Trechos do livro “Como nascem os monstros”:
“Os celotex (quadros de avisos) dos batalhões sempre tinham
alguma oferta de um policial querendo se desfazer de sua antiga companheira, e
no 6º um anúncio de uma Glock .380 chamou a atenção de Rafael. Ele já tinha
visto o policial que queria vendê-la com ela na cintura, estava novinha, e o
preço de dois mil e quinhentos reais era bem mais em conta do que o preço dela “zero”
na loja de armas: quatro mil. (...)
Rafael passou o dia agitado, ansioso, causando estranheza
até em Gouveia: “Porra, até parece que nunca viu uma arma! Calma que já tá
chegando a hora...”; (...)
Ela veio na caixa, com três carregadores e um municiador,
mais 14 munições. Era linda, perfeita, sem dúvida uma das melhores armas para
se portar. Só quem tem uma sabe! Apesar do calibre .380 deixar muito a desejar,
para as necessidades primárias do soldado estava muito bom, desde que tivesse
sempre a oportunidade de atirar primeiro. Ter uma arma era o diferencial que
faltava, a credencial completa para um novo mundo. Ia à padaria com ela na
cintura, ia ao cinema com ela na cintura, à praia, ao shopping, ao banheiro,
dormia com ela! Montava e desmontava umas dez vezes por dia, examinando com
precisão todos os mecanismos visíveis durante o primeiro e segundo escalão. Quando
tinha que estacionar o carro na rua, descia com ela na mão e ajeitava o coldre
de neoprene na cintura da bermuda, acomodando a belezinha displicentemente ante
a visão do flanelinha que vinha correndo extorqui-lo, demovido imediatamente da
intenção de abordar o motorista ao avistá-lo ajeitando a peça. “Ô, meu chefe,
fica à vontade aí, tá bom? Deixa que eu olho pro senhor aqui, não se preocupe
com nada não...”
Ao entrar no banco, ia até a porta giratória e chamava o
segurança, mostrava-lhe a identidade e dizia baixinho: “Polícia, parceiro! Tô
armado...”, era a senha para a porta destravar e ele passar com sua ferramenta
de trabalho. Ficava esperando por um assalto em que o bandido não percebesse
sua presença e pudesse praticar tiro ao pato. Mas nunca aconteceu. Quando ia a
uma boate, aí era o clímax! Procurava a entrada lateral e falava com o
segurança: “Onde é a cautela, parceiro?” Se o segurança fosse PI ele chamava o
policial responsável (que não deveria estar trabalhando ali na folga, mas fazer
o quê?) e este o conduzia para uma salinha onde era feita a cautela de sua arma
particular. Nenhum policial gosta de entregar sua arma na mão de um estranho,
mesmo sendo colega, mas não é permitido aos agentes de segurança pública do
estado a entrada em casas noturnas com seus armamentos. Isso não impede os bangue-bangues
nas festas, pois os delegados, promotores, policiais federais e outros “seres
iluminati” não são tolhidos pela mesma norma, e não importa qual o cargo que um
homem ocupa, se ele é idiota o suficiente para ir a uma balada e ficar bêbado
com uma arma na cintura, chegará uma hora em que certamente fará uma cagada!
Vide o policial federal que, em famosa boate da Barra da
Tijuca, discutiu com um policial militar, que também se divertia no local, e o
assassinou com cinco tiros de sua pistola 9mm (comprada com o meu dinheiro!).
Estavam no interior da boate e brigaram por motivo banal (mulher, sempre
ela...); então, insatisfeito com a pendenga, e sem disposição para atravessar o
“Mike” (PM)de porrada, o “papa Fox” (PF) meteu a mão e matou seu contendor sem
pena, na frente da irmã do desarmado e indefeso PM. Morreu na mão, com sua arma
na cautela da casa de shows. Não passou no jornal. Também não me lembro de
haver condenação, sequer julgamento do assassino. Agora, pense bem: e se fosse
o contrário? Se um policial militar bêbado e de folga matasse com cinco tiros
um policial federal desarmado dentro de uma casa noturna? 121 duplamente
qualificado, 12 a 30 anos. Acho que iria passar até no Fantástico...”
Rubem L. de F. Auto
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