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sexta-feira, 31 de março de 2017

GOLPE DE 1964: OS ENVOLVIDOS


Jânio fora eleito, em outubro de 1960, com um discurso ambíguo, articulando um leque de forças: oligarcas liberais, classes médias, amplos contingentes de trabalhadores. Estavam todos, por diferentes razões, descontentes com os rumos da sociedade. A euforia provocada pelo crescimento da segunda metade dos anos 50, que de fato abrira amplos horizontes, cedera lugar à apreensão face às contradições que se acumulavam.

Os 50 anos em 5 de JK conservaram algumas heranças essenciais dos tempos varguistas: o intervencionismo estatal, os pesados investimentos em infra-estrutura (Planos de Metas) e a incorporação dos trabalhadores (afrouxamento da tutela ministerial sobre o movimento sindical e gestão associada da Previdência Social).

Não por acaso fora possível manter de pé a aliança articulada por Getúlio Vargas entre o Partido Social-Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o apoio, nas margens, dos próprios comunistas.

O ritmo de crescimento diminuíra, crescera a inflação, intensificara-se o cortejo de desajustes próprios de épocas de transformações aceleradas.

Desgastaram-se as forças e os partidos que haviam até então comandado o país.

Jânio, líder carismático por excelência, soube encarnar esses anseios pelo “novo”, tão próprios da cultura política brasileira. Com uma vassoura, símbolo da campanha eleitoral, saberia “varrer” as dificuldades e os problemas. Elegendo-se com quase 6 milhões de votos (cerca de 48% do total dos votantes), assumiu o poder com força considerável, alimentando as expectativas de um “novo começo”.

Mas o novo governo decepcionou muito. A política econômica, na linha da ortodoxia monetarista, desagradava o setor industrial acostumado ao crédito fácil, sem conseguir segurar a inflação. A política externa independente irritava os setores conservadores sem angariar os apoios das esquerdas, desprezadas por Jânio.

Quanto aos trabalhadores, frente à inflação crescente, recebiam promessas de austeridade... Enquanto isso, as reformas vagamente anunciadas e tão desejadas não se concretizavam.

O presidente parecia apostar apenas no diálogo direto com a sociedade, exercitando seu inegável carisma. Reclamava de restrições e alegava carecer de plenos poderes. Renunciou em agosto de 1961, provavelmente planejando criar uma comoção social tal que, ao fim, entregaria a ele tais poderes supremos.
Seja como for, seu plano foi pessimamente executado. O país esteve à beira de uma guerra civil por quase duas semanas.

Depois de uma crise política, orquestrada pelos ministros militares que queriam impedir a posse do vice, João Goulart, do PTB, que foi enfrentada por movimentos de resistência, encabeçados por Leonel Brizola, houve um acordo que permitiu a posse de Jango em 7 de setembro de 1961. O varguismo estava de volta, a plenos pulmões.

Nesse caldeirão foi gestado o programa das Reformas de Base.

A reforma agrária, que pretendia criar uma classe média rural de pequenos proprietários de terras; a reforma urbana, para planejar o crescimento das cidades; a reforma bancária, objetivando verter capitais para as reais necessidades de investimentos nacionais; a reforma tributária, que pretendia reduzir o papel dos tributos indiretos e aumentar o dos diretos, especialmente o imposto de renda progressivo; reforma eleitoral, que garantiu o voto dos analfabetos, na época metade da população adulta.

Além dessas, a reforma do estatuto do capital estrangeiro, que pretendia disciplinar os investimentos estrangeiros no país, além de olhar com mais cuidado para a questão das remessas de lucros para o exterior. A reforma universitária almejava a fazer com que o ensino e a pesquisa fossem mais focadas nos problemas do país.

Apesar de tantos plenos de progresso, as eleições de 1962 se mostraram um banho de água fria, pois as forças oposicionistas demonstraram um apetite enorme, abocanhando grande parte da Câmara e do Senado. No Congresso, PSD e UDN perfilavam ampla maioria conservadora.

O mesmo se deu nos cargos de governador. Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Estado da Guanabara exibiam grandes lideranças conservadoras nos seus postos máximos.

Como se sabe, o acordo que garantiu a posse de Jango passou pela restrição dos poderes presidenciais, criando-se um exótico parlamentarismo híbrido, típico das insanas confusões de conceitos que não conseguem impregnar a parca inteligência de nossos líderes. Após as alterações propostas, tinha-se um presidente e um parlamento igualmente fracos.

Pois bem, a redução da base de apoio ao presidente levou à necessidade de se restabelecer o poder presidencial. O plebiscito, já previsto quando dos acordos de 1961, foi antecipado para janeiro de 1963. Jango ganhou com ampla margem, porém deve-se ter em mente que a própria oposição estava preocupada com as eleições gerais seguintes. Também não lhes interessava manter o “parlamentarismo tupiniquim” por mais tempo.

Três meses depois, o Plano Trienal de Celso Furtado foi abortado. No fim do primeiro semestre de 1963 as reformas todas estavam atoladas.

O país estava dividido.

De um lado: trabalhadores urbanos e rurais, estudantes de universidades públicas e muitos graduados de escolas militares. Do outro: elites tradicionais, grupos empresariais. Além destes, nasceu uma “frente social”: grande parte da classe média e até setores populares: pequenos proprietários, profissionais liberais, homens engravatados, empregados do “colarinho branco” (ocupantes de cargos elevados), oficiais militares, professores e estudantes, jornalistas, trabalhadores autônomos.

Estes últimos eram, em geral, pessoas que se enriqueceram no período de maisop dinamismo econômico. Tudo o que temiam era a perda do patrimônio que amealharam. E o ambiente confuso da época criava temores, especialmente face a uma política distributiva realmente profunda.

Tornava-se assim muito cômodo incutir medo de uma eventual derrocada da civilização ocidental e cristã pelo espectro do comunismo ateu... Recorde-se igualmente da conjuntura internacional da guerra fria. Não se olvide do sucesso contemporâneo dos “barbudinhos da ilha caribenha”...

De fato, o acirramento dos ânimos levou diversas lideranças sociais a abandonarem os movimentos legalistas, nascidos da necessidade de garantir a posse de Jango, para uma linha revolucionária e armada.
O fato acima citado levou a uma interessante reação daqueles que eram, até então, os reacionários do dia. Frente à radicalização das esquerdas, as direitas adotaram um tom legalista, constitucionalista, seus discursos clamavam por ordem e razoabilidade. A religião também era usada como mote em seus discursos.
Mas o bote estava armado – ou se armando progressivamente -, aguardando o momento ideal.

E ele chegou: março de 1964.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”

GOLPE DE 1964: PRECEDENTES


A vitória do movimento civil-militar que derrubou João Goulart em abril de 1964 desferiu um golpe no projeto político nacional-estatista que o líder trabalhista encarnava e encerrou a experiência republicana iniciada com o fim do Estado Novo, em 1945.

Mas não foi um raio que desceu de um céu azul. Ao contrário, resultou de uma conjunção complexa de condições, de ações e de processos, cuja compreensão permite elucidar o que deixou então surpresos e perplexos não apenas os vencidos, mas também os próprios vencedores.

Desde a 2ª Revolução Industrial, de fins do século XIX, frente às grandes potências capitalistas, colocou-se para uma série de sociedades o desafio de construir uma inserção autônoma no mercado capitalista internacional.

A I Guerra e as convulsões subseqüentes dos críticos anos 20 e 30 (emergência da revolução russa, surgimento dos fascismos, crise geral das economias liberais) abriram brechas nesses laços de dependência, permitindo a estruturação de projetos autonomistas, assumindo, quase sempre, um caráter nacional-estatista. A proposta republicana de Sun Yat-sem na China, a modernização da Turquia, liderada por Mustapha Kemal, o Partido do Congresso da Índia, o nacionalismo mexicano de Ernesto Cardenas, o Estado Novo varguista tinham esse sentido: explorar os espaços criados pelo enfraquecimento das potências, ou/e rivalidade entre elas, para lograr margens de autonomia.

Essas diferentes iniciativas esboçaram o projeto ambicioso de construir um desenvolvimento nacional autônomo no contexto do capitalismo internacional, baseado nos seguintes elementos principais: um Estado fortalecido e intervencionista; um planejamento mais ou menos centralizado; um movimento, ou um partido nacional, congregando as diferentes classes em torno de uma ideologia nacional e de lideranças carismáticas, baseadas em uma íntima associação, não apenas imposta, mas também concertada, entre Estado, patrões e trabalhadores. Era aí disseminada a crítica aos princípios do capitalismo liberal e à liberdade irrestrita dos capitais.

Em oposição, defendia-se a lógica dos interesses nacionais e da justiça social, que um Estado intervencionista e regulador trataria de garantir.

No transcurso da II Guerra Mundial, as circunstâncias obrigariam as grandes potências a se conciliarem com esses projetos, que tiveram então um de seus melhores momentos para solicitar auxílios diversos, barganhas apoios e exercer margens de soberania.

As potências européias aliadas estavam fragilizadas para manter suas colônias. Em muitas regiões, o crescimento dos movimentos de libertação nacional, articulado com o próprio programa político de Grande Aliança contra o nazi-fascismo, comprometido com a democracia e autodeterminação dos povos, conduziu à aceitação ou ao reconhecimento da independência política de uma série de povos: Filipinas (1946), Índia e Paquistão (1947), Birmânia e Ceilão (1948), Indonésia (1949). Em alguns casos, a reação das velhas potências coloniais, ou disputas ideológicas acirradas, retardariam ou imporiam limitações ou partilhas à independência nacional, como nos casos do Vietnã e da Coréia.

Na África negra, a partir da segunda metade dos anos 50 registraram-se os primeiros êxitos significativos (por exemplo, a independência de Ghana, em 1957) do que viria ser uma grande onda de independências.
Na América Latina, entretanto, as coisas tomaram outros rumos. Em virtude da maior presença – política e econômica – dos EUA, do pouco peso exercido pela URSS, das opções definidas pela maior parte das elites dominantes da área e de certas tradições culturais, os projetos autonomistas construídos com algum êxito até 1945 tenderam a perder fôlego e vigor, definharam, entraram em crise.

Houve resistências, sem dúvida.

O peronismo na Argentina, a revolução boliviana, o aprismo no Peru, o movimento democrático-popular na Venezuela, o nacionalismo mexicano, o varguismo e o trabalhismo no Brasil, além de uma série de movimentos e experimentos na América Central, como o liderado por J. Arbenz na Guatemala, atestam a força acumulada e as raízes sociais e históricas, em nosso continente, do programa nacional-estatista, em luta pela conquista da autonomia.

Entretanto, a proposta de um desenvolvimento dependente e associado aos capitais internacionais tendeu a ganhar força, sobretudo nos anos 50, quando novas reestruturações da divisão internacional do continente – Brasil, Argentina, México – estabelecer políticas de atração e incentivos aos capitais internacionais e dispor de condições para empreender surtos industrializantes.

O enfrentamento entre Cuba e os poderosos Estados Unidos da America, a sobrevivência da revolução cubana em meio a pressões de toda ordem, empolgava as correntes nacionalistas, que se reconheciam como parte de “nuestra America”, um sonho de José Martí que muito se assemelhava, nas condições específicas da América Latina, ao “espírito” afro-asiático formulado em Bandung (local da Conferência para os povos do terceiro mundo).

O passo seguinte foi a interferência de Washington no processo político brasileiro, de modo a afastar qualquer vã possibilidade de contaminação pelo espírito livre e democrático que levou à Revolução cubana, ou qualquer outra que pudesse lembrar, ainda que distantemente, desvarios independentistas.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”

quinta-feira, 30 de março de 2017

JULIO CÉSAR: VAMOS FAZER UM IMPÉRIO?


A história da humanidade elenca diversos generais que realizaram conquistas de tirar o fôlego. Vitórias conquistadas devido a grandes estratégias, táticas surpreendentes ou, por vezes, decorrentes de uma ambição desmedida.

Pode-se lembrar de três, dentre os mais importantes: Haníbal, Alexandre e Júlio César.

Haníbal foi o mais brilhante tático de batalhas. Seu triunfo em Cannae, no qual realizou um duplo círculo em torno de seu inimigo, mesmo contando com um exército menos numeroso. Seu feito foi de tal magnitude que apenas Khalid ibn AL-Walid conseguiu repeti-lo, mais de mil anos depois.

Alexandre, o Grande, foi o maior mobilizador de mão de obra e de tropas em campo. Conseguia reunia dinheiro e soldados, sem limites, por meio do culto à sua personalidade, que criava força de devotada.
Mas o maior de todos foi Júlio César. Ele transformava vitórias em sucesso estratégico de longo prazo. Ele venceu virtualmente todas as batalhas que lutou. Ele personificou o auge dos poderes militar e político. Seu sobrenome, César (ou Caesar, em latim), era bastante comum no seu tempo e não trazia qualquer significado especial. Postumamente, contudo, tornou-se sinônimo de “rei” ou “imperador” (Kaiser, em alemão; Czar, em russo; Qaysar em árabe; Sezer em turco).

Ao romper com o escandaloso e falido poder dos nobres, César deu ao Estado romano – o qual trazia consigo a civilização Greco-Romana – uma sobrevida de mais de 600 anos no Oriente, e 400 anos no Ocidente. Ele estendeu os limites do Império, ao norte, até a Grã Bretanha; ao sul, até o Egito. César expulsou a oligarquia romana e a substituiu por uma autocracia.
Suas vitórias em batalha foram transformadas em expansão política e por um governo permanente que resistiu por séculos após sua morte.
Ele ganhou devoção política em função de suas habilidades na administração, no generalato e na propaganda.
A pesar de seus sucessos militares, César não começou sua carreira nas legiões. Essa fase ocorreu bem mais tarde, mais como resultado de suas ambições e lealdade a Roma. Ele começou no mundo do Direito. César conquistou sua reputação como um talentoso promotor de justiça, que usava suas habilidades retóricas para levar à condenação judicial administradores corruptos. Essa função obrigava a viagens intensas, o que era perigoso, especialmente nas áreas mais periféricas.

Em tal jornada, César foi seqüestrado por piratas quando atravessava o mar Egeu. Quando os seqüestradores exigiram um resgate de 20 talentos de prata, ele pediu que o valor fosse elevado a 50, pois seria mais condizente com sua posição social.

Já planejando sua vingança, prometeu aos piratas que, logo após fosse libertado, retornaria e os crucificaria pessoalmente. Os piratas, naturalmente, duvidaram.

Logo após sua libertação, César liderou uma frota que os perseguiu, capturou e os prendeu. Morreram conforme César havia jurado.

Sua carreira militar teve início em 69 a.C., quando se tornou tribuno na Espanha. Mais tarde, César sofreu uma crise existencial, logo após divisar um estátua de Alexandre, o Grande. César tinha pouco mais de 30 anos. Plutarco conta a cena marcante com as seguintes palavras: “É vergonhoso o fato de que Alexandre, com a minha idade, já era rei de tantos povos, ao passo que eu não obtive qualquer brilhantismo.”

Esse momento lhe rendeu forças para se lançar e direção às fileiras do exército. Logo obteve o cargo de procônsul e ganhou o comando de uma grande expedição militar nas Guerras Gálicas, que completava 8 anos de renhidas disputas contra tribos Gálicas, iniciadas em 58 a.C.

O propósito prático da missão era promover a carreira militar de César e perdoar suas dívidas, já em valores impagáveis.

Ao lado de suas habilidades de liderança, César poderia adquirir poder devido a seu talento em oratória. César era um orador público de grande talento, fazendo concorrência até mesmo a Cícero. Todos os discursos e textos de César, tanto os recuperados quanto os perdidos, tinham propósitos políticos. Sua oratória foi exibida até mesmo no funeral de sua esposa, com fins políticos.

A despeito de sua intenção política, seus discursos eram grandes obras literárias.

Impressionavam sua fortaleza intelectual e física. César poderia liderar um exército em batalha e ainda escrever um romance histórico no qual detalhava os acontecimentos. Ele escreveu seus livros sobre as guerras gálicas – Comentarii de Bello Gallico –, publicado em 51 a.C. enquanto apaziguava rebeliões nos estertores da guerra.

O final das guerras Gálicas marcou o fim do Primeiro Triunvirato, uma conflituosa aliança política entre políticos romanos bastante poderosos: Marcus Licinius Crassus; Pompeu, o Grande, líder do Senado; e o próprio Júlio César.

Crassus morreu em batalha. Pompeu se aliou à oposição a César. Pompeu ordenou que César retornasse a Roma em 50 a.C., devido ao termo final de seu mandato como governador. César sabia que seria processado caso deixasse a imunidade garantida pelo cargo.

Na mais famosa passagem e sua carreira, que inclusive se tornou clichê para situações irreversíveis, César atravessou o rio Rubicão com sua legião, composta por 5 mil soldados. Assim que pisou nos bancos de areia do rio, soltou o grito: “O dado está lançado” – ou “A sorte está lançada”.

Foi o início retumbante da Guerra Civil de César - 49-45 a.C. Pompeu fugiu para o sul logo que César foi declarado ditador, apesar das tropas mais numerosas do lado inimigo.

César perseguiu Pompeu pela Europa, até o Egito. Neste local Pompeu foi entregue aos braços da morte. Foi assassinado pelos conselheiros do rei Ptolomeu XIII.

Gaius Julius Caesar foi ditador por mais de 10 anos. Foi declarado Dictator Perpetuo em 45 a.C.
Nesse período, César centralizou o governo, visando à redução de movimentos de resistência nas províncias, reduziu a corrupção e homogeneizou o império, desde Roma até as periferias. Nas leis tratavam de tudo: dívidas, tempo de mandato dos governantes e compras de grãos. Trocou o calendário lunar por um solar, o Calendário Juliano. Cartago e Corinto foram reconstruídas. O Senado o nomeou censor por toda a vida e pai dos pais.

Quando de seu retorno, César assistiu a jogos que envolviam disputas de gladiadores, uma batalha naval encenada num alagado do Campo de Marte, caçadas a betas, envolvendo 400 leões e milhares de presos lutando até a morte no Circus Maximus.

Seu império durou mais de 400 anos no seu formato unificado; e 14 séculos, se considerado o Império Bizantino.

E imaginar que tudo isso foi iniciado por uma crise existencial...

   
Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “As maiores civilizações da história”

LONGINO – O HOMEM QUE ASSASSINOU JESUS E SEU ARREPENDIMENTO


Aquele que passou à história com o nome de Longino, na verdade nas céu Gaio Cássio, siciliano de Taormina, atual ilha na Itália.

Face às dificuldades econômicas, que se avolumavam, buscou nas fileiras do exército romano uma chance de superar os obstáculos, atitude comum entre os jovens da época. Mas havia um problema que poderia se tornar empecilho: nascera com um problema de visão – alguns historiadores pensam que poderia ter sido catarata, ou miopia. O rigoroso processo de seleção prometia rejeitá-lo.

No entanto, seu pai tinha bons contatos junto ao Senado romano, o que ajudou na sua conscrição. Apesar dos problemas de visão, Longino media quase 1,80 metros de altura, porte físico que pesava a seu favor.
Serviu nas Legiões por sete anos, findo os quais estava, assim como quaisquer outros soldados, estava desgastado e precocemente envelhecido. Por tradição, após esse período o soldo dos soldados romanos era mantido no mesmo patamar e este era removido para outras funções, menos desgastante. Com Longino, não foi diferente.

Deslocado para a Galiléia, assumiu o comando de uma guarnição local. Longino era agora um orgulhoso Centurião romano. Tinha 28 anos.

O procônsul daquela Província romana chamava-se Pôncio Pilatos, e este destacou o jovem centurião para que acompanhasse atentamente as atividades de um homem que vinha se auto-intitulando rei dos Judeus, Jesus Cristo. Desde então suas atividades se desenvolveram de uma maneira muito particular, levando-o a trilhar caminhos imprevisíveis até então.

Após a condenação e crucificação do homem que fora encarregado de investigar, Longino soube que Anás, o velho conselheiro do Sinédrio, e Caifás, o sumo sacerdote, estavam decididos a mutilar o corpo de Cristo. Pretendiam com isso demonstrar à multidão que Jesus não era o Messias.

Longino também teve a oportunidade de acompanhar o que se fazia com os corpos dos dois criminosos crucificados aos lado de Jesus: os fariseus destroçavam os corpos de Dimas e Gestas. Longino ficou aterrorizado com o açougue humano que testemunhava.

Sensibilizado também com a resignação com a qual Jesus aceitava seu cruel destino, Longino resolveu-se por proteger o corpo do homem de Nazaré. Trotou seu cavalo em direção ao corpo ainda dependurado numa cruz, cravou perfurou com sua lança o espaço entre a quarta e a quinta costela de Jesus. Embora soe cruel despropositado hoje, essa era a maneira como os soldados mostravam que um corpo já se encontrava sem vida: se, após perfurado, não escorresse sangue, então o sujeito estava definitivamente morto, pois em mortos não circula sangue.

Contudo, naquele caso, isso não correu. Após furado, escorreu sangue a água.

O centurião, espantado com o jorrar do líquido do interior de um suposto cadáver, levou-o a descansar sua lança e limpar imediatamente o corpo que havia perfurado.

Supõe-se que Longino conhecesse algumas passagens bíblicas proféticas, como a de Isaías, que predissera: “nenhum de seus ossos será quebrado”. Segundo Ezequiel: “verão aquele que trespassaram”. Ao cotejar famosas passagens bíblicas com a cena que se desenrolava à sua frente, Longino teria dito: Esse é verdadeiramente o Filho de Deus!”

Mais do que isso. O jovem centurião passou a ser ver como parte integrante da profecia, como uma ferramenta a serviço da história que, necessariamente, deveria acontecer.

Findo a crucificação dos “criminosos”, Longino apresentou seu relatório ao procônsul e recebeu como recompensa um período de descanso.

Porém, no dia seguinte à Via Crucis, Longino amanheceu ardendo em febre, não conseguindo sequer sair da cama. Após ser socorrido por um amigo, Yossef, Longino foi levado ao médico, que lhe receitou quatro dias de repouso. Aproveitou para solicitar, ao que foi atendido, 60 dias de licença para que voltasse à sua terra natal.

Certo dia, lembrando-se dos acontecimentos que tanto o marcaram, teria se ajoelhado, mirando o céu, e orado a Deus, Todo Poderoso. Foi o momento de sua conversão ao cristianismo.

Passo seguinte, abandonou a Legião romana e passou a se dedicar integralmente à propagação das palavras de Jesus – algo bastante incomum naquela altura, ainda.

Evidentemente, aceitar o homem que cravou uma lança no abdômen de seu Mestre não é algo que abra caminhos gloriosos junto aos fiéis. Longino foi canonizado pela Igreja Católica tornando o ato de espetar a lança algo sagrado – e seu ato se tornou profético, em face do que já pregavam as Escrituras.

Longino se tornou desertor do exército romano. O castigo para tal crime era a pena de morte. Para piorar seus perspectivas de vida no Império, Longino retornou à Terra Santa, onde se juntou aos demais pregadores. Não custa lembrar que o governante local ainda era Pôncio Pilatos. Segundo São Gregório Nisseno, que escreveu no século IV, a área de atuação do novo cristão era a atual Capadócia – à época, Cesaréia.

Pilatos, em retaliação, mandou executar Longino da maneira mais cruel e recorrente então: decapitação. Após, sua cabeça foi transportada para Jerusalém como troféu – e recado aos demais como ele, claro. Além disso, sua língua foi cortada e seus dentes, arrancados um a um.

A crueldade acima é contada na história de Longino, mas alguns suspeitam que foi bastante exagerada, com o intento de tornar o ambiente de canonização de Longino algo heróico e merecido. Assim teria surgido São Longino, cujo dia de devoção é 15 de julho.

Mas os relatos mais confiáveis falam que Longino, de fato, sofreu muito em seus últimos dias. Os soldados romanos e torturaram intensamente, em razão de seu crime de deserção, mas também pelas pregações religiosas, que destoavam completamente da mitologia romana, religião oficial do Império.

A intolerância e o fanatismo já vitimaram quantos como Gaio Cássio Longino ao longo da história?


Rubem L. de F. auto


Fonte: livro “As maiores civilizações da história” 

quarta-feira, 29 de março de 2017

FRANCIS BURTON: O AVENTUREIRO E SUAS ANDANÇAS


Sob o calor escaldante do verão árabe, Al-Haj Abdullah viajava pela poeirenta estrada que leva a Meca planejando cumprir seu peregrinação islâmica. Seguia confortavelmente, no lombo de um camelo, ao contrário de seus dois ajudantes, que seguiam a pé. Era julho de 1853.

Contudo, o senhor Al-Haj Abdullah não era exatamente quem se dizia ser. A camada mais profunda de sua boneca Matryoshka de personalidades se chamava Richard Francis Burton, um militar britânico, especialista em línguas e em armas, e um dos maiores viajantes globais do século dezenove.

Burton foi um cônsul britânico, Orientalista, explorador e linguista, melhor reconhecido por traduzir os clássicos “Arabian Nights” e “Kama Sutra” para o inglês. Ele descobriu a nascente do rio Nilo ao lado do seu parceiro John Hanning Speke.

Ao todo, Burton publicou aproximadamente 50 livros, que falavam de lingüística, etnologia, poesia, geografia, esgrima e narrativas de viagens, a história das espadas e gramática de tribos amazônicas. Falava 29 línguas, incluindo grego, árabe, persa, islandês, turco, swahili, hindu, além de várias outras européias, asiáticas e africanas.

Grande parte dessas obras foram escritas enquanto ocupava postos desinteressantes na África e na América do Sul.

Burton alistou-se na Companhia das Índias Orientais em 1842, quando a primeira guerra no Afeganistão ainda estava em curso. Após se juntar à expedição Sindh em 1843, adquiriu permissão para se livremente por terras muçulmanas na Índia, onde aprendeu muitas línguas locais.

Voltou à Europa desapontado por ter adoecido, razão para seu retorno forçado. Consigo, levou manuscritos e objetos orientais. Isso tudo formou as bases de cinco livros sobre a Índia, publicados nos três anos seguintes.

Desejando realizar a peregrinação a Meca, Burton se juntou a um grupo de muçulmanos do Egito e tomou todas as precauções para assimilar as características que lhe permitiriam passar despercebido. Fez até mesmo uma circuncisão, visando reduzir os riscos que corria.

Sua aventura foi um sucesso. Recebeu a honraria de poder ser chamado de “hajji” e permis~~ao de vestir o turbante verde, reservado aos que completam a jornada. Após, Burton publicou seus contos pessoais “A Personal Narrative os a Pilgrimage to Al-Medinah and Meccah” em 1855.

Em 1854, Burton retornou ao Cairo, vindo de Meca, e velejou à Índia planejando ser readmitido e seu regimento. Após, pediu permissão para explorar o interior da Somália. Esta expedição foi apoiada pela Sociedade Real Geográfica, pois visava à descoberta de grandes lagos no interior da África, os quais nômades árabes diziam já terem visto.

Entretanto essa expedição foi considerada um fracasso. Em razão de um conflito com tribos com as quais cruzou, foi instaurada uma investigação procurando avaliar a culpa pela ocorrência. Foi considerado inocente, mas descreveu a provação a que foi submetido em seu livro “First Footsteps in East Africa”, de 1856.

As partes superiores do Nilo era um segredo para os velhos gregos e romanos desde a descrição que Heródoto fez daquele rio, em sua obra “Histórias”. Todas as expedições para a descoberta de sua nascente terminaram em fracasso. Nenhuma expedição européia conseguiu alcançar o local, e a informação mais recente sobre sua localização ainda era aquela descrita na obra de Ptolomeu, velha de 2 mil anos.

Em 1857, Burton se juntou novamente a Speke em uma expedição à África Central , procurando vitória onde existia apenas uma coleção de derrotas. Em fevereiro de 1858, chegaram ao Lago Tanganyika, o maior dos lagos da África Central. No entanto, estudando suas características hidrológicas e localização, descartou-se que fosse a nascente do rio Nilo.

Depois disso, Burton mudou de carreira. Dois meses após seu casamento com Isabel Arundell, aristocrata de apenas 19 anos de idade, Burton entrou no serviço diplomático como cônsul em Fernando Po, uma ilha 20 milhas afastada fora da costa africana, atualmente Guiné Equatorial. Burton viajou para fora de sua jurisdição, em direção à África interior, nas horas de folga.

Nessa ocasião, tornou-se o primeiro europeu a escalar as Montanhas Camarões e subir o rio Congo, até lugares bastante distantes como as Quedas Yellala. Chegou até a visitar a colônia francesa do Gabão e lá capturar um gorila.

Em 1865, foi transferido para Santos, no Brasil, com Isabel. Visitou minas de ouro e diamante do interior do Brasil e retornou ao litoral realizando uma insólita viagem pelo rio São Francisco. Além disso, cruzou os Andes até o Peru, Chile e Estreito de Magalhães.

Outra expedição o levou até os campos ensanguentados da Guerra do Paraguai. Escreveu dois livros durante esta estadia diplomática: Explorations os the Highlands os the Brazil (1869) e Letters from the Battlefields os Paraguay (1870).

O Foreign Service britânico o nomeou cônsul em Damasco quatro anos depois. Burton liderou escavações arqueológicas com afamados cientistas  Charles Tyrwhitt-Drake e Edward Hnery Palmer. Desencavaram as mais antigas antiguidades Hititas (civilização bastante antiga).

A partir de 1880, Burton concluiu que não tinha mais idade e saúde para continuar embarcando em aventuras que beiravam a insanidade. Resolveu expor tudo em livros. Ao longo dos anos, Burton acumulou pilhas de manuscritos em diversas línguas.

Também publicou um ambicioso projeto em 10 volumes, traduzindo poemas de Luís Vaz de Camões, um poeta português do século 16. OS poemas épicos são uma abordagem romântica às descobertas portuguesas nas Índias. Ele preservou a métrica, retórica, estilo e linguagem arcaica com grande precisão. O segundo grande trabalho de Burton foi The Book os the Sword.

Escreveu, na sequência, as traduções de Kama Sutra, The Arabian Nights e The Perfumed Garden os the Shaykh Nefzawi. Sua tradução em 10 volumes de Arabian Nights sumia das livrarias britânicas. Rendeu ao autor lucros de 10 mil libras – algo em torno de 1,8 milhão de dólares hoje.  

Morreu em 1891, aos 70 anos.

As lições de Burton para quem deseja alcançar um alto grau de produtividade são as de uma pessoa que procurava tirar proveito de toda e qualquer oportunidade para aprender, conhecer e testemunhar aquilo que era de seu interesse, isto é, tudo!


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “As maiores civilizações da história”


FENÍCIOS: FEITOS DE MAR E DE COMÉRCIO


Existem muitos mitos relacionados à civilização fenícia. Um deles fala de uma ilha que teriam colonizado chamada Brasil. Mas trata-se pura e simplesmente de rumor não confirmado.

Os fenícios viveram na atual Líbia. Diferente das demais civilizações, não demonstraram interesse pela expansão territorial, mas por estabelecer feitorias e entrepostos comerciais, por meio das quais exploravam as riquezas locais.

Como não usavam rotas terrestres, não enfrentavam os perigos das mesmas e ainda puderam desenvolver grande capacidade comercial. Estiveram presentes no Egito, Grécia e norte da África. Outra região onde curiosamente estiveram foi o Algarve, no sul de Portugal. Eram os senhores incontestes dos mares.

Os principais rivais dos fenícios foram os gregos, contra os quais guerrearam, contudo também deles absorveram diversas riquezas culturais, que serviram de amálgama da sua própria cultura.

Pesquisas acerca da cultura fenícia esbarram em um obstáculo importante: sua escrita era cuneiforme, porém lapidada em pedra, o que prejudicou sua sobrevivência no decorrer dos séculos.

Eram famosos seus tecidos multicolores, púrpura e pelo alfabeto e, claro, pelas trocas comerciais com o Oriente. Objetos de luxo incrustados com marfim circularam por todo o Médio Oriente. Os Fenícios conectavam o Egito, a Síria, o sul da Turquia, Chipre e mar Egeu.

Seus principais portos foram Sídon, Biblos, Beirute e Tiro, a mais famosa das cidades fenícias. Relatos indicam que o rei Hiram manteve bons relacionamento com Salomão.

A mais relevante das colônias fenícias foi, indubitavelmente, Cartago, localizada no norte da África, que somente entra em declínio após a ascensão de Roma.

No campo religioso, Baal, deus guerreiro e relacionado à fertilidade, tornou-se um dos mais estudados da antiguidade. Seu templo era o Salambo Tophet, erguido por volta de 700 a.C. O profeta Elias, no speculo IX a.C., evidentemente antipático a deuses que considerava pagãos, criticou o rei Acabe por sua adoração a Baal.

Outra divindade fenícia se chamava Adonis, apropriado da cultura grega, reconhecido por sua beleza, tornou-se o deus da Primavera.   


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “As maiores civilizações da história”

terça-feira, 28 de março de 2017

THOMAS EDISON: A MÁQUINA DE PRODUZIR PATENTES... E INIMIGOS


Mark Twain, o mais norte-americano dos escritores norte-americanos, escreveu algumas linhas sobre Thomas Edison. Para ele, o inventor – considerado o mais prolífico dos inventores de todos os tempos, com 1.093 patentes em seu nome – era pouco mais que o homem certo, no lugar certo, na hora certa.
Sobre Edison, Twain disse:

“São necessárias milhares de pessoas para se inventar um telégrafo, ou uma máquina a vapor, ou um fonógrafo, ou um telefone ou qualquer outra coisa importante – mas o último deles toma o credito e nos esquecemos dos demais. Ele acrescentou um pequeno detalhe – foi tudo o que fez. Essas lições objetivas deveriam nos ensinar que 99 peças de todas as coisas que proveem do intelecto são plágios, pura e simplesmente; e essa lição deveria nos tornar mais modestos. Mas nada tem esse poder.”

Edison teria concordado que muitas das suas invenções eram melhorias sobre aquilo que veio antes. Mas se tomarmos as palavras de Twain, então teríamos que acreditar que Edison teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa, centenas e centenas de vezes ao longo de toda a sua vida.

O laboratório de Edison em Menlo Park, New Jersey, despachava novas invenções tão rapidamente que mais parecia uma linha de montagem industrial. Era tão produtiva que em certo ponto Edison prometeu anunciar uma pequena invenção a cada 10 dias, além de uma grande invenção a cada seis meses, aproximadamente.

Edison foi o responsável por inventar o bulbo de lâmpada incandescente prático, o fonógrafo, a câmera de cinema, tecnologia de produção de cimento, baterias, e o sistema de geração de força elétrica. Embora Edison tenha comprado, ou mesmo roubado algumas de suas patentes, quase 100% delas se tornaram sucesso comercial e rapidamente influenciaram a vida tecnológica americana.

Escritores mais recentes têm vilipendiado Edison, como se fosse o diabo encarnado, um cara que processava pessoas até expulsá-las do mercado, atropelava seus concorrentes, e que destruiu grandes inventores tais como Nikola Tesla. Por exemplo, Edison é geralmente reconhecido como o inventor do bulbo de lâmpada, o que não é verdade. Vinte e dois outros inventores o precederam. Mas Edison tem o crédito porque ele criou um bulbo de lâmpadas incandescentes mais barato e que não queimava tão rapidamente.

Edison foi um inventor bastante prolífico. Produziu invenções numa escala 10 ou até 100 vezes superior à de seus concorrentes mais próximos. Tesla foi um futurista brilhante e inventou o motor a indução, mas ele não conseguiu se igualar a Edison em termos de produção. Edison tinha mais de mil patentes em seu nome. Graças a um laboratório de pesquisas cheio de assistentes que se encarregavam dos detalhes mundanos de seus projetos.

É um claro contraste com Tesla, que preferia trabalhar sozinho, fazer tudo sozinho, tendo registrado “apenas” 112 patentes ao longo da vida. Ele não tinha medo de trabalho pesado, tanto como um adolescente curioso quanto como inventor. “Gênio é bobagem”, disse ao The New York Times em 1878. “O trabalho duro é claramente o que faz o negócio”.

O talento de empreendedor sempre esteve presente no jovem Edison. Aos 12 anos, ele conseguiu um trabalho vendendo jornais em um trem que passava por Port Huron. Logo obteve os direitos exclusivos de vender os jornais entre Port Huron e Detroit – foi seu primeiro sucesso empresarial.

A sorte também sempre esteve a seu lado. Aos 16 anos, salvou a vida de Jimmie MacKenzie de um atropelamento por trem. O jovem era filho de um operador de telégrafos, quem recompensou Edison ao treiná-lo para aquele trabalho, bastante prestigioso naquele tempo. Foi essa habilidade que Edison usou ao inventar o fonógrafo e o telefone. Também foi ali que adquiriu os conhecimentos acerca de eletricidade, base de grande parte de suas invenções.

Ele arquivou sua primeira patente em Boston, em 1869, aos 22 anos. Sua primeira invenção foi o gravador elétrico. A invenção pretendia acelerar o processo de gravação de votos para a o legislativo estadual de Massachusetts.

Ele inventou o fonógrafo em 1877. O dispositivo parecia mágico ao público e por isso recebeu o apelido de “O mago de Menlo Park”. Ele usou os recursos que ganhou vendendo seu telégrafo pra construir um laboratório de pesquisas industriais. Seu laboratório de Menlo Park foi o precursor de assemelhados, como o da Intel, AT&T e muitos outros.

Algumas frases por ele proferidas são icônicas: “Eu não falhei 10 mil vezes – fui bem sucedido achando 10 mil maneiras de como não fazer.”

Edison costumava dizer que dormia apenas 3 ou 4 horas por noite. De fato, ele tirava muitas sonecas, curtas, ao longo do dia: duas ou três sonecas que somavam até 3 horas por dia.

Sua rotina de trabalhos intensos o legaram uma relação muito pobre com seu filho, Thomas Jr., que chegou a trocar seu sobrenome. Edison também cortou relações com sua filha, após se casar com um militar alemão – Edison considerou um ato antipatriótico, em razão da I Guerra Mundial.

Após sua morte, Tesla escreveu:

“Ele não tinha diversão, não se distraia e viveu afastado das regras mais elementares de higiene... seus métodos eram ineficientes ao extremo, ele tinha que fazer grandes esforços, até que o acaso interviesse e, de fato, fui uma triste testemunha de seus feitos, ciente de que apenas um pouco de teoria e cálculos teriam evitado 90% dos seus esforços. Mas ele tinha grande sede pelos conhecimentos em livros e por conhecimentos matemáticos, dando azo a seus instintos de inventor e ao sentido prático dos americanos.”

Difícil discordar de Tesla...

     
Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “As maiores civilizações da história”

BABILÔNIA DE TODOS OS IDIOMAS


Nascida como capital da Suméria, a cidade de Babilônia cresceu até se tornar uma civilização de cultura distinta, fundamental em dado período da história da humanidade. Foi marcante na sua história, a construção dos Jardins Suspensos, a mando do rei Nabucodonosor II (632-562 a.C.). O auge daquela civilização se deu sob Hammurabi, o Grande, que governou entre 1780 e 1750 a.C., quando se tornou a principal potência mesopotâmica.

A cidade de Babilônia situava-se às margens do rio Eufrates, junto às famosas povoações de Uruk, Larsa e Ur. Após a conquista desta última, a Babilônia passou por um período de desenvolvimento de 150 anos. Após esse período de ascensão, povos hititas invadiram a região, relegando os babilônios a 100 anos de estagnação e pobreza.

O período seguinte marcou a ascensão da Assíria como nova potência da região, cuja história foi inaugurada pelos antigos sumérios.

A história da Babilônia começou com a antiga cidade de Agadé. O período de conquistas foi inaugurado por Sargão, o Antigo. Com este, conquistaram a cidade de Lagash, a primeira da série impressionante de anexações.

Nabucodonor adquiriu fama mais duradoura em razão das diversas referências a ele feitas na Bíblia. A má fama por ele adquirida nos textos sagrados se deve à conquista de Jerusalém, em 586 a.C. Após a destruição da cidade, os judeus que lá habitavam foram condenados ao exílio.

Outra passagem imortal na história dos Babilônios foi a construção da Torre de Babel, fruto da ambição dos seus governantes. Conta-se que os governantes da Babilônia decidiram que os habitantes da região, que falavam o mesmo idioma, deveriam viver no mesmo espaço físico. Então mandaram erguer uma enorme torre, que também fortaleceria o poder central.

Mas, segundo a lenda, Deus não aceitou tamanha ambição de poder. Era desejo Dele que a humanidade se disseminasse pelo planeta, dando origem a novas nações e civilizações. A Torre foi levada adiante por Nimrod. Os habitantes se revoltaram contra aquele confinamento e se espalharam pelo mundo, como desejava Deus.

Os babilônios fizeram progressos também nas ciências. Na matemática, criaram um sistema de contagem baseado no número 60. Daí surgiu a contagem atual das horas .

O historiador antigo Bérose escreveu a obra “Antiguidades Babilônicas” no século III a.C. Ele escreveu que “durante o primeiro ano do mundo, surgiu, saindo do mar da Eritréia, na parte que confina com a Babilônia, um animal dotado de razão, a quem chamaram Oannès. (...) Este monstro tinha um corpo feito de peixe, mas, por debaixo de sua cabeça de peixe, tinha uma segunda cabeça, que era a de um homem, pés igualmente humanos, que saíam da cauda e uma voz humana; a sua imagem ainda hoje em dia se conserva. O animal em questão passava todo o dia entre os homens, sem comer qualquer alimento, ensinando-lhes as letras, as ciências e os princípios de todas as artes, as regras das fundações das cidades, da construção dos templos, da medida e da delimitação das terras, as sementeiras e as colheitas, enfim, o conjunto de tudo aquilo que suaviza os costumes e constitui a civilização, de tal modo que, desde então, ninguém mais inventou fosse o que fosse de novo. Depois, ao pôr-do-sol, este monstruoso Oannès voltava para o mar e passava a noite na imensidão das vagas, pois era anfíbio.”

Ainda segundo o mesmo autor, este misterioso animal redigiu um tratado sobre a origem das coisas, entregando-o posteriormente ao homem, para que pudesse compreender de onde surgiu sua raça.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “As maiores civilizações da história”

segunda-feira, 27 de março de 2017

O POVO HEBREU: TESTEMUNHAS DA HISTÓRIA


De acordo com o Antigo Testamento, os hebreus tiveram como primeiro líder Abraão, cuja comprovação histórica tem sido tentada ao longo dos anos, não apenas tendo como suporte os relatos do pregador fenício Ovídio (43-17 a.C.), como também mediante alguns elementos arqueológicos que datam a sua presença na Babilônia em torno do ano 2000 a.C.

Seja como for, pensa-se que Abraão seria um pastor da zona de Ur, na antiga Suméria, que viajou, em primeiro lugar, para a Síria e posteriormente para Canaã (atual Palestina), onde veio a se estabelecer.
A Bíblia cita que viveu por 175 anos, tendo Ismael e Isaac entre seus filhos. Ainda assim, É Jacob, seu neto, pai de 12 crianças,que vem a lhe suceder em termos mediáticos, visto que o mito consubstancia a criação das 12 tribos de Israel por cada um dos seus filhos. Terá, então, sido Jacob a levar os hebreus em segurança para o Egito, de onde apena viriam a sair quando Moisés, da tribo de Levi, foi escolhido para libertar o seu povo.

A partir de dado momento, adotam os hebreus o regime de governo monarquista, influenciados em grande parte pelo perigo representado pelos Filisteus.

Dentro do povo hebreu, durante muito tempo houve uma divisão entre duas facções: uma conservadora e uma popular, esta representada pela figura de Saul, considerado o primeiro rei hebraico.

O reinado de Saul dominava famílias e tribos de raiz social comum. No entanto, administração sólida e fronteiras bem definidas somente surgiram com seu sucessor, o rei Davi. Seu sucessor Salomão solidificou ainda mais o poder constituído.

O reinado de Salomão foi marcado por pôr a cidade de Jerusalém como capital do reino e centro político e religioso. Salomão também dividiu o território em 12 distritos.

A partir de 1020 a.C. estes hebreus, que comumente se definem como israelitas, começaram a prosperar, mediante a gestão de figuras como os já citados reis Saul (1095-1055 a.C.), o fenomenal rei David (por volta de 1050 a.C.) e, obviamente, Salomão.

Aos poucos, os hebreus estabeleceram relações comerciais com o Egito, podendo assim acumular riquezas.
Em 721 a.C., os Assírios capturaram Israel e, depois, a cidade de Judá, levando a que os hebreus se vissem forçados a espalhar-se em várias direções. Muitos deles tornaram-se escravos.

Nabucodonosor, líder babilônico, esmagou a resistência ainda existente em 587 a.C., fazendo-os escravos. A esta passagem chamamos “diáspora”. Crê-se que grande parte do Antigo Testamento tenha sido escrita nesse período.

Os hebreus, que viriam a ser conhecidos mais tarde como judeus, eram integrados por um grupo dissidente chamado de “essênios”. Entre 150 a.C. e 70 d.C., esses elementos viveram em comunidade, guiados pelos ensinamentos de Moisés. Entretanto. Esse grupo somente foi descrito por Flávio Josefo, historiador romano. Não há registros bíblicos.

Seja como for, Flávio os caracterizou como um grupo separatista, vivendo quase que isolados no meio do deserto. Vestiam-se de branco, eram vegetarianos, tomavam banhos antes das refeições e repudiavam o casamento.

Destacou-se entre os “essênios” a comunidade de Quram, localizada a noroeste do Mar Morto, distante 12 quilômetros de Jericó. Eles escreveram os instigantes Manuscritos do Mar Morto. Historiadores classificam essa comunidade como precursora do cristianismo. Os hábitos relacionados ao banho poderiam estar associados ao batismo cristão, como os rituais de São João Batista no rio Jordão, que passa por Quram.

Diametralmente oposto ao grupo supra, existiram os “edomitas”. Eles eram em geral chamados de inimigos – referência que se encontra no Antigo Testamento. Destacavam-se pela atividade comercial e pela metalurgia. Habitavam povoados localizados na atual Jordânia. Sem dúvidas, não eram apenas uma simples tribo de pastores.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “As maiores civilizações da história”

   

ISAAC NEWTON: LEIS E CONSELHOS PARA UMA VIDA MAIS PRODUTIVA


Ele ainda hoje é responsável pelos pesadelos de graduandos em todo o mundo. Foi um dos inventores do cálculo, revolucionou a ótica, inventou a física clássica, que expôs em sua imortal obra Philosiphiae Naturalis Principia Mathematica, escrita em casa, durante um surto de peste negra que forçou a suspensão das aulas na Universidade de Cambridge, por 18 meses, em 1665.

Ao observar uma maça caindo do pé, teve o insight que o levou a calcular a constante gravitacional – Teoria da Gravidade Universal. Consequência natural, lançou as leis que regem os movimentos de todos os astros do universo observável.

Quando as aulas foram retomadas em Cambridge, Newton publicou “Optiks”, em que expunha que a luz era constituída de partículas e que a luz branca era composta por outras cores, enterrando a teoria vigente até então de que a luz se comportava como onda, apenas.

Tendo criado fórmulas matemáticas que levaram mais de 300 anos até que fossem completamente entendidas, passou anos absorto em meio a alquimias e cálculos da data exata do Apocalipse bíblico – ele calculou que ocorrerá em 2060.

Newton também generalizou os resultados do teorema binomial em matemática.

Em 1687, ele publicou seu trabalho sobre movimentos de planetas e demais corpos celestes. Newton derivou, por meio do cálculo que ajudara a desenvolver, suas leis dos movimentos planetários do inverso ao quadrado da força da gravidade. Esses foram os princípios que levaram a explicar a forma da Terra, o movimento dos cometas, além da órbita irregular da Lua. Pelos 250 anos seguintes, suas teorias dos movimentos planetários foram as linhas mestras da astronomia. Foram superadas apenas pela mecânica quântica e pela relatividade, que ofereciam explicações para o comportamento de objetos que viajavam muito rapidamente, entre si.

Mas suas descobertas ainda são relevantes para qualquer físico prático. Em 2014, a Agência Espacial Européia despachou o módulo terrestre Philae em direção a um cometa, parte da Missão Rosetta. A teoria da gravidade de Newton teve papel crucial na aterrissagem perfeita do Philae. Suas equações sobre o comportamento das órbitas foram usadas pelos processadores da sonda para determinar seu movimento em relação ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. “Aterrissou ao encontro de Isaac Newton”, disse o conselheiro científico da Agência Espacial Européia Mark McCauughrean logo que Philae tocou o solo. “Aterrissou nas leis da física”.

Newton fez grandes descobertas científicas por algumas poucas razões. Ele permitia o questionamento racional o levasse a qualquer direção. Seu rival Gottfried Leibniz rejeitava sua teoria da gravidade, porque não explicava como a gravidade funcionava através do espaço vazio. Newton respondeu que perguntar “por quê?” era irrelevante frente à pergunta “como?”.

Ele respondeu afamadamente que ele não sabia o que era a gravidade, ele estava somente formulando uma descrição matemática de seu comportamento. A resposta ao “por quê?” surgiu apenas no século XX, com as descobertas de Einstein sobre a curvatura do espaço-tempo.

No Livro I de seu Principia, há uma demonstração matemática sobre a não-integrabilidade de ovais de curvatura suave. Essa demonstração só foi devidamente apreciada após sua redescoberta, 300 anos mais tarde.

Newton achou outros caminhos para ajudar o mundo séculos após sua morte. Nos anos 1920, Roger Babson baseava suas pesquisas de mercado em princípios newtonianos, usando a idéia de que a toda ação corresponde uma reação oposta. Ele se tornou rico predizendo a Crise de 1929.

Newton produziu muito, escreveu muito, sobre os mais diversos assuntos, mas também viveu as conseqüências negativas do fato de se lançar tão profundamente a elocubrações tão complexas. Em 1693, Newton teve um ataque de nervos. Após 5 noites sem dormir, ele perdeu a conexão com a realidade e cria que seus amigos, Locke e Pepys, planejavam assassiná-lo. Esse episódio foi tão traumático que Locke, mais tarde, confessou a Newton que durante sua recuperação, “quando alguém me dizia que você estava doente... Eu respondia que seria melhor se estivesse morto.”

Sua produtividade excepcional o transformou num nome utilizado por consultores especializados em aumento de produtividade pessoal como exemplo do que se deve fazer para produzir mais. As onipresentes Três Leis de Newton dão a direção.

Por exemplo, os consultores James Clear e Cody Wheeler aplicaram os princípios da inércia – objetos em movimento tendem a permanecer em movimento, a menos que aja sobre eles uma força externa. A aplicação é sugerida para se concentrar a atenção em iniciar algo. A Regra dos 2 Minutos resume bem: Para se superar a procrastinação, ache uma maneira para se começar a tarefa em menos de dois minutos; uma vez que se inicie, torna-se mais fácil manter-se em movimento. O Momento se encarrega do trabalho.

A Segunda Lei, força é igual a massa vezes aceleração, traduz-se para que se aplique mais esforço nas áreas da vida que são mais efetivas. Onde uma pessoa impõe força é igualmente tão importante quanto a intensidade do esforço. Trabalho duro, apenas, não é suficiente; o trabalho tem de ser também efetivo.

A Terceira Lei – caso um corpo exerça força sobre outro corpo, este também exercerá igual força sobre aquele -, significa que devemos eliminar forças que se opõem a nossos intentos, isto é, as tarefas ineficientes.                 


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “The most productive people in the history...”

sexta-feira, 24 de março de 2017

ARQUIMEDES: O GÊNIO MATEMÁTICO E SUAS ARMAS FANTÁSTICAS


Arquimedes possui uma reputação que perpassa a história. Merecidamente. Sua aplicações práticas em física vão de bombeamento de águas a catapultas. Muitas de suas invenções se encontram em uso, ainda: seus jogos de polias são ainda básicas nos elevadores.

Ele inventou um fuso que movia água montanha a cima e catapultas que defenderam Siracusa de invasões romanas. Cícero relata que ele viu um Planetário em Siracusa construído por Arquimedes. Ele mostrava os movimentos do Sol, da Lua e dos cinco planetas então conhecidos. Sua acurácia era tão grande que ele poderia mostrar as fases da Lua e predizer eclipses do Sol e da Lua.

Suas descobertas em matemática quase alcançam os limites da impossibilidade, pois não contava com o auxílio da álgebra e da geometria analítica, sistematizadas apenas 17 séculos após sua morte.
Ele calculou a área de um círculo, a área da superfície da esfera, a área sob uma parábola, o valor do PI, além de cálculos rudimentares.

Ele continua surpreendendo pesquisadores. Um manuscrito perdido de Arquimedes ressurgiu em 1998, o qual os cientistas decifraram por meio de raio X, luz ultravioleta e outras técnicas de melhoramento de imagens. O documento inclui tratados tais como “O método de teoremas mecânicos”, “Sobre corpos que flutuam” e “Estômago”, o qual identifica o número de maneiras diferentes para se resolver um quebra-cabeças.

Em “Teoremas Mecânicos”, ele derivou propriedades físicas e geométricas de objetos por meio da observação de seus movimentos. O método descreve a infinitude, problema matemático que se imaginava somente teria sido estudado nos tempos de Newton e Leibniz.

Melhor de tudo, Arquimedes tinha uma personalidade bastante excêntrica. Ele deve ter sido melhor reconhecido por pular de sopetão de sua banheira e correr pelado pela cidade, gritando: Eureka! (que significa “Descobri!”). Descobriu o quê? Que poderia calcular a proporção de ouro e prata presente na grinalda de Heiron, apenas medindo o volume de água que ela deslocava.

As descobertas de Arquimedes, realizadas num período em que ele não dispunha de ferramentas tecnologias ou de manuais técnicos de referência, equivalem a alguém desenvolver a capacidade técnica de um Edison e a habilidade matemática de um Newton, vivendo em uma tribo da Nova Guiné.

Seu trabalho como inventor se deveu inicialmente às necessidades militares de Siracusa. A ilha mediterrânea da Sicília se localizava entre Cartago e Roma, uma localização infeliz durante as Guerras Púnicas. Qualquer ilha na região estava sujeita a ser conquistada, colonizada, sitiada etc. Siracusa precisava fortalecer seu minúsculo exército.

Arquimedes tomou a tarefa para si. Ele construiu algumas das mais terríveis armas bélicas do mundo antigo. De acordo com alguns historiadores clássicos, seu laser-solar foi uma das muitas invenções criadas para intimidar as marinhas de Roma e de Cartago. Outra arma foi sua catapulta de longo alcance, construída durante o cerco romano de dois anos a Siracusa, entre 214 e 212 a.C.

Esse ataque a Siracusa veio durante a Segunda Guerra Púnica. Roma temia que Siracusa, situada na costa leste da Sicília, forjasse uma aliança com Cartago. Então, Roma decidiu tomar a cidade, preventivamente.
Arquimedes concebeu uma estratégia de assalto que afundaria a frota romana que se aproximasse. Armas de curto alcance iriam então abater navios ou soldados que tentassem alcançar as muralhas da cidade.

O velho inventor visualizou primeiro uma artilharia de longo alcance, para atacar os navios. Ele desenvolveu catapultas avançadas, capazes de arremessar grandes cargas. Algumas pedras pesavam mais de 200 toneladas. O historiador Polibio reportou que Arquimedes fez tanto estrago com essa tal catapulta que a pretendida rápida invasão por mar se tornou um rastejante tormento.         

O passo seguinte foi protejer a murada da cidade. Siracusa era reconhecida por suas enormes fortificações então os romanos prepararam para enfrentar tal obstáculo. Eles trouxeram uma ferramenta por eles inventada para tal empreitada: a sambuca. Uma torre de sítio flutuante com ganchos de amarração e escadas de altura ajustável montadas sobre navios, que eram rebaixadas por meio de polias no interior das cidades.

A resposta de Arquimedes foi medonha. Sua resposta chamava-se “Garra de Arquimedes”: um enorme guindaste equipado com ganchos capazes de puxar navios para fora da água. A “Garra” então destruía o navio nas pedras ou os afundava.  

Os navios que sobrevivessem à catapultas e à “Garra de Arquimedes” tinham de enfrentar uma terceira linha de defesa. Era um conjunto de armas de projéteis conhecidas como “os escorpiões”. Pretendendo evitar que os romanos escalassem os muros da cidade à noite, Arquimedes ordenou que uma série de buracos fossem feitos no muro. Catapultas de pequenas dimensões poderiam ser arrastadas e objetos, arremessados, sem que o inimigo visse. Arqueiros atrás dos muros lançavam dardos de ferro sobre os romanos. Plutarco também descreveu uma enorme matança do lado romano.

O impacto sobre a moral do lado inimigo foi relevante. Plutarco escreveu que o papel de Arquimedes na batalha foi tão crítico que ele, sozinho, pode ter organizado toda a defesa da cidade. Foi o único a mover e gerenciar tudo; todas as outras armas restaram em desuso.

Plutarco escreveu que, sempre que os romanos viam um pedaço de corda ou um toco de madeira se projetando além do muro, gritavam: “Ali! Arquimedes está experimentando alguma arma na gente!” Os romanos então abandonaram a tentativa de invasão e passaram ao cerco.

Mas a arma mais mortal de todas foi o raio da morte. Historiadores clássicos descrevem engenheiros organizando um conjunto numeroso de pequenos espelhos planos. Conforme o autor bizantino Tzetzes, ele construiu um tipo de espelho hexagonal. Arquimedes projetou guias e dobradiças para movê-lo. A idéia era que ele concentrasse uma grande energia solar em apenas um ponto, de modo a queimar os navios romanos ainda a distância. Embora tivesse alguma lógica, nenhuma reprodução posterior foi capaz de demonstrar alguma eficiência – uma equipe do MIT pode apenas iniciar uma pequena combustão em madeira, mas muito lentamente.

Outro trabalho interessante de Arquimedes foi seu manuscrito “Estômago”. Foi o primeiro trabalho em análise combinatória – organização de elementos em conjuntos. Arquimedes descreve um quebra-cabeça quadrado cortado em 14 peças irregulares. Ele calcula o número de maneiras pelas quais as peças podem ser reorganizadas num quadrado – a resposta é 17.152. O nome do quebra-cabeças é Palimpsesto de Arquimedes.

Arquimedes se manteve comprometido com o desenvolvimento do conhecimento até a hora de sua morte. De acordo com Valerius Maximus, ele trabalhava em um problema matemático, absorto, quando do sitia de Siracusa, quando um soldado romano adentrou seu estúdio. Ele desenhava figuras, imerso em geometria. Arquimedes protegeu seus desenhos com suas mãos, gritando: “Eu imploro, não atrapalhe isso!” O soldado respondeu, furando-o com a ponta de sua espada.   

O general romano Marcelo ficou bastante irritado quando soube da execução de Arquimedes, executada contra suas ordens. Historiadores romanos escreveram que Marcelo ordenou a execução do soldado, em retaliação, e se certificou de que o cientista grego fora enterrado com todas as honras devidas.

Marcelo também honrou o desejo de Arquimedes de que em sua lápide figurasse a imagem de uma esfera inscrita num cilindro. A imagem representava sua descoberta, de que a razão que o volume de uma esfera é 2/3 do volume do menor cilindro que o envolve; e, da mesma forma, a superfície da esfera é também 2/3 da área da superfície de um cilindro.
    

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “The most productive people in the history...”


CHIMPANZÉS GUERREIROS E CHIMPANZÉS HIPPIES – CADA MACACO NO SEU GALHO


Nós, humanos, compartilhamos mais de 98% do nosso DNA com os chimpanzés. Quando duas espécies intimamente relacionadas se comportam do mesmo modo, sempre há uma boa probabilidade de que tenham herdado esse traço de uma espécie ancestral comum. Como só precisamos recuar 7,5 milhões de anos (o que não é muito tempo para um biólogo evolucionário) para encontrar o último ancestral comum de chimpanzés e humanos, a conclusão óbvia parecia ser que os humanos são projetados para a violência.

Que tal se disse que, nesse momento, gangues de chimpanzés machos estão patrulhando as fronteiras de seus territórios por toda parte, desde a Costa do Marfim até Uganda, sistematicamente procurando localizar chimpanzés estrangeiros para atacar. Eles se movem de modo silencioso e cuidadoso, e nem sequer reservam tempo para comer. O estudo mais recente, em Uganda, usou recursos de GPS e rastreou dezenas de ataques e 21 assassinatos perpetrados pela comunidade Ngogo de chimpanzés entre 1998 e 2008, que terminam com a anexação de um território vizinho.

Mesmo um chimpanzé idoso pode bater mais forte que um boxeador peso-pesado, e suas presas afiadas podem ter até 10 centímetros. Quando encontram inimigos, eles lutam para matar, mordendo dedos e artelhos, quebrando ossos e rasgando rostos. Em uma ocasião, primatólogos viram com horror agressores rasgarem a garganta da vítima e arrancarem a traqueia.

Em 21 de dezembro de 1986, o primatólogo Gen`ichi Idani estava sentado à beira de uma clareira. Esperava um bando de símios passar por ali, mas, para seu espanto, em vez de um, dois bandos apareceram ao mesmo tempo. Se Idani estivesse em Gombe, as coisas poderiam ter ficado bem feias nos minutos seguintes. Haveria urros ameaçadores entre os dois bandos, seguidos por ameaças de ataques e galhos sendo brandidos. Sob as circunstâncias erradas, poderiam ter ocorrido brigas e mortes.

Em Wamba, porém, nada disso se deu. Os dois bandos sentaram-se a alguns metros de distância um do outro e ficaram se entreolhando. Depois de meia hora, uma fêmea do bando que os primatólogos nomearam como grupo P levantou-se e andou pelo campo aberto em direção a uma fêmea do grupo E. Após instantes, as duas fêmeas se deitarem, uma de frente para a outra. Afastaram-se as pernas, pressionaram seus genitais. Começaram a mexer os quadris de lado, cada vez mais rápido, esfregando os clitóris e gemendo. Em questão de minutos os dois símios estavam ofegantes e gritando, acariciando-se com força, e entrando em espasmos. Por um momento de tensão as duas fêmeas ficaram em silêncio, olhando nos olhos um da outra, e então desabaram, exaustas.

A essa altura, a distância entre os dois bandos já não existia. Quase todos os símios partilhavam comida, cuidavam dos pelos uns dos outros ou faziam sexo – macho com fêmea, fêmea com fêmea, macho com macho, jovens com velhos, usando mãos, bocas e genitais, misturando-se indiscriminadamente. Estavam fazendo amor, não guerra.

Idani e seus colaboradores observaram os grupos P e E repetirem essa cena umas 30 vezes.
Tecnicamente os símios de Wamba eram chimpanzés-pigmeus (Pan paniscus), enquanto os símios de Gombe eram chimpanzés-comuns (Pan troglodytes).

O DNA dos chimpanzés-pigmeus (para evitar confusão, os cientistas costumam chamá-los de bonobos; os jornalistas com freqüência os chamam de chimpanzés hippies) e o DNA dos chimpanzés-comuns (sem qualificativo) são quase idênticos e as espécies divergiram de seu ancestral comum há apenas 1,3 milhão de anos. Os dois tipos de símios são geneticamente eqüidistantes dos humanos.
Em vez de puxarem suas espadas e saírem golpeando no monte Gaupius, os generais Agrícola e Cálgado poderiam ter arrancado as togas e começarem a roçar seus genitais.   


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.

quinta-feira, 23 de março de 2017

OS NÚMEROS E A IDADE MÉDIA – ENTRE TAPAS E BEIJOS


Em 1202, Leonardo Fibonacci, de Pisa, filho de um oficial na África do Norte da alfândega da República de Pisa, escreve em latim um Tratado do Ábaco (tabuinha de calcular da Antiguidade, transformada no século X em um quadro cujas colunas utilizavam algarismos arábicos) no qual introduz em particular essa conquista essencial para a contabilidade que é o zero. Esses progressos, que não cessarão no curso da Idade Média ocidental, culminarão com a redação em 1494 pelo irmão Luca Pacioli da Summa de Arithmetica, verdadeira enciclopédia aritmética e matemática destinada aos comerciantes. Ao mesmo tempo aparece em Nuremberg, na Alemanha do Sul, um Método de Cálculo.

Por seu turno, os textos bíblicos que a Igreja usou para julgar ou corrigir os utilizadores do dinheiro, têm entre os textos provenientes do Evangelho mais eficiência do que aqueles oriundos do Antigo Testamento. A exceção é o versículo 31, 5 do Livro do Eclesiástico (o Sirácide), que declara: “Aquele que ama o dinheiro dificilmente escapa do pecado”.

Os textos do Novo Testamento que mais pesaram quanto à atitude a respeito do dinheiro são os seguintes:
1)      Mateus, 6,24: “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará um e amará o outro, ou ligar-se-á a um e desprezará o outro. Não se pode servir a Deus e a Mamon” (Mamon designa no judaísmo tardio a riqueza iníqua, particularmente sob a forma monetária).
2)      Mateus 19,23-24: “Jesus disse então a seus discípulos: Em verdade vos digo, será difícil a um rico entrar no reino dos céus. Sim, eu vos repito, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.” Essa passagem se encontra em outros Evangelhos, também.
3)      Lucas, 12,13-22: “Mesmo em meio à abundância, a vida de um homem não está garantida por seus bens.” Mais adiante, em Lucas ainda, Jesus diz aos ricos: “vendei seus bens e dai-os como esmola.”

Em Lucas, 16,19-31, o mau rico vai para o inferno, enquanto Lázaro é acolhido no paraíso.

As imagens medievais, onde o dinheiro aparece de maneira, frequentemente, simbólica, são sempre pejorativas e tendem a impressionar aquele que as vê, levando-o a temer o dinheiro. A primeira imagem é um episódio particularmente tocante da história de Jesus: a representação de Judas recebendo os trinta dinheiros pelos quais vendeu seu mestre aos que iam crucificá-lo.

Um célebre manuscrito co numerosas imagens do século XII, conhecido como Hortus Deliciarum (Jardim das Delícias), uma página representa Judas recebendo o dinheiro de sua traição com o seguinte comentário: “Judas é o pior dos comerciantes que encarna os usuários expulsos do Templo por Jesus porque põem suas esperanças na riqueza e querem que o dinheiro triunfe, reine, domine o que é um plágio dos louvores celebrando o reinado de Cristo sobre a Terra.”

O principal símbolo iconográfico do dinheiro na Idade Média é uma bolsa no pescoço de um rico que a leva consigo ao inferno. Essa bolsa fatal, cheia de dinheiro, está representada em esculturas bem visíveis em tímpanos e capitéis de igrejas. Também aparece no Inferno, da Divina Comédia, de Dante.
   

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “A Idade Média e o dinheiro: ensaio de uma antropologia histórica”.

A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL E O APOCALIPSE NUCLEAR


O general John Hachett (ex-comandante das forças britânicas a Alemanha Ocidental) imaginou uma guerra em seu romance muito bem recebido de 1978, A Terceira Guerra Mundial.

Depois de 17 dias de batalhas convencionais, a ofensiva soviética foi detida e, com os soldados norte-americanos chegando para fortalecer a linha e até fazê-la recuar, os soviéticos reagiram com armas mais potentes. Eles lançaram um único míssil SS-17 com uma ogiva nuclear, destruindo Birmingham, Inglaterra. Trezentos mil morreram. A OTAN reagiu proporcionalmente, com um ataque nuclear a Minsk. O instável regime soviético entrou em colapso.

Mas, na realidade, como o general sabia muito bem, é provável que tivesse sido bem pior. A OTAN previu que seria a primeira a usar a força nuclear, por meio de dispositivos “táticos” (em geral, equivalentes a meia Hiroshima), para deter a ruptura das linhas e também para sinalizar que o ataque deveria ser encerrado. Se Moscou ignorasse a mensagem, seriam usadas bombas e ogivas nucleares maiores (equivalentes a meia dúzia de Hiroshimas), e, se ainda não houvesse respostas quando os tanques soviéticos tivessem já avançado 90 quilômetros pela Alemanha Ocidental, a coisa iria ficar mais séria.

Infelizmente, os soviéticos não demonstraram a menor intenção de encarar as bombas H como sinais sutis. Seu plano previa usar tanques para chegar ao Reno em duas semanas e ao canal da Mancha e Pirineus em outras quatro. Para conseguir isso, o primeiro escalão usaria de 28 a 75 armas nucleares para abrir brechas na linha da OTAN, e o segundo dispararia outras 34 a 100 durante sua penetração com blindados. Esperando que a OTAN fosse reagir na mesma moeda, os soldados soviéticos estariam equipados para lutar em campos de batalha encharcados para de substâncias químicas e radiação, concentrando-se com rapidez para atacar e depois dispersar-se. A Alemanha Ocidental sofreria com várias centenas de Hiroshimas, que matariam a maioria de sues habitantes. A essa altura, os ICBMs (mísseis intercontinentais) já cruzariam o pólo Norte.

Na visão de Moscou, uns poucos dias de guerra total devastariam os dois países, mas depois que as ogivas se esgotassem, a luta convencional continuaria até que um dos lados já não conseguisse lutar.
Consequentemente em meio a acalorados debates, ambas as superpotências começaram a se encaminhar para um entendimento (batizado de “détente”), que iria permitir-lhes sair do apuro de alguma maneira.       

As conversações sobre limitação de armas nucleares começaram em 1969, e na década de 1970 os soviéticos fizeram concessões na questão de direitos humanos. Os norte-americanos venderam-lhes grãos e emprestavam-lhes dólares. E os astronautas e cosmonautas dos dois países deram-se as mãos em órbita.
Em 1972, o presidente Richard Nixon desferiu um gigantesco golpe quando o antigo cliente de Moscou, Mao, declarou que não odiava os EUA tanto quanto odiava a União Soviética.

Os produtores árabes de petróleo quadruplicaram seus preços, empurrando a aliança norte-americana para uma crise econômica e ao mesmo tempo inundando de dinheiro a União Soviética exportadora de petróleo.
A desaceleração econômica, as preocupações sobre como lidar com a paridade nuclear com os soviéticos e as recriminações relativas à Guerra do Vietnã formaram um caldo tóxico.

Os conservadores começaram a argumentar que apenas com cortes nas despesas com o bem-estar social e com as burocracias que o administravam é que se poderia retomar o crescimento econômico, sem o qual a contenção não iria funcionar, e o escândalo de Watergate.

Ao final da década de 1970, os EUA batiam em retirada por toda parte. Os comunistas ganhavam guerras civis (e até uma eleição) na África e na America Latina, além de conquistar corações e mentes na Europa.
Em 1979, radicais não comunistas no Irã também entraram em cena, pondo para fora o Grande Satã de mais um lugar do globo.

A détente fracassou. Os EUA rearmaram-se furiosamente, instalando novíssimos mísseis de cruzeiro na Europa e fazendo alarde de tecnologias que iriam fatiar as defesas soviéticas como uma faca corta uma manteiga. A paranóia virou pânico em Moscou em 1982, quando os israelenses usaram sistemas de armas computadorizadas feitos nos EUA para destruir 17 dos 19 silos de mísseis terra-ar de fabricação soviética da Síria e abater 92 de seus aviões soviéticos, com perda três (ou seis, dependendo de quem contava). Embora qualquer cientista sensato pudesse ter dito aos soviéticos que ainda demoraria décadas até que vissem funcionar de fato tanto o “Guerra nas Estrelas” (um sistema norte-americano para abater ICBMs por meio de laser) quanto o Assault Breaker (um foguete de longa distância que espalhava massas de pequenas bombas de fragmentação guiadas por computador para destruir divisões blindadas inteiras antes que chegassem ao front), na atmosfera febril de Moscou no início da década de 1980, presumir o pior era um modo de vida.   

Mas o medo norte-americano do medo soviético chegou ao ponto de Reagan sentir necessidade de despachar o general (depois consultor de Segurança Nacional) Brent Scowcroft até Moscou para convencer Andropov a recuar um passo diante do abismo.
Milhões marcharam em protesto contra a bomba. Bruce Springsteen lançou seu remake de War. Qualquer um que não estivesse preocupado com o fim do mundo era porque não estava prestando atenção.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.

DA CORÉIA AO VIETNÃ – POR TRÁS DA GUERRA FRIA


Os embates entre EUA e URSS logo nos primeiros momentos da Guerra Fria levaram a diversas especulações e ameaças, de ambos os lados, de forma a mandar o recado correto ao inimigo. As estratégias visavam, antes de tudo, a uma contenção.

Em 1954, Eisenhower apresentou uma nova versão, de tolerância zero. Da contenção, chamada New Look (nome de uma linha de vestidos criada por Christian Dior). As explicações oficiais eram estudadamente vagas, mas pareciam se resumir a uma retaliação nuclear maciça contra qualquer ataque, onde quer que ocorresse.

As forças terrestres seriam cortadas ao mínimo, servindo apenas como condutoras de armas nucleares. O comandante da OTAN na Europa foi franco. Nós “estams baseando todo o nosso planejamento em usar armas atômicas e termonucleares para a nossa defesa”, escreveu ele. “Agora já não se trata de: ‘Elas podem seu usadas’. É algo bem definitivo: ‘Elas serão usadas’.”

Em 1957, os soviéticos conseguiram uma vitória apertada (“Nossos alemães são melhores que os deles”, gabava-se Krubeschev no filme The Right Stuff [“Os eleitos”)] e usaram um dos seus primeiros foguetes operacionais para colocar em órbita uma bola de aço de 83 quilos, o Sputnik. Dentro havia um radiotransmissor, que não fazia nada exceto emitir um bipe, mas isso foi suficiente para deixar os norte-americanos desesperados. “Ouçam agora”, advertia a NBC, “o som que para sempre irá separar o velho do novo.”

No início da década de 1960, os EUA ainda tinham uma superioridade nuclear de 9 contra 1 sobre os soviéticos, e o Departamento de Defesa projetava que um primeiro ataque norte-americano seria capaz de matar 100 milhões de pessoas, praticamente arrasando a URSS. No entanto, prosseguia o relatório, um contra-ataque soviético às maiores cidades dos EUA e de seus aliados mataria 75 milhões de norte-americanos e 115 milhões de europeus, arrasando a maior parte do resto do hemisfério norte.

Em 1961, especulando se o recém-empossado presidente John F. Kennedy iria de fato arriscar Nova York para salvar seus interesses em Berim, os soviéticos pressionaram mais do que o usual na infindável confrontação a respeito da cidade dividida.

Os comunistas fizeram concessões e ergueram um muro no meio da cidade, mas no ano seguinte as coisas pioraram. “Por que não jogar um ouriço nas calças do Tio Sam?”, perguntou Kruschev, e enviou mísseis soviéticos para Cuba. Durante 13 dias capazes de fazer o coração parar, a impressão era que o pior cenário havia chegado.

Como ocorreu com toda nova arma perversa desde o primeiro machado de pedra, uma vez que a bomba havia sido inventada, ela não poderia ser “desinventada” (palavras de Eisenhower). Se todas as ogivas nucleares do mundo fossem jogadas fora, elas poderiam ser substituídas em questão de meses – o que deixava implícito que proibir a bomba poderia ser a ação mais perigosa imaginável.

Em seu primeiro ano no cargo, Kennedy reclamara: “Os soldados irão entrar em ação; as multidões irão celebrar [...] Depois vão nos dizer que precisamos mandar mais soldados. É como começar a beber”. Mesmo assim, ele enviou 8 mil assessores ao Vietnã do Sul. Dois anos mais tarde, havia o dobro disso. Quatro anos depois, os fuzileiros navais desembarcaram em Danang, e em 1968 havia meio milhão de norte-americanos lutando no Vietnã.

Colocar as botas no chão simplesmente criou a necessidade de um exame de decisões adicionais. A detenção de civis – um método consagrado de cortar os suprimentos aos insurgentes – seria adequado? Sim, decidiu a Casa Branca. E bombardear o Vietnã do Norte? Às vezes. Ou invadir o Vietnã do Norte? Não, porque isso poderia provocar a escalada dos soviéticos.

Bombardear e atacar posições comunistas no supostamente neutro Camboja pareceu adequado ao presidente Nixon, mas muitos norte-americanos discordaram. Eclodiram distúrbios; a Guarda Nacional matou quatro em Ohio. Consequentemente, na hora de dar o passo maior e interromper os suprimentos comunistas construindo uma linha fortificada ao longo do Laos – um lance militar óbvio que, segundo os generais do Vietnã do Sul, iria “isolar o front norte de sua retaguarda” – nenhum presidente disse sim.

A guerra se arrastou e, no final, matou mais de 3 milhões de pessoas.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.

quarta-feira, 22 de março de 2017

TREINAMENTO PARA MEFISTÓFELES – RECRUTAS DO DIABO – PARTE 27


Trechos do livro “Como nascem os monstros”:

“Lá embaixo, a busca por materiais ilícitos continuava por toda a casa e a contagem do material entorpecente terminou em 30 quilos de cocaína, 50 de maconha e mais os componentes para mistura. Havia até cal, armazenada nos galões azuis de plástico.

O pessoal do apoio logístico, vindo do batalhão vizinho, não se decepcionou: além de colher os louros pela co-participação na missão bem-sucedida, ficou com metade da cocaína desviada e dela faria dinheiro suficiente para repartir entre a equipe e ainda dar um agradinho ao major e ao coronel, que eram os “donos” do blindado “arrendado” para a empreitada e jamais poderiam sair de mãos abanando.  

O pessoal do 3º BPM ficou tão feliz que até cedeu uma pistolinha para servir de “vela” nas mãos de um dos bandidos (não sem antes “fazer” as mãos dele, para que resquícios de pólvora grudassem na pele).

Os outros 10 quilos ficaram para Livorno (que providenciou ele mesmo a arma plantada na mão de seu defunto, de forma a lhe justificar o assassinato), Magalhães e Cia, inclusive ela, a informante, sem a qual dificilmente dariam um tiro tão preciso.

Na mesma noite da operação, enquanto patrulhavam em comboio nas proximidades do morro, os traficantes do Macacos, pelo radinho, fizeram uma proposta de resgate pela mercadoria, oferecendo 5 mil reais por quilo devolvido. Um deboche; Magalhães ouviu a oferta apenas por curiosidade, pois já estava acertado que quem faria a negociação seria Medina, o perdulário, que tinha conexões íntimas com a vagabundagem de Acari, dominada pelo TCP.

O que faz então valorizar um pouquinho o serviço de revenda promovido pelos policiais é o baixo custo do transporte, que tem até a “sobretaxa”, quando feito por traficantes comuns, paga a titulo de periculosidade, para o caso de serem flagrados e presos com o material ilícito. Não há esse risco quando é a própria viatura da polícia que realiza a entrega, e Medina conseguiu acertar em 8 mil reais o valor pago por cada quilo da droga desviada.

(...)

Rafael reagiu com grande excitação quando Anselmo lhe chamou em particular.
- Se liga só, mais tarde vamo dá uma ida lá na Vila (Vila Mimosa, famoso centro de prostituição no centro do Rio), valeu?
- Qual foi?
- Tem um papo pra gente lá, uma informação... Ela disse que tem que ser rápido, que não pode passar de hoje porque o bagulho tá pra acontecer amanhã.
- Ela não adiantou mais ou menos o que é, não?
- Não, mas pelo jeito é coisa boa, acho que é o “bote” que a gente tava esperando...

(...)

Quando a intenção é mesmo seqüestrar, desde o início da abordagem o policial deixa claro que tudo será um “desenrolo”, que se o bandido estiver disposto a pagar pela liberdade sairá ileso e numa boa; a partir de então, começa a rodada de negociações para estabelecer o valor do resgate, o local da entrega, so contatos telefônicos a serem feitos, e por aí vai.

Uma coisa incomum é o uso de cativeiros. A regra é esperar perto da vítima, dentro de uma viatura, um DPO ou qualquer outro lugar, contanto que possa ser inserido num contexto no qual aleguem, caso sejam surpreendidos pela corregedoria, que não havia seqüestro algum e que, na verdade, a pessoa detida estava a caminho de ser conduzida à delegacia.

A prática da extorsão mediante seqüestro se tornou tão corriqueira entre os policiais que passou a incomodar, e os traficantes começaram a se movimentar, procurando formas de inibir o crime e refrear os ânimos dos agentes. Não pagavam mais pela liberdade de bandidos de baixo escalão, denunciavam os raptos anonimamente pelo telefone, sempre que fosse conveniente.

No contraponto, alguns PMs refinaram os meandros do ilícito e, aproveitando-se novamente das engrenagens legais, adotaram uma conduta que dificultava ainda mais a tipificação do ato criminoso. Melhor do que manter alguém detido dentro de uma viatura é mantê-lo preso em uma delegacia, aguardando o dinheiro do resgate chegar pelas mãos do advogado, e essa sujeirada só é possível quando se tem um conhecimento “bacana” dentro da Polícia Civil.

Quando o vagabundo era “questão” mesmo, quando era “dono” da favela, não era incomum que os resgates fossem estipulados em seis dígitos, e tudo que fosse negociável entrava no “rolo” – cordões de ouro e jóias em geral, fuzis, carros e motos, o que precisasse para que a quantia exigida fosse alcançada.

(...)

- Olha só, gente, eu tenho uma parada séria pra falar pra vocês, uma parada pra se levantar mesmo, tá ligado? Vocês sabem quem é o Rufinol, não sabem?
- Lá da tua favela? – perguntou Anselmo.
- É, ele mesmo... Então, amanhã ele marcou de sair com uma amiga minha pra ir pro motel, pra comemorar o aniversário dela, coisa que ele nunca faz, mas, como tá amarradão, resolveu fazer. Vou te falar, depois que ele assumiu o morro, ele quase nunca sai de lá, e quando sai é muito escondido, porque ninguém fica sabendo, mas dessa vez minha amiga ficou tão feliz que não agüentou e veio me contar. Ela comprou lingerie nova e tudo, o papo é real mesmo.
- Mas e aí, você sabe pra qual motel eles vão?
- Olha, Rafael, eu não sei o motel qual é, mas eu sei como eles vão. É de taxi, um cara que faz a “correria” pros bandidos lá de vez em quando, mas que sempre passa batidão. O carro dele é de cooperativa lá da Lapa e...

(...)

Chegou o momento de planejar a missão. Não poderiam perder tempo, o seqüestro tinha que ser consumado na próxima noite. O grupo se ocupou de bolar todos os detalhes da abordagem e os meios a serem empregados.

Dividiram-se em três carros: no Golf “sapão” preto ficou a equipe de apoio 1, guarnecida por Medina, Vianna e Antônio; em um Megane prata, a equipe de apoio 2, com Rafael, Juarez e Anselmo; e na viatura Gol branca, descaracterizada, da Polícia Civil estavam Vidal, Magalhães e Reginaldo, todos de fuzil, pois seriam os responsáveis pela abordagem do táxi onde estaria o traficante.

Ao meio-dia se encontraram com o delegado titular da 18ª DP, na praça de alimentação de um shopping e o colocaram a par da informação.

Estacionado em uma rua de frente para a ladeira, ficou o Golf com a equipe que tinha a melhor visão do acesso. Não havia como o Meriva táxi passar por eles sem ser percebido, subindo ou descendo. Por ser o carro mais potente, o Golf faria a perseguição e o cerco, caso necessário.

O último contato da informante confirmou a saída para o motel, dando conta de que a namoradinha do chefe estava até no cabeleireiro, colocando apliques.

Por volta das 20h 40min o táxi passou em frente a eles.

O rádio de Rafael chamou pelo PTT e a voz do outro lado saiu apressada, urgente.
- Atenção aí, hein? Se liga que ele tá descendo aqui agora, tá descendo aqui agora... Tá pegando pra esquerda, pode sair, sai, sai... Vamo na cola dele, me segue, vamo...
Quando viu o táxi crescendo no retorvisor, a viatura acelerando atrás dele, o Golf bufando por fora, Rafael trincou os dentes e pensou: “Fudeu! Tomara que valha a pena...”. Deu um maio cavalo de pau, tomando quase a pista toda com a lateral do Megane.
Som de freadas e os policiais pularam em volta do táxi como moscas em cima da carniça, gritando: “Abre, porra! Polícia, caralho! Perdeu, perdeu... Abre essa porra logo, filho da puta...”.
- Calma, senhor! Eu não vi que era polícia, pensei que fosse um assalto, sei lá! Abaixa a arma, pelo amor de Deus...
- Não viu o caralho, seu arrombado! Desce dessa porra agora, sai logo, anda...
- Mas, senhor, eu estou trabalhando, eu estou com passageiro aqui, eles estão assustados...
Magalhães investiu contra a maçaneta da porta, que estava trancada por dentro, e o taxista tentou se aproximando de novo, gritando: “O que é isso? Estão assustando meu cliente, isso é abuso de autoridade, alguém filma, tira foto...”.

Reginaldo veio por trás dele, com o fuzil em bandoleira, e falou bem baixinho, quase soprando nos ouvidos do safado: “Você tem certeza que quer ser filmado com o motorista do Rufinol?”.

A porta traseira entreabriu imediatamente, pegando de surpresa Magalhães, que ainda tentava forçar a maçaneta.

Bingo!
- Perdeu, cumpadi! Viatura agora! Vem, tá agarrado, bota a mão pra trás!
- Calma aí, peraí, vocês devem tá me confundindo com alguém...
- Para de cão, Rufinol! A gente tá ligado no teu rastro já há um tempão, sai logo, sai! Revista ele aí...
Rafael procedeu à revista do traficante, mas nem precisava. Bandidos desse calibre não levam armas quando saem para curtir a noite. O cuidadoso Rufinol não era diferente: dispunha inclusive de identidade falsa e toda uma gama de subterfúgios para tentar ludibriar policiais desatentos. Com as mãos algemadas, ele ainda conseguiu sacar a carteira de trabalho falsa, onde constava um emprego de bancário, mas não colou.
- Tá todo mundo olhando aí, ó, não tem necessidade de me grampear não... Qual é, meu chefe? É um papo ou não é? Vai me levar de dura mesmo?
- Para de ratear então, porra! Entra logo na viatura e vamo desenrolar...
- Mas espera aí... Tem que dar um toque no meu advogado, minha mulher tá ali no carro também, o que vai acontecer com ela?
- Vamo todo mundo pra DP, lá a gente conversa, agora entra...
- Qual é, meu chefe! Eu tenho que saber pra qual delegacia o senhor vai me levar...
A delegacia ficava a poucos quarteirões do local do rapto. Chegaram todos quase simultaneamente ao estacionamento, que ficava nos fundos e dava acesso a uma porta grossa de aço. Vidal já caminha apressado para dar a volta e abrir a porta, e assim guardar logo o “pacote”. Mas o traficante estava assustado.
- Qaul foi, meu chefe? O senhor não disse que era um papo? Então, tá me guardando aqui pra quê, me trancar? Vamo conversar...

Ofereceram então um café ao traficante e ele aceitou. Depois se sentaram em frente à cela aberta da carceragem, que estava totalmente vazia.

(...)

- Que é isso!? Olha, senhor, eu não sei quem foi que me “deu” não, mas vendeu uma parada surreal pra vocês! Não existe, não tem como! A favela tá quebrada, não tá mais isso tudo que o povo fala na, eu tenho muita coisa pra administrar que tava errada e que agora eu to consertando. O amifo que faleceu deixou umas pendências de mercadoria aí, sabe qual é? Parada séria, que eu to com minha vida empenhada, tá ligado? Coisa de gente grande e que nem eu sei quem é que manda no bagulho, coisa de político, general e o caralho, entendeu, não dá pra ficar de “dois papo” com fornecedor, não... Eu tenho minha reserva, tá ligado? Eu dou tudo pra vocês, é só deixar eu fazer o contato lá que vem...
- Quanto?
- Cem barão. Tá na mochila já, ta ligado? É a reserva mesmo, to dando o papo real...
- É o quê? – exalta-se Magalhães. Tu tá ficando maluco? Porra, eu acho que tu tá confundindo as coisas! Eu não sou nenhum merda que fica de Golzinho patrulhando, caçando moedas não, rapá! O papo tá dado, o “X” te vendeu bonitão e tu ainda não se ligou, quer ficar de cão?
- Não, aí, é o senhor que tá me entendendo mal...
- Eu? Não sou eu que tá com a pica no cu não, cheio de PP (prisão preventiva) pra cumprir, é tu! Se liga, acho que não vai ter papo não... Tranca ele aí e vamos fazer contato com o doutor...
Fazia parte da negociação.
A menina, que confessou ser menor de idade, havia parado de chorar e estava emburrada, repetindo o tempo todo com aquele sotaque de favelada: “Quero ver meu marido... Cadê meu marido? Quero falar com o advogado dele... Se vocês “bateu” nele, vocês vão vê só uma coisa, eu vô botar tudo no jornal, vô denunciá vocês... Vocês quer é dinheiro que eu sei, se não tava aqui de conversinha... Cadê meu marido?”

(...)

Quem chegou logo depois foi Vidal, trazendo um personagem novo à peça. Quem se pôs a falar foi Vidal.
- Então, doutor, o caso é esse aí, ó. Matéria pra semana toda no jornal. Já dei o papo nele, mas não vai ter acerto mais não...
- Não, que é isso, senhor! Espera aí... O senhor é que é o delegado?
- Por quê?
- Não, seu doutor, por nada não... É só que eu já tenho uma situação lá com o delegado da 6ª DP, certo? Então,s e o senhor vê lá com ele, ele vai confirmar que eu não tenho mesmo isso que vocês tão pedindo, é muita coisa...
- Não quero saber não... Conversa entre vocês aí, se não chegar num acordo, eu vou proceder.

Não demorou muito. O advogado do bandido ciudou de todas as providências para que o recolhe fosse feito o mais depressa possível e sem alarde.

O defensor contatou o delegado (que fazia parte da folha de pagamento do “patrão”) para reportar o acontecido. A autoridade policial não gostou nada.

Era ele, o advogado, quem cuidava dos acertos feitos com as autoridades maiores; era ele, inclusive, quem promovia o acordo, nas épocas de carnaval, para que tudo transcorresse dentro da normalidade nas cercanias do sambódromo.

(...)

A arrogância dele se abrandou. Percebeu que não conseguiria intimidar os meganha.
- Então, cadê os fuzil? Primeiro vamos ver eles.
- Eu queria falar com meu cliente primeiro...
- Primeiro as armas! Depois que a gente inspecionar o armamento, eu te levo lá, e então a gente conta o dinheiro (250 mil reais).
Rapidamente todas as armas foram checadas e aprovadas: dois fuzis modelo FAL 7.62, um Parafal, dois AK-47 e um G-3.
- Podemos ir ate ele agora? – perguntou o defensor.
- Agora sim, pode vir comigo.

(...)

Resignado, o doutor escondia um profundo inconformismo diante de toda aquela situação degradante (quanta hipocrisia...).”



Rubem L. de F. Auto