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terça-feira, 7 de março de 2017

BELEZA AMERICANA – O VELHO VIOLENTOU O NOVO


Um dos episódios mais dramáticos da história foi a quase completa carnificina promovida pelos exploradores europeus, logo que aportaram no continente. Ao menos no que se refere à chegada ocorrida 500 anos atrás.

A superioridade bélica dos europeus era flagrante. No entanto, muitos outros fatores desequilibraram a balança para os estrangeiros. Dentre os mais relevantes, estavam as doenças que trouxeram consigo, desconhecidas e fatais no novo continente, mas inofensivas aos invasores, que afinal eram imunes àquelas velhas conhecidas enfermidades.

O continente americano sofreu sua primeira colonização por seres humanos há uns 15 mil anos, por meio de povos habitantes da Sibéria, dando continuidade aos movimentos migratórios iniciados desde a saída da África.

Depois disso, o contato com o velho mundo foi completamente interrompido. O próximo relato de algo desse gênero data de aproximadamente o ano 1000, quando vikings colonizaram uma região conhecida como Vinland, na América do Norte. Existem relatos também de polinésios, que teriam desembarcado na costa oeste americana. Mas nenhum desses empreendimentos gerou frutos.

Alguns séculos mais tarde, o espanhol Hernán Cortés chegou à região do atual México. Era 1519, e as lembranças que esse episódio imprimiria na memória dos povos ameríndios não se dissipariam mais.
A agricultura no continente havia sido inventada há cerca de 6 mil anos por povos mesoamericanos. Esse cálculo é importante, pois sabemos que a agricultura nos Flancos Montanhosos foi inventada em 7.500 a.C. Se contarmos mais 6 mil anos chegamos a 1.500 a.C., época dos faraós egípcios lutando com carros de guerra e vestidos de armaduras de bronze e manejando arcos. Seria de se esperar que os astecas, maias e incas estivessem no mesmo nível de desenvolvimentos. Mas não estavam.

Os astecas não possuíam carros de guerra nem bronze. Não tinham cavalos, suas armaduras eram à base de algodão e suas proteções de cabeça eram feitas de madeira. Usavam arcos, mas de qualidade muito inferior às das contrapartes do velho mundo. A arma que parecia ser mais efetiva era uma barra de carvalho pontuada com pedaços de obsidiana (vidro vulcânico bastante afiado). Portanto, vê-se, havia um abismo entre as técnicas de guerra desenvolvidas naqueles dois mundos.   

Algumas limitações eram circunstanciais. Não havia carros de guerra porque os cavalos selvagens haviam sido extintos do continente por volta de 12 mil a.C. Crê-se inclusive que tal extinção tenha sido uma das peripécias dos humanos recém chegados.     

Quanto à ausência de armamentos de metais, que se pudesse comparar com aqueles produzidos no velho mundo, torna-se ainda mais estranho quando admiramos os lindos ornamentos de ouro enterrados com as autoridades locais. Os experimentos de metais mais antigos datam de 1.000 a.C., com ouro. Mas nunca experimentaram misturar diferentes metais e produzir ligas, com cobre, por exemplo.

O arco e a flecha, que já existiam 60 mil anos atrás, na África, também existiam aqui em uma versão bastante rústica. Os humanos que fizeram a travessia pela Sibéria não os trouxeram e ninguém aqui os reinventou. Os primeiros sinais dessa arma datam de 2.300 a.C. – achada no Alasca. Foram trazidas por uma nova leva de migrantes, que disseminaram a invenção pela América do Norte, mas a um ritmo muito sonolento. Quando Cortés desembarcou, os astecas só conheciam o arco e a flecha há quatro séculos. Certamente achou o que viu bastante ridículo.

Tal cenário leva à falsa conclusão de que a ausência de conflitos teria levado ao baixo desenvolvimento bélico. Logo que a escrita maia foi decifrada, abundaram relatos de guerras infindáveis. Era um dos principais assuntos abordados por aquele povo.

Novas teorias surgiram, mas o cientista Jared Diamond chegou a uma conclusão bastante plausível. Segundo ele, a disposição do continente americano segue uma linha norte-sul ao longo do globo terrestre; a Eurásia, por sua vez, segue uma disposição leste-oeste. Portanto, na Eurásia, as pessoas se moviam ao longo de longitudes, mantendo-se mais ou menos na mesma latitude, o que as submetia a menores variações climáticas. As pessoas podiam se deslocar por grandes distâncias, sem deixar as latitudes afortunadas.

Os povos americanos não tinham a mesma possibilidade, pois seu deslocamento implicaria cruzar biomas diversos, incluindo desertos e florestas densas. A conseqüência disso era um maior isolamento dos povos do continente, limitando o intercâmbio de culturas, idéias e mercadorias.

As armas em bronze, por exemplo, foram produzidas por ferreiros que dispunham de um mercado bem mais extenso, levando-os a criar e inovar com mais afinco. Se a invenção fosse positiva, sua adoção se disseminaria de maneira mais efetiva. As armas de bronze se espalharam da China à Inglaterra em apenas 1.500 anos.   

Já o progresso observado desde a invenção da agricultura até a criação das primeiras cidades e governos seguiu um ritmo parecido com o da Eurásia. No Oriente Médio, foram necessários cerca de 4 mil anos até que a agricultura desembocasse nas primeiras civilizações. Na América, esse caminho foi trilhado ao longo de 4.500 anos – até que surgisse Teotihuacán, por volta de 100 a.C. Essa cidade foi destruída em 650 d.C.

O primeiro grande reino da América pré-colombiana surgiu no século X. Sua capital era Tollán e foi fundada pelos toltecas. Foi destruída em 1179 d.C.

A partir daí, seguiu-se uma série de guerras envolvendo reinos mesoamericanos. Esse período chegou ao fim quando astecas, no século XV, chegaram à região.

Esses últimos criaram o maior império da Mesoamérica. Contando com uma população total de 4 milhões de pessoas, a capital Tenochtitlán tinha 200 mil pessoas. Trouxeram desenvolvimento para a agricultura, abriram redes de comércio bastante extensas, que trouxeram afluxo de riquezas para as famílias.

Interessante perceber que a chegada dos cavalos, introduzidos pelos europeus no século XVIII, nas grandes planícies da América do Norte, índios comanches montaram uma espécie de império nômade, bastante similar ao que os mongóis criaram na Eurásia. Portanto a história poderia ter se repetido aqui como ocorreu em outras paragens talvez nas estepes da Argentina, também.

A imensa capacidade bélica desenvolvida pelos eurasianos se deu ao longo de mais de 10 mil anos de história. Mas após a queda do império romano e até o século XV essa vantagem foi se reduzindo. Séculos de Idade das Trevas deram o tempo necessário para que outros povos, em outros continentes, realizassem progresso comparável. Mas o tempo que seria necessário não foi concedido, por iniciativa dos portugueses.

No verão de 1415, uma frota deixara Lisboa para trás e se diria ao Marrocos. O alvo dos ataques pretendidos era a cidade de Ceuta. Ao fim do conflito, milhares de africanos restavam mortos, ao passo que apenas 8 portugueses tiveram igual destino. Essa foi a primeira intercontinental vivida pelos europeus, após a queda de Roma.

E mais. O rei João II tinha planos ambiciosos de expansão do reino português. Um primeiro passo de um projeto que somaria muitas outras nações, ao longo dos 5 séculos seguintes.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.   

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