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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

VOU LARGAR UM BARRO! A HISTÓRIA DA HUMANIDADE E DE SEU COCÔ – PARTE 2


A queda do Império Romano do Ocidente significou também uma queda drástica da qualidade da rede de esgoto. Não havia mais fontes de água corrente, nem banheiros públicos, nem esponjas de limpar a bunda...
Os padrões de outros povos europeus da época não ajudavam: os vikings defecavam nos quintais e se limpavam com pedaços de algodão, folhas, musgos e algas marinhas.

Quem de destacava em aspectos de limpeza e higiene eram os islâmicos. A questão da limpeza era especialmente importante após ir ao banheiro. Diz-se que Maomé afirmava: “Se o ânus for limpo com seixos, deveria ser usado em número ímpar”.

O papel pode ter sido usado desde o século II a.C. A história clássica fala em um eunuco da corte chinesa chamado Ts`ai Lun, que o teria inventado em 105 d.C. Seu papel higiênico era feito a partir de cascas de amoreira, redes de pesca e trapos.

O papel higiênico era levado da China para o Japão no século VII, embora seu uso não fosse tão difundido ainda. Aparentemente os japoneses ainda preferiam usar folhas, algas etc. Nos castelos, foram encontrados assentos em formato de U, posicionados sobre buracos que levavam a fossos por onde passava água corrente.

Já na Inglaterra, bem, no fim da Idade Média a Ponte de Londres eram uma espécie de vaso sanitário suspenso. Contava com banheiros públicos em toda sua extensão. Quando alguém soltava o barro, ouvia-se o barulho na água... a menos que tivesse parado na cabeça de algum barqueiro. Era nojento mas a água do Tâmisa levava o mau odor consigo.

Jogar o esgoto num rio corrente, em locais com baixa concentração populacional, não é de todo insensato. Mas cheias sazonais poderiam levá-las de volta para as casas.

Havia também os limpadores de fossas: os gongfermes. Auferiam bons recursos com seu trabalho, mas era tão nojento que só se fazia à noite. No caso das famílias reais, havia também o orgulhoso “limpador de penico”. O rei poderia solicitar que ele cheirasse seu peido também, em busca de problemas de saúde eventuais. Ah, claro. Recebiam bem e tinham prestígio.

Atualmente, nossas privadas possuem descarga. Muitos poderiam supor que se trata de algo bastante moderno, mas seu protótipo é velho de 4 séculos. Elizabeth I, filha de Henrique VIII, tinha um afilhado de mente criativa: Sir John Harington. Ele construiu para o tia um vaso sanitário com descarga. Foi instalado no palácio de Richmond.

Este rapaz também tentou mudar os padrões sanitário de Londres, mas isso causou irritação nas autoridades e foi exilado.

Muitos gostam de ler no banheiro. Martinho Lutero também. Por sofrer de constipação de último grau, passava horas a foi no troninho. Quando angustiado pelas fezes infernais, ele tentava relaxar escrevendo reflexões a seus amigos, como: “Mas se isso não for suficiente para ti, Demônio, já caguei e mijei; agora limpe tua boca nisso e dê uma boa mordida!”

O rei Luís XIV se aliviava protegido apenas por uma cortina vermelha, atrás da qual abaixava suas calças e sentava no penico. Esse ritual poderia acontecer em qualquer lugar do palácio de Versalhes, e inclusive o rei poderia manter longos diálogos a partir de seu “troninho”. O penico era encaixado num suporte de madeira. Ele achou um desperdício de recursos construir um cômodo apenas para banheiro... Como se o palácio inteiro não pudesse ser classificado como um imenso desperdício.

O resultado dessa libertinagem sanitária era um chão imundo, com uma película de excrementos, especialmente nas áreas públicas do palácio. No auge da podridão, em decreto mandava limpar o chão do palácio uma vez por semana... A mãe do rei foi flagrada fazendo xixi num canto do palácio, visitantes deixavam suas “lembranças” pelo chão, etc. O hábito de defecar nas escadas levou o rei Henrique IV a instituir multas a quem o fizesse. Surge a súvida: mas e se o autor fosse o rei?

O Palácio de Fontainebleau somente dispunha de locais a céu aberto para evacuar. A cena de lordes e damas se agachando atrás de um arbusto era recorrente.

Nas casas que não dispunham de penico, usava-se o urinol, como em Roma antiga. Ficava ao lado da cama e era muito comum na Europa até o século XVIII. O problema ocorria quando alguém se esquecia de pô-lo no local correto. Acordar apertado numa casa sem energia elétrica e não achar o penico imediatamente levava a xixi no chão do quarto com frequência... Em jantares de nobres, era comum um empregado pegar o urinol para o que o nobre urinasse no corredor, enquanto a conversa continuava na mesa de jantar.
No século XVIII, a ideia de um cômodo para fazer cocô perdeu o ar de desperdício e passou a merecer maiores reflexões. Inicialmente pareceu lógico posicioná-lo do lado externo das residências. Embaixo dos mesmos, punha-se a fossa.

Em Londres, no século XVIII, os ingleses usaram a criatividade largamente para batizá-los: “necessary house”, “house of office” e “bog house”. Costumava-se instalá-los no porão.

Evidentemente os problemas de projeto não paravam de surgir: o buraco do cocô deveria ser grande o suficiente para um adulto sentar confortavelmente, mas uma criança não poderia cair lá dentro; a fossa deveria ser revestida, para evitar infiltração, mas isso fazia com que devesse ser limpa frequentemente )e os profissionais que o faziam cobravam caro).

Em 1691, Augustin-Charles d`Aviler era um construtor de mansões. Todos os seu projetos contemplavam encanamento para banheiros. Em 1728, Clarles-Etienne Briseux declarou que o penico era um “objeto do passado”. Dez anos depois, Jean-Françoise Blondel aprimorou a descarga. Agora estava ao alcance de todas as pessoas “elegantes”.

Evidentemente os franceses não perderiam a oportunidade. Batizaram o banheiro de “Lieu à l`anglaise” (lugar inglês). Os mesmos percalços, no entanto, surgiram: as pessoas deveriam se acostumar a usar os mesmos. No início muitos chegavam a cagar no chão, ao lado do vaso.

Lorde Chesterfield usava os momentos em companhia do sanitários para um ritual bastante interessante: ia ao banheiro com algumas páginas de poesia em latim, de Horácio; depois de terminar suas “tarefas”, limpava-se com aquelas poesias,  em sacrifício a Cloacina, a deusa do esgoto.

Em 1775, Alexander Cumming criou o deslizador mecânico: era uma válcula posta abaixo do sanitário: após acionada, a água levava a merda consigo cano abaixo. Em 1778, essa válcula foi substituída por uma outra com mola – mais higiênica, pois a própria água a limpa antes de a válvula fechar.

A higiene e a privacidade ao cagar, na era vitoriana, deu lugar a uma moralidade que chegava a ser sufocante. Agora, as pessoas não poderiam sequer mencionar suas necessidades fisiológicas – em público, nunca.

Mas os pobres ainda não tinham acesso a banheiros residenciais da mesma forma que os ricos.
Em 1851, ocorreu a Grande Exposição de Londres. Foi realizada no Palácio de Cristal no Hyde Park. Receberam-se 50 mil pessoas por dia. Foram 6 milhões os pagantes. Muito merda, não?

O encanador Josiah George Jennings foi contratado para descobrir um jeito de dar conta das toneladas de fezes e urina pelos banheiros públicos instalados no local. Para os homens comuns, havia mictóprios gratuitos. Os mais afortunados pagavam 1 penny usavam modernos sanitários com descarga. 827 mil pessoas fizeram uso deles. Ah! Em inglês, “to spend a penny” ainda é sinônimo de ir ao banheiro.

Uma descoberta muito importante ocorreu por volta de 1850, quando a Teoria Germinal descobriu que os suportes e partes de madeira eram focos de doenças. Em 1884, a empresa de Jennings criou um vaso de porcelana, sobre um pedestal, com encanamento em “S” para não liberar o odor, e uma cisterna suspensa chumbada na parede. Ah! Havia também um assento articulado que servia de mictório: as mulheres não reclamavam do estado do chão do banheiro após uma visita do marido.

No entanto, o progresso é como um parto: tem suas dores. A quantidade de casas em Londres que passaram a contar com banheiros, jogando toneladas de esgoto in natura no Tâmisa, deu origem ao Grande Fedor, por volta de 1860. Além do fedor nauseante por toda a cidade, doenças como cólera e tifoide se alastraram: a água suja se infiltrava nos poços de abastecimento de água espalhados pela cidade.

De fato, o perigo que isso representava havia sido avisado anteriormente. Mas a resposta dos políticos era a mesma: reformar a rede de esgoto de Londres seria excessivamente caro. Bom, após a tragédia em termos de saúde pública, milagrosamente, o dinheiro apareceu!

Lembra das pessoas que ganhavam dinheiro dando finalidade ao cocô e ao xixi, vendendo-os como fertilizantes? Muitos perceberam que essa atividade havia sido extinta pelo sistema de jogar esgoto na água. O reverendo Henry Moule criou uma privada ecológica, que vendia inclusive como antídoto para o Grande Fedor. Eram as privadas antigas adaptadas; ogava-se terra e cinzas sobre o cocô. O recolhimento era feito por homens que se moviam pela cidade, retirando o recipiente sujo e entregando um limpo. Mas só seduziu os mais preocupados com o meio ambiente – e quem não podia pagar pelo sanitário moderno.

Ah! O papel higiênico começoui a ser produzido em 1857 por Joseph Gayetty, perfumado com Aloe Vera. O picote para arrancar folhas surgiu em 1870 e a folha dupla, em 1940.

Parece que os desenvolvimentos mais modernos surgiram na Ásia, com os assentos-robô, como o modelo da Washlet: lança água e jatos de ar quente.

Alguém inventa uma que dá um beijinho?


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia...”

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