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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

NÃO HÁ NADA COMO UM BOM CAFÉ DA MANHÃ PARA GARANTIR UM BOM DIA – PARTE 2


Alimentar soldados e marinheiros sempre foi um desafio de logística. São milhares de homens esfomeados, a quilômetros da costa ou de cidades aliadas, necessitados de muitos alimentos energéticos que os mantenham em ação.

Antes da invenção de métodos eficientes de conservação os alimentos se estragavam com muita facilidade. Caso os soldados não tivessem acesso a campos próximos, com muitos alimentos prontos para a colheita, a estratégia para resolver esse enigma era digna de um jogo de xadrez.

Em 1795, o governo francês ofereceu um prêmio de 12 mil francos a quem trouxesse uma solução. Em 1810, quinze anos após a instituição de tal premiação, um cozinheiro apareceu exigindo sua recompensa. Chamava-se Nicholas Appert.

Em 1809, um comitê oficial foi reunido para experimentar os alimentos em conserva de Appert. Ficaram impressionados: não havia larvas. O prêmio foi entregue junto com um pedido: publique seu trabalho, mas não o patenteie.

Em 1810, foi o publicado “A arte de conservar todas as substâncias animais e vegetais durante vários anos”. Foi um sucesso.

No entanto, Appert era cozinheiro e confeiteiro. Tinha, portanto, uma mente prática. Ele conseguiu criar um método inovador, porém não sabia explicá-lo cientificamente. Essa descoberta precedeu a Teoria Germinal e a descoberta das bactérias.

A lata que conhecemos foi inventada por Phillipe de Girard. Este pretendia fazer dinheiro com sua invenção, e buscou o mercado britânico com essa intenção. Apesar de França e Reino Unido estarem em guerra, sua invenção inovadora conseguiu se sobrepor às rusgas dos inimigos cíclicos

Um detalhe que pode ser esclarecedor: o abridor de latas foi inventado em 1870! Portanto o interregno de 48 anos deve ter sido pontuado por desesperados e esfomeados consumidores tentando abrir as latas à base de martelos e pregos.

É curioso descrever os rumos e as trajetórias seguidas pelos alimentos ao longo da história. Desde os tempos de Roma antiga os capitães mercantes do Mediterrâneo já seguiam desde Alexandria até a Índia. Comercializavam-se especiarias de luxo, pimenta-do-reino, canela, gengibre, cravo-da-índia, noz-moscada, açafrão, cúrcuma, e outros.

Os indianos consomem arroz com curry desde 4 mil anos atrás. Os romanos adoraram o prato. Resultado: 120 navios por ano eram enviados à Índia para trazer a delícia acondimentada. Além das finalidades próprias da mesa, as especiarias cumpriam funções medicinais também.

Esse intercâmbio, no final da Idade Média europeia levou às grandes expedições, Colombo, descoberta da América et cetera  e tal.

Interessante notar que Colombo voltou de sua primeira viagem com pimenta a bordo. No entanto era vermelha (a indiana era escura) e recebeu o nome de Chilli.

Assim como o tomate, as batatas são originárias da América do Sul. Os incas as plantavam em terras muito elevadas, onde geadas noturnas as transformavam em amido desidratado – ou batatas congeladas.

A chegada das batatas à Europa foi um desastre. As informações médicas a tratavam como causa desde flatulências incontroláveis à lepra. Até em períodos de fome as pessoas evitavam comê-las.

No entanto, certa feita, um francês havia sido feito prisioneiro de guerra na Prússia. Na prisão foi alimentado com comida para cavalo: batatas. Após três anos, surpresa, sua saúde estava perfeita. Suas conclusões levaram-no a promover as batatas como alimento saudável. Dentre suas estratégias, serviu pratos à base de batata a Benjamin Franklin e Maria Antonieta.

Em sua homenagem, vários pratos foram batizados com seu nome.

Outra fonte importante de alimento para o corpo são os ovos. Antes da agricultura, nós roubávamos ovos de ninhos. As primeiras aves domesticadas, as galinhas, surgiram na Tailândia, China e Índia. A produção de ovos é praticada desde 1.400 a.C., no Egito.

Os romanos adoravam ovos de pavão. Os chineses, de pomba. Os gregos, de codorna. Os fenícios, de avestruz. Consumiam-se ovos de tartaruga, crocodilo etc.

O modo de preparo também seguiu influências culturais. Os egípcios os cozinhavam, fritavam, transformavam em suflê ou os comiam com pão. Os gastrônomo romano Apício escreveu diversas receitas à base de ovos.

De todos os alimentos, talvez o mais importante, especialmente na Europa e no Oriente Médio, foi o pão. Era o alimento de base da sociedade e o que mantinha civilizações numerosas em relativa paz interna. Em Roma, 200 mil cidadãos recebiam do Estado sua cota mensal de grãos. Isso equivalia a aproximadamente 8 milhões de quilos por mês. Apenas as terras localizadas na atual Itália eram insuficientes para fornecer essa quantidade astronômica de grãos. Daí a conquista incessante de novas terras empreendida pelo império.

O Egito e o norte da África eram as regiões de que Roma necessitava desesperadamente. Não apenas o Estado, mas particulares que controlassem grandes produções de trigo necessariamente dominavam as massas e alcançavam poder político relevante.

Na França do século XVIII, a produção de pães e a própria profissão de padeiro eram regulados pelo Estado. Tratava-se de serviço público e grande relevância. Entretanto, em 1787, um trabalhador comum já despendia metade de seu salário com pães. Após isso, os preços ainda dispararam 88% em razão de uma quebra de safra. Resultou na Revolução francesa.

A Mesopotâmia também era apaixonados por pães. A região dispunha de grandes padarias estatais operando incessantemente, e alimentando soldados, funcionários estatais etc.

O consumo de grãos e cereais por humanos acorre desde 30 mil anos atrás, embora fossem plantas nascidas na natureza ao acaso, não fazendas neolíticas. Fresavam-se os grãos (trigo ou cevada) até transformá-los em farinha, com um moinho de mão: uma pedra de basalto rolando sobre os grãos. O pão feito a partir desse processo poderia ser o pão plano, que fermentava apenas pelo vapor interno; poderia ser fermentado por levedura orgânica; ou poderiam usar a levedura da cevada, geradora de gás, produzindo pães com buraquinhos no miolo. Evidentemente este último era mais caro.

O brioche das cortes francesas levava manteiga e açúcar na massa. Era mais branco que os demais e chamava-se “le pain à la mode”.

Mais tarde, no século XVIII, a geração mais preocupada com a saúde criou o pão de centeio, melhor para digerir.  

As classes ais “diferenciadas” também passaram a se deliciar com os crepes e os blini russos – esses últimos ainda hoje, servidos com salmão defumado e Prosecco.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia...”

  

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