A queda do Império Romano do Ocidente significou também uma
queda drástica da qualidade da rede de esgoto. Não havia mais fontes de água
corrente, nem banheiros públicos, nem esponjas de limpar a bunda...
Os padrões de outros povos europeus da época não ajudavam: os
vikings defecavam nos quintais e se limpavam com pedaços de algodão, folhas,
musgos e algas marinhas.
Quem de destacava em aspectos de limpeza e higiene eram os
islâmicos. A questão da limpeza era especialmente importante após ir ao
banheiro. Diz-se que Maomé afirmava: “Se o ânus for limpo com seixos, deveria
ser usado em número ímpar”.
O papel pode ter sido usado desde o século II a.C. A história
clássica fala em um eunuco da corte chinesa chamado Ts`ai Lun, que o teria
inventado em 105 d.C. Seu papel higiênico era feito a partir de cascas de
amoreira, redes de pesca e trapos.
O papel higiênico era levado da China para o Japão no século
VII, embora seu uso não fosse tão difundido ainda. Aparentemente os japoneses
ainda preferiam usar folhas, algas etc. Nos castelos, foram encontrados
assentos em formato de U, posicionados sobre buracos que levavam a fossos por
onde passava água corrente.
Já na Inglaterra, bem, no fim da Idade Média a Ponte de
Londres eram uma espécie de vaso sanitário suspenso. Contava com banheiros
públicos em toda sua extensão. Quando alguém soltava o barro, ouvia-se o
barulho na água... a menos que tivesse parado na cabeça de algum barqueiro. Era
nojento mas a água do Tâmisa levava o mau odor consigo.
Jogar o esgoto num rio corrente, em locais com baixa
concentração populacional, não é de todo insensato. Mas cheias sazonais
poderiam levá-las de volta para as casas.
Havia também os limpadores de fossas: os gongfermes. Auferiam
bons recursos com seu trabalho, mas era tão nojento que só se fazia à noite. No
caso das famílias reais, havia também o orgulhoso “limpador de penico”. O rei
poderia solicitar que ele cheirasse seu peido também, em busca de problemas de
saúde eventuais. Ah, claro. Recebiam bem e tinham prestígio.
Atualmente, nossas privadas possuem descarga. Muitos
poderiam supor que se trata de algo bastante moderno, mas seu protótipo é velho
de 4 séculos. Elizabeth I, filha de Henrique VIII, tinha um afilhado de mente
criativa: Sir John Harington. Ele construiu para o tia um vaso sanitário com
descarga. Foi instalado no palácio de Richmond.
Este rapaz também tentou mudar os padrões sanitário de Londres,
mas isso causou irritação nas autoridades e foi exilado.
Muitos gostam de ler no banheiro. Martinho Lutero também.
Por sofrer de constipação de último grau, passava horas a foi no troninho.
Quando angustiado pelas fezes infernais, ele tentava relaxar escrevendo reflexões
a seus amigos, como: “Mas se isso não for suficiente para ti, Demônio, já
caguei e mijei; agora limpe tua boca nisso e dê uma boa mordida!”
O rei Luís XIV se aliviava protegido apenas por uma cortina
vermelha, atrás da qual abaixava suas calças e sentava no penico. Esse ritual
poderia acontecer em qualquer lugar do palácio de Versalhes, e inclusive o rei
poderia manter longos diálogos a partir de seu “troninho”. O penico era
encaixado num suporte de madeira. Ele achou um desperdício de recursos construir
um cômodo apenas para banheiro... Como se o palácio inteiro não pudesse ser
classificado como um imenso desperdício.
O resultado dessa libertinagem sanitária era um chão imundo,
com uma película de excrementos, especialmente nas áreas públicas do palácio.
No auge da podridão, em decreto mandava limpar o chão do palácio uma vez por
semana... A mãe do rei foi flagrada fazendo xixi num canto do palácio,
visitantes deixavam suas “lembranças” pelo chão, etc. O hábito de defecar nas
escadas levou o rei Henrique IV a instituir multas a quem o fizesse. Surge a
súvida: mas e se o autor fosse o rei?
O Palácio de Fontainebleau somente dispunha de locais a céu
aberto para evacuar. A cena de lordes e damas se agachando atrás de um arbusto
era recorrente.
Nas casas que não dispunham de penico, usava-se o urinol, como
em Roma antiga. Ficava ao lado da cama e era muito comum na Europa até o século
XVIII. O problema ocorria quando alguém se esquecia de pô-lo no local correto.
Acordar apertado numa casa sem energia elétrica e não achar o penico
imediatamente levava a xixi no chão do quarto com frequência... Em jantares de
nobres, era comum um empregado pegar o urinol para o que o nobre urinasse no
corredor, enquanto a conversa continuava na mesa de jantar.
No século XVIII, a ideia de um cômodo para fazer cocô perdeu
o ar de desperdício e passou a merecer maiores reflexões. Inicialmente pareceu
lógico posicioná-lo do lado externo das residências. Embaixo dos mesmos, punha-se
a fossa.
Em Londres, no século XVIII, os ingleses usaram a
criatividade largamente para batizá-los: “necessary house”, “house of office” e
“bog house”. Costumava-se instalá-los no porão.
Evidentemente os problemas de projeto não paravam de surgir:
o buraco do cocô deveria ser grande o suficiente para um adulto sentar confortavelmente,
mas uma criança não poderia cair lá dentro; a fossa deveria ser revestida, para
evitar infiltração, mas isso fazia com que devesse ser limpa frequentemente )e
os profissionais que o faziam cobravam caro).
Em 1691, Augustin-Charles d`Aviler era um construtor de
mansões. Todos os seu projetos contemplavam encanamento para banheiros. Em
1728, Clarles-Etienne Briseux declarou que o penico era um “objeto do passado”.
Dez anos depois, Jean-Françoise Blondel aprimorou a descarga. Agora estava ao alcance
de todas as pessoas “elegantes”.
Evidentemente os franceses não perderiam a oportunidade.
Batizaram o banheiro de “Lieu à l`anglaise” (lugar inglês). Os mesmos
percalços, no entanto, surgiram: as pessoas deveriam se acostumar a usar os
mesmos. No início muitos chegavam a cagar no chão, ao lado do vaso.
Lorde Chesterfield usava os momentos em companhia do
sanitários para um ritual bastante interessante: ia ao banheiro com algumas
páginas de poesia em latim, de Horácio; depois de terminar suas “tarefas”,
limpava-se com aquelas poesias, em
sacrifício a Cloacina, a deusa do esgoto.
Em 1775, Alexander Cumming criou o deslizador mecânico: era
uma válcula posta abaixo do sanitário: após acionada, a água levava a merda
consigo cano abaixo. Em 1778, essa válcula foi substituída por uma outra com
mola – mais higiênica, pois a própria água a limpa antes de a válvula fechar.
A higiene e a privacidade ao cagar, na era vitoriana, deu
lugar a uma moralidade que chegava a ser sufocante. Agora, as pessoas não poderiam
sequer mencionar suas necessidades fisiológicas – em público, nunca.
Mas os pobres ainda não tinham acesso a banheiros
residenciais da mesma forma que os ricos.
Em 1851, ocorreu a Grande Exposição de Londres. Foi
realizada no Palácio de Cristal no Hyde Park. Receberam-se 50 mil pessoas por
dia. Foram 6 milhões os pagantes. Muito merda, não?
O encanador Josiah George Jennings foi contratado para
descobrir um jeito de dar conta das toneladas de fezes e urina pelos banheiros
públicos instalados no local. Para os homens comuns, havia mictóprios
gratuitos. Os mais afortunados pagavam 1 penny usavam modernos sanitários com
descarga. 827 mil pessoas fizeram uso deles. Ah! Em inglês, “to spend a penny”
ainda é sinônimo de ir ao banheiro.
Uma descoberta muito importante ocorreu por volta de 1850,
quando a Teoria Germinal descobriu que os suportes e partes de madeira eram
focos de doenças. Em 1884, a empresa de Jennings criou um vaso de porcelana,
sobre um pedestal, com encanamento em “S” para não liberar o odor, e uma
cisterna suspensa chumbada na parede. Ah! Havia também um assento articulado
que servia de mictório: as mulheres não reclamavam do estado do chão do
banheiro após uma visita do marido.
No entanto, o progresso é como um parto: tem suas dores. A
quantidade de casas em Londres que passaram a contar com banheiros, jogando
toneladas de esgoto in natura no Tâmisa, deu origem ao Grande Fedor, por volta
de 1860. Além do fedor nauseante por toda a cidade, doenças como cólera e
tifoide se alastraram: a água suja se infiltrava nos poços de abastecimento de
água espalhados pela cidade.
De fato, o perigo que isso representava havia sido avisado
anteriormente. Mas a resposta dos políticos era a mesma: reformar a rede de
esgoto de Londres seria excessivamente caro. Bom, após a tragédia em termos de
saúde pública, milagrosamente, o dinheiro apareceu!
Lembra das pessoas que ganhavam dinheiro dando finalidade ao
cocô e ao xixi, vendendo-os como fertilizantes? Muitos perceberam que essa
atividade havia sido extinta pelo sistema de jogar esgoto na água. O reverendo
Henry Moule criou uma privada ecológica, que vendia inclusive como antídoto
para o Grande Fedor. Eram as privadas antigas adaptadas; ogava-se terra e
cinzas sobre o cocô. O recolhimento era feito por homens que se moviam pela
cidade, retirando o recipiente sujo e entregando um limpo. Mas só seduziu os
mais preocupados com o meio ambiente – e quem não podia pagar pelo sanitário
moderno.
Ah! O papel higiênico começoui a ser produzido em 1857 por
Joseph Gayetty, perfumado com Aloe Vera. O picote para arrancar folhas surgiu
em 1870 e a folha dupla, em 1940.
Parece que os desenvolvimentos mais modernos surgiram na
Ásia, com os assentos-robô, como o modelo da Washlet: lança água e jatos de ar
quente.
Alguém inventa uma que dá um beijinho?
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário