Na região de Vindolanda, localizada no norte da Inglaterra e
antiga fortaleza romana no país, existe um conjunto de fossas cuja escavação
tem se mostrado bastante interessante.
Entre pilhas de fezes e urina, foram achadas centenas de
cartas de soldados, escritas sobre pedaços de madeira. A mais antiga data de 90
d.C., portanto contemporânea das batalhas de Agrícola no país.
A grande maioria dessas correspondências conta o tédio de
que padeciam os antigos guerreiros deslocados para a Bretanha.Outras missivas davam
notícias de casa, comentavam sobre o tempo ruim, além das centenas delas
implorando o envio de cerveja, meias e comida com o tempero de casa. Certamente
os soldados atuais, lutando suas batalhas longe de casa, escrevem linhas
bastante parecidas com essas.
Por 40 anos, esses soldados guarneceram as fronteiras do
império contra os caledônios e suas escaramuças mortais. Porém, cerca de 120
d.C., os soldados lá posicionados passaram labutar na construção de uma murada,
cruzando todo o norte da Bretanha: a grande muralha de Adriano – nome do
imperador que emitiu tais ordens. Foi o reconhecimento pelos romanos de que não
seriam capazes de continuar a expandir seus domínios na região.
O imperador que primeiro reconheceu as fraquezas que
começavam a solapar o império foi Domiciano. Este já vinha retirando tropas de
outras regiões e as enviando para reforçar as fronteiras ao longo do rio Reno. As tropas deslocadas da Bretanha eram transferidas para a região do Danúbio,
cujas fronteiras desmoronavam. Inicialmente o plano de Domiciano foi um
sucesso.
Mas estava claro que muitos obstáculos se avizinhavam. O
império sofreria sobremaneira para manter seus domínios.
Entre 11 a.C. e 9 d.C., o imperador Augusto empurrou as
fronteiras em direção ao rio Elba – atuais Holanda, parte da República Tcheca e
quase toda a Alemanha. Foi uma tremenda conquista, mas os 15 quilômetros de
caminhos sinuosos, florestas densas, clima úmido e chuvas incessantes foram
pontuados por emboscadas. Uma batalha de 3 dias chegou a vitimar mais de 20 mil
soldados romanos.
A vingança romana foi cobrada ao longo de 10 anos de
estupros, saques e matanças. Mas os contratempos os fizeram repensar a
estratégia para a região. Augusto, pouco antes de morrer, aconselhou a
manutenção das fronteiras onde já se encontravam.
E os imperadores seguintes seguiram a recomendação de
Augusto, até Cláudio. Este quebrou a sequência de políticas prudentes e
resolveu invadir a Bretanha, em 43 d.C. Tais campanhas se estenderam até 80
d.C.
Mas o cenário ficaria ainda pior. Depois de 101 d.C.,
Trajano decidiu invadir duas regiões: a Romênia atual e o Iraque atual.
Foi Adriano, seu sucessor em 117 d.C., quem pôs um ponto
final nesses desvarios.
Embora agindo quase exclusivamente por instinto, os romanos
descreviam um modus operandi que seria teorizado pelo grande pensador militar
alemão Carl Von Clausewitz, 17 séculos mais tarde: “Até mesmo a vitória tem um
ponto culminante. Além desse ponto, a balança oscila e a reação se segue com
uma força que comumente é mais forte do que a do ataque original”.
O peso representado por fronteiras vertiginosamente alargadas
passou a representar um problema relevante quando os romanos se afastaram do
mar. Enquanto próximos do Mediterrâneo, o transporte aquático tinha custos reduzidos
e velocidade suficiente para garantir a viabilidade econômica das novas fronteiras.
Afinal, transportar 1 tonelada de grãos por 15 quilômetros de estradas em carroças
puxadas por bois tinha o mesmo custo que despachar essa mesma carga do Egito à
Itália por barcos.
A partir de dada distância, os custos deixavam de justificar
os deslocamentos.
O mesmo ocorreu na China, quando os deslocamentos se
afastavam muito dos rios Amarelo e Yang-Tsé.
Por volta do século I d.C., os impérios romano e chinês contavam
com aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados cada, com população em quase
igual número.
Quando os cavaleiros nômades começaram a perpetrar ataques
ao império chinês, algumas medidas semelhantes às fortificações e muralhas
romanas na Bretanha foram tomadas.
Os primeiros ataques registrados de nômades são oriundos do
império assírio, por volta de 700 a.C. O império em foco contratou, por sua
vez, nômades para ajudá-los a se defenderem. Quando esses mercenários nômades
tomaram conhecimento do poder de que desfrutavam, passaram a atacar seus contratadores.
Em pouco tempo controlavam grandes áreas do império assírio. O historiador
grego Heródoto relatou: “A vida virou um caos devido à sua agressão e
violência, pois eles cavalgaram por toda parte, levando tudo embora”.
Após esse caos, rebeldes que lutavam contra o governo
assírio contrataram esses nômades, que arruinaram completamente o antigo
império. Quando a poeira baixou, os rebeldes conseguiram embebedar os líderes
nômades e exterminaram os agressores das estepes.
Enfrentar os nômades em seu próprio terreno foi uma das
tarefas mais inglórias que os EUA enfrentaram nas últimas décadas. Antes mesmo
do ataque às Torres Gêmes, Osama Bin Laden já era um inimigo conhecido de
Washington. Desde o final dos anos 1990 era caçado em seus esconderijos
afegãos.
No entanto, guerrear contra ele – e seu bando – era um
exemplo perfeitamente acabado de uma guerra assimétrica. De um lado, os
americanos disparavam seu mísseis, ao custo de 1 milhão de dólares cada; do
outro, habitantes das estepes, nômades, que dormiam em tendas de 10 dólares ou
em buracos nas montanhas – os vulgos terroristas.
Era o típico exemplo de um império e sua pesada infantaria
armada até os dentes, tentando caçar cavaleiros que se deslocavam a uma
velocidade estonteante por terrenos que conheciam como a palma de suas mãos.
Temendo ter um fim tão trágico quanto seus antecessores
imperiais, os persas se decidiram por uma guerra preventiva: atacar esses
nômades de antemão, antes que perpetrassem ataques contra os persas. Mas logo
descobriram que aqueles cavaleiros só brigavam quando queriam. Era muito fácil
se esconder de soldados a pé em seu próprio terreno.
Quando decidiram enfrentar os persas, os nômades provocaram
mais um estrago no antigo império: mataram o rei Ciro. O rei Dario conseguiu
sobreviver após um ataque de flechas.
Em 134 a.C., o imperador chinês Wudi queimou todo o
superávit que seu império acumulara tentando eliminar os nômades que ameaçavam
suas fronteiras. Após 15 anos, o que obteve foi um rotundo fracasso.
A única saída encontrada pelos impérios foi a contenção:
construção de enormes muralhas. A Grande Muralha da Chna remonta a 210 a.C., a
de Adriano data de 120 d.C. Não impediam a entrada dos inimigos, mas a
canalizava para uma entrada específica.
Outra saída contemplada era a propina, o suborno.
Partindo-se do fato de que guerras custam dinheiro, pagar subornos abaixo do
custo de uma guerra para que Lea não corresse poderia ser interessante. Poupavam-se
dinheiro, vidas e aborrecimentos mil.
Pois bem. Como se poderia esperar, a estratégia do suborno ainda
esbanja vitalidade. Ao entregar 70 milhões de dólares em dinheiro aos chefes
militares do Afeganistão, mais de 2 mil anos depois dos episódios citados, em
2001, a CIA dá provas de que a história não cansa de se repetir, seja como
tragédia, seja como farsa, como já dizia titio Marx.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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