se encaminhar para um entendimento (batizado de “détente”),
que iria permitir-lhes sair do apuro de alguma maneira.
As conversações sobre limitação de armas nucleares começaram
em 1969, e na década de 1970 os soviéticos fizeram concessões na questão de
direitos humanos. Os norte-americanos venderam-lhes grãos e emprestavam-lhes
dólares. E os astronautas e cosmonautas dos dois países deram-se as mãos em
órbita.
Em 1972, o presidente Richard Nixon desferiu um gigantesco
golpe quando o antigo cliente de Moscou, Mao, declarou que não odiava os EUA
tanto quanto odiava a União Soviética.
Os produtores árabes de petróleo quadruplicaram seus preços,
empurrando a aliança norte-americana para uma crise econômica e ao mesmo tempo
inundando de dinheiro a União Soviética exportadora de petróleo.
A desaceleração econômica, as preocupações sobre como lidar
com a paridade nuclear com os soviéticos e as recriminações relativas à Guerra
do Vietnã formaram um caldo tóxico.
Os conservadores começaram a argumentar que apenas com
cortes nas despesas com o bem-estar social e com as burocracias que o
administravam é que se poderia retomar o crescimento econômico, sem o qual a
contenção não iria funcionar, e o escândalo de Watergate.
Ao final da década de 1970, os EUA batiam em retirada por
toda parte. Os comunistas ganhavam guerras civis (e até uma eleição) na África
e na America Latina, além de conquistar corações e mentes na Europa.
Em 1979, radicais não comunistas no Irã também entraram em
cena, pondo para fora o Grande Satã de mais um lugar do globo.
A détente fracassou. Os EUA rearmaram-se furiosamente, instalando
novíssimos mísseis de cruzeiro na Europa e fazendo alarde de tecnologias que
iriam fatiar as defesas soviéticas como uma faca corta uma manteiga. A paranóia
virou pânico em Moscou em 1982, quando os israelenses usaram sistemas de armas
computadorizadas feitos nos EUA para destruir 17 dos 19 silos de mísseis
terra-ar de fabricação soviética da Síria e abater 92 de seus aviões soviéticos,
com perda três (ou seis, dependendo de quem contava). Embora qualquer cientista
sensato pudesse ter dito aos soviéticos que ainda demoraria décadas até que
vissem funcionar de fato tanto o “Guerra nas Estrelas” (um sistema
norte-americano para abater ICBMs por meio de laser) quanto o Assault Breaker
(um foguete de longa distância que espalhava massas de pequenas bombas de
fragmentação guiadas por computador para destruir divisões blindadas inteiras
antes que chegassem ao front), na atmosfera febril de Moscou no início da
década de 1980, presumir o pior era um modo de vida.
Mas o medo norte-americano do medo soviético chegou ao ponto
de Reagan sentir necessidade de despachar o general (depois consultor de
Segurança Nacional) Brent Scowcroft até Moscou para convencer Andropov a recuar
um passo diante do abismo.
Milhões marcharam em protesto contra a bomba. Bruce
Springsteen lançou seu remake de War. Qualquer um que não estivesse preocupado
com o fim do mundo era porque não estava prestando atenção.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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