Trechos do livro “Como nascem os monstros”:
“Os policiais militares do Rio de Janeiro têm, em sua
maioria, vários pontos básicos em comum. Vêm de origem humilde, procuram um
emprego que dê certa estabilidade e buscam na profissão, principalmente, o
porte de arma. Se o retirassem, o próximo concurso não teria nem cem
candidatos. Não é porque ele vai se sentir exposto, é porque a arma lhe dá uma
sensação de superioridade, algo que nem todos os homens têm o direito de ter.
Com a arma na cintura, o recruta tem acesso a um mundo que
ele via e do qual queria fazer parte, o mundo dos xerifes. Com ela, resolveria
todos os seus problemas. Se estivese sem dinheiro, arrumaria uma segurança; se
alguém fechasse seu carro, daria uma “pistolada” e acabaria com a marra do
sujeito. Se alguém fumasse maconha perto de sua casa, metia-lhe a arma na cara
e fazia o maconheiro comer o baseado aceso. Se o flanelhinha pertubasse,
levantava a camisa e mostrava a arma. Pronto. Simples. A arma vai para todos os
lugares com o seu dono: padaria, cinema, boate, praia... Afinal, nunca se sabe
onde e quando o aspirante a Dirty Harry terá de reagir.
Esse é uma ótima desculpa, mas a verdade é que o baixo salário,
o nível desprezível da seleção, o descaso das autoridades com relação à qualidade
da tropa que empunha um fuzil nas ruas, tudo isso parece ao recruta
recém-formado a condição de louco alienado. A maioria não tem a menor noção das
responsabilidades e consequências dos seus atos quando sai do CFAP (Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças). A turma de Rafael não teve nem aulas de Direito
Penal.
Quando dá voz de prisão, o PM tem que torcer para o cidadão
não perguntar “por quê?”. A maioria iria engasgar. Manter o PM alienado parece
ser interessante por vários aspectos: enquanto ganhar pouco, ele não tem como
estudar – ficar inteligente não custa só dinheiro, mas também exige tempo. Sem
dinheiro, o policial tem que se desdobrar para fazer segurança. Fazendo
segurança, sobra menos tempo para estudar, para pensar. Com menos tempo para
pensar, menores as chances de questionar.
Questionar, por exemplo, por que o policial militar não tem
direito a uma folga e assistência psicológica automática após se envolver em
uma ação violenta. O ser humano acumula situações de estresse, isso é óbvio;
então, será que o camarada que matou alguém na sexta tem condições de ser posto
na mesma situação no sábado sem correr o risco de virar um psicopata? E o pior,
será que não há ao menos um promotor, juiz ou desembargador que veja essa
problemática e a reconheça?”
(...)
“O estado do Rio de Janeiro está falido e entregue nas mãos
de homens que sugam o quanto podem da sociedade, mascarando sua real intenção,
que é a de sempre se dar bem. Neste momento, o estado vive uma esperança de
melhora, com a criação das UPPs, mas é só aguardar para ver que a coisa não vai
mudar.”
(...)
“Esse soldadinho não lê, não pergunta, não pensa. Só quer
pegar um desses bandidos e matar. Não prender, pois não foi isso que aprendeu,
mas, sim, matar. Esse soldadinho fica só pensando que, quando sair do serviço,
vai botar a pistola na cintura e ir para o pagode ou para o funk, subior para o
camarote e beber um uísque com RedBull. Esse soldadinho não entende que é massa
de manobra de um sistema coverde, que não terá a mínima compaixão se um dia
tiver de julgar seus atos e os motivos que o levaram a tal ação infeliz.”
(...)
“Você é parte da sociedade, indispensável à sua salubridade. Cabe então ao leitor, no
mínimo, se perguntar onde é que está o erro, se interessar pela matéria.
Enquanto isso não ocorrer, continuaremos à mercê dessa polícia confusa e
doente, que não entendeu que já passamso pela ditadura e não precisamos nem
queremos mais militares, e sim policiais! Essa polícia mal paga malvista,
malformada, mal organizada, que negligencia seus comandados e privilegia seus
comandantes.
“Uma polícia medrosa, em que os oficiais, que deveriam zelar
pela tropa, por mero mercantilismo político, sujeitam-se às mais estapafúrdias
determinações, muitas das vezes provenientes de quem não tem o mínimo
conhecimento do serviço policial, jogando assim no vaso sanitário seus anos na
academia D. João VI e seus estrelas.”
Rubem L. de F. Auto
Nenhum comentário:
Postar um comentário