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sexta-feira, 3 de março de 2017

DERRETIMENTO DE FRONTEIRAS: IMPÉRIOS DESMORONAM! ONTEM, HOJE E SEMPRE


Na região de Vindolanda, localizada no norte da Inglaterra e antiga fortaleza romana no país, existe um conjunto de fossas cuja escavação tem se mostrado bastante interessante.

Entre pilhas de fezes e urina, foram achadas centenas de cartas de soldados, escritas sobre pedaços de madeira. A mais antiga data de 90 d.C., portanto contemporânea das batalhas de Agrícola no país.  

A grande maioria dessas correspondências conta o tédio de que padeciam os antigos guerreiros deslocados para a Bretanha.Outras missivas davam notícias de casa, comentavam sobre o tempo ruim, além das centenas delas implorando o envio de cerveja, meias e comida com o tempero de casa. Certamente os soldados atuais, lutando suas batalhas longe de casa, escrevem linhas bastante parecidas com essas.

Por 40 anos, esses soldados guarneceram as fronteiras do império contra os caledônios e suas escaramuças mortais. Porém, cerca de 120 d.C., os soldados lá posicionados passaram labutar na construção de uma murada, cruzando todo o norte da Bretanha: a grande muralha de Adriano – nome do imperador que emitiu tais ordens. Foi o reconhecimento pelos romanos de que não seriam capazes de continuar a expandir seus domínios na região.    

O imperador que primeiro reconheceu as fraquezas que começavam a solapar o império foi Domiciano. Este já vinha retirando tropas de outras regiões e as enviando para reforçar as fronteiras ao longo do rio Reno. As tropas deslocadas da Bretanha eram transferidas para a região do Danúbio, cujas fronteiras desmoronavam. Inicialmente o plano de Domiciano foi um sucesso.

Mas estava claro que muitos obstáculos se avizinhavam. O império sofreria sobremaneira para manter seus domínios.

Entre 11 a.C. e 9 d.C., o imperador Augusto empurrou as fronteiras em direção ao rio Elba – atuais Holanda, parte da República Tcheca e quase toda a Alemanha. Foi uma tremenda conquista, mas os 15 quilômetros de caminhos sinuosos, florestas densas, clima úmido e chuvas incessantes foram pontuados por emboscadas. Uma batalha de 3 dias chegou a vitimar mais de 20 mil soldados romanos.

A vingança romana foi cobrada ao longo de 10 anos de estupros, saques e matanças. Mas os contratempos os fizeram repensar a estratégia para a região. Augusto, pouco antes de morrer, aconselhou a manutenção das fronteiras onde já se encontravam.

E os imperadores seguintes seguiram a recomendação de Augusto, até Cláudio. Este quebrou a sequência de políticas prudentes e resolveu invadir a Bretanha, em 43 d.C. Tais campanhas se estenderam até 80 d.C.
Mas o cenário ficaria ainda pior. Depois de 101 d.C., Trajano decidiu invadir duas regiões: a Romênia atual e o Iraque atual.

Foi Adriano, seu sucessor em 117 d.C., quem pôs um ponto final nesses desvarios.

Embora agindo quase exclusivamente por instinto, os romanos descreviam um modus operandi que seria teorizado pelo grande pensador militar alemão Carl Von Clausewitz, 17 séculos mais tarde: “Até mesmo a vitória tem um ponto culminante. Além desse ponto, a balança oscila e a reação se segue com uma força que comumente é mais forte do que a do ataque original”.

O peso representado por fronteiras vertiginosamente alargadas passou a representar um problema relevante quando os romanos se afastaram do mar. Enquanto próximos do Mediterrâneo, o transporte aquático tinha custos reduzidos e velocidade suficiente para garantir a viabilidade econômica das novas fronteiras. Afinal, transportar 1 tonelada de grãos por 15 quilômetros de estradas em carroças puxadas por bois tinha o mesmo custo que despachar essa mesma carga do Egito à Itália por barcos.   

A partir de dada distância, os custos deixavam de justificar os deslocamentos.

O mesmo ocorreu na China, quando os deslocamentos se afastavam muito dos rios Amarelo e Yang-Tsé.
Por volta do século I d.C., os impérios romano e chinês contavam com aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados cada, com população em quase igual número.

Quando os cavaleiros nômades começaram a perpetrar ataques ao império chinês, algumas medidas semelhantes às fortificações e muralhas romanas na Bretanha foram tomadas.

Os primeiros ataques registrados de nômades são oriundos do império assírio, por volta de 700 a.C. O império em foco contratou, por sua vez, nômades para ajudá-los a se defenderem. Quando esses mercenários nômades tomaram conhecimento do poder de que desfrutavam, passaram a atacar seus contratadores. Em pouco tempo controlavam grandes áreas do império assírio. O historiador grego Heródoto relatou: “A vida virou um caos devido à sua agressão e violência, pois eles cavalgaram por toda parte, levando tudo embora”.

Após esse caos, rebeldes que lutavam contra o governo assírio contrataram esses nômades, que arruinaram completamente o antigo império. Quando a poeira baixou, os rebeldes conseguiram embebedar os líderes nômades e exterminaram os agressores das estepes.

Enfrentar os nômades em seu próprio terreno foi uma das tarefas mais inglórias que os EUA enfrentaram nas últimas décadas. Antes mesmo do ataque às Torres Gêmes, Osama Bin Laden já era um inimigo conhecido de Washington. Desde o final dos anos 1990 era caçado em seus esconderijos afegãos.

No entanto, guerrear contra ele – e seu bando – era um exemplo perfeitamente acabado de uma guerra assimétrica. De um lado, os americanos disparavam seu mísseis, ao custo de 1 milhão de dólares cada; do outro, habitantes das estepes, nômades, que dormiam em tendas de 10 dólares ou em buracos nas montanhas – os vulgos terroristas.

Era o típico exemplo de um império e sua pesada infantaria armada até os dentes, tentando caçar cavaleiros que se deslocavam a uma velocidade estonteante por terrenos que conheciam como a palma de suas mãos.
Temendo ter um fim tão trágico quanto seus antecessores imperiais, os persas se decidiram por uma guerra preventiva: atacar esses nômades de antemão, antes que perpetrassem ataques contra os persas. Mas logo descobriram que aqueles cavaleiros só brigavam quando queriam. Era muito fácil se esconder de soldados a pé em seu próprio terreno.

Quando decidiram enfrentar os persas, os nômades provocaram mais um estrago no antigo império: mataram o rei Ciro. O rei Dario conseguiu sobreviver após um ataque de flechas.

Em 134 a.C., o imperador chinês Wudi queimou todo o superávit que seu império acumulara tentando eliminar os nômades que ameaçavam suas fronteiras. Após 15 anos, o que obteve foi um rotundo fracasso.
A única saída encontrada pelos impérios foi a contenção: construção de enormes muralhas. A Grande Muralha da Chna remonta a 210 a.C., a de Adriano data de 120 d.C. Não impediam a entrada dos inimigos, mas a canalizava para uma entrada específica.

Outra saída contemplada era a propina, o suborno. Partindo-se do fato de que guerras custam dinheiro, pagar subornos abaixo do custo de uma guerra para que Lea não corresse poderia ser interessante. Poupavam-se dinheiro, vidas e aborrecimentos mil.

Pois bem. Como se poderia esperar, a estratégia do suborno ainda esbanja vitalidade. Ao entregar 70 milhões de dólares em dinheiro aos chefes militares do Afeganistão, mais de 2 mil anos depois dos episódios citados, em 2001, a CIA dá provas de que a história não cansa de se repetir, seja como tragédia, seja como farsa, como já dizia titio Marx.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.  


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