Alimentar soldados e marinheiros
sempre foi um desafio de logística. São milhares de homens esfomeados, a
quilômetros da costa ou de cidades aliadas, necessitados de muitos alimentos
energéticos que os mantenham em ação.
Antes da invenção de métodos
eficientes de conservação os alimentos se estragavam com muita facilidade. Caso
os soldados não tivessem acesso a campos próximos, com muitos alimentos prontos
para a colheita, a estratégia para resolver esse enigma era digna de um jogo de
xadrez.
Em 1795, o governo francês ofereceu
um prêmio de 12 mil francos a quem trouxesse uma solução. Em 1810, quinze anos
após a instituição de tal premiação, um cozinheiro apareceu exigindo sua
recompensa. Chamava-se Nicholas Appert.
Em 1809, um comitê oficial foi
reunido para experimentar os alimentos em conserva de Appert. Ficaram
impressionados: não havia larvas. O prêmio foi entregue junto com um pedido:
publique seu trabalho, mas não o patenteie.
Em 1810, foi o publicado “A arte
de conservar todas as substâncias animais e vegetais durante vários anos”. Foi
um sucesso.
No entanto, Appert era cozinheiro
e confeiteiro. Tinha, portanto, uma mente prática. Ele conseguiu criar um
método inovador, porém não sabia explicá-lo cientificamente. Essa descoberta
precedeu a Teoria Germinal e a descoberta das bactérias.
A lata que conhecemos foi
inventada por Phillipe de Girard. Este pretendia fazer dinheiro com sua
invenção, e buscou o mercado britânico com essa intenção. Apesar de França e
Reino Unido estarem em guerra, sua invenção inovadora conseguiu se sobrepor às
rusgas dos inimigos cíclicos
Um detalhe que pode ser
esclarecedor: o abridor de latas foi inventado em 1870! Portanto o interregno
de 48 anos deve ter sido pontuado por desesperados e esfomeados consumidores
tentando abrir as latas à base de martelos e pregos.
É curioso descrever os rumos e as
trajetórias seguidas pelos alimentos ao longo da história. Desde os tempos de Roma
antiga os capitães mercantes do Mediterrâneo já seguiam desde Alexandria até a
Índia. Comercializavam-se especiarias de luxo, pimenta-do-reino, canela,
gengibre, cravo-da-índia, noz-moscada, açafrão, cúrcuma, e outros.
Os indianos consomem arroz com
curry desde 4 mil anos atrás. Os romanos adoraram o prato. Resultado: 120 navios
por ano eram enviados à Índia para trazer a delícia acondimentada. Além das
finalidades próprias da mesa, as especiarias cumpriam funções medicinais
também.
Esse intercâmbio, no final da Idade
Média europeia levou às grandes expedições, Colombo, descoberta da América et cetera
e tal.
Interessante notar que Colombo voltou
de sua primeira viagem com pimenta a bordo. No entanto era vermelha (a indiana
era escura) e recebeu o nome de Chilli.
Assim como o tomate, as batatas
são originárias da América do Sul. Os incas as plantavam em terras muito
elevadas, onde geadas noturnas as transformavam em amido desidratado – ou
batatas congeladas.
A chegada das batatas à Europa
foi um desastre. As informações médicas a tratavam como causa desde
flatulências incontroláveis à lepra. Até em períodos de fome as pessoas
evitavam comê-las.
No entanto, certa feita, um
francês havia sido feito prisioneiro de guerra na Prússia. Na prisão foi
alimentado com comida para cavalo: batatas. Após três anos, surpresa, sua saúde
estava perfeita. Suas conclusões levaram-no a promover as batatas como alimento
saudável. Dentre suas estratégias, serviu pratos à base de batata a Benjamin
Franklin e Maria Antonieta.
Em sua homenagem, vários pratos foram
batizados com seu nome.
Outra fonte importante de alimento
para o corpo são os ovos. Antes da agricultura, nós roubávamos ovos de ninhos.
As primeiras aves domesticadas, as galinhas, surgiram na Tailândia, China e
Índia. A produção de ovos é praticada desde 1.400 a.C., no Egito.
Os romanos adoravam ovos de
pavão. Os chineses, de pomba. Os gregos, de codorna. Os fenícios, de avestruz.
Consumiam-se ovos de tartaruga, crocodilo etc.
O modo de preparo também seguiu influências
culturais. Os egípcios os cozinhavam, fritavam, transformavam em suflê ou os
comiam com pão. Os gastrônomo romano Apício escreveu diversas receitas à base
de ovos.
De todos os alimentos, talvez o
mais importante, especialmente na Europa e no Oriente Médio, foi o pão. Era o
alimento de base da sociedade e o que mantinha civilizações numerosas em
relativa paz interna. Em Roma, 200 mil cidadãos recebiam do Estado sua cota
mensal de grãos. Isso equivalia a aproximadamente 8 milhões de quilos por mês.
Apenas as terras localizadas na atual Itália eram insuficientes para fornecer
essa quantidade astronômica de grãos. Daí a conquista incessante de novas
terras empreendida pelo império.
O Egito e o norte da África eram
as regiões de que Roma necessitava desesperadamente. Não apenas o Estado, mas
particulares que controlassem grandes produções de trigo necessariamente dominavam
as massas e alcançavam poder político relevante.
Na França do século XVIII, a
produção de pães e a própria profissão de padeiro eram regulados pelo Estado.
Tratava-se de serviço público e grande relevância. Entretanto, em 1787, um
trabalhador comum já despendia metade de seu salário com pães. Após isso, os
preços ainda dispararam 88% em razão de uma quebra de safra. Resultou na
Revolução francesa.
A Mesopotâmia também era apaixonados
por pães. A região dispunha de grandes padarias estatais operando
incessantemente, e alimentando soldados, funcionários estatais etc.
O consumo de grãos e cereais por
humanos acorre desde 30 mil anos atrás, embora fossem plantas nascidas na
natureza ao acaso, não fazendas neolíticas. Fresavam-se os grãos (trigo ou
cevada) até transformá-los em farinha, com um moinho de mão: uma pedra de
basalto rolando sobre os grãos. O pão feito a partir desse processo poderia ser
o pão plano, que fermentava apenas pelo vapor interno; poderia ser fermentado
por levedura orgânica; ou poderiam usar a levedura da cevada, geradora de gás,
produzindo pães com buraquinhos no miolo. Evidentemente este último era mais
caro.
O brioche das cortes francesas
levava manteiga e açúcar na massa. Era mais branco que os demais e chamava-se “le
pain à la mode”.
Mais tarde, no século XVIII, a
geração mais preocupada com a saúde criou o pão de centeio, melhor para
digerir.
As classes ais “diferenciadas”
também passaram a se deliciar com os crepes e os blini russos – esses últimos
ainda hoje, servidos com salmão defumado e Prosecco.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos
em um dia...”
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