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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

DE PORQUINHOS A LIMPINHOS: COMO INVENTAMOS O BANHO


Assim como os chimpanzés, temos piolhos. Porém, os nossos são mais bem adaptados a corpos sem pelos. Existem em dois tipos, capilares e púbicos.

No entanto, há cerca de 70 mil anos, os piolhos capilares evoluíram para um terceiro tipo, adaptado a tecidos. Por isso eles servem como marcadores do momento em que passamos a usar roupas.
Portanto as pessoas da Idade das Pedras tomavam banhos regularmente e muitos dos sítios arqueológicos descobertos ficam a curtas distâncias de fontes termais.

O passo seguinte ocorreu na Idade do Bronze. As regiões onde hoje se localizam o Paquistão e a Índia era habita por um povo conhecido como harappianos, reconhecidos pela higiene. As cidades que eles construíram possuíam sistemas de esgoto feitos de tijolos e gesso. Calhas nas margens das ruas direcionavam a água para o sistema de canos subterrâneos. Construções de vários andares também tinham encanamento ligando todos os pisos.

Como a região é notória pela falta de chuvas, a água que eles pensavam em canalizar vinha do subsolo. Mohenjo-Daro tinha mais de 700 poços revestidos de tijolos que forneciam água à vontade e a todos. Construíram até uma piscina enorme: a Grande Banheira, de 12 X 7 metros quadrados. Ficava dentro de um Templo, no alto de uma montanha.

Os sacerdotes egípcios tinham horror a piolhos. Para evitá-los, raspavam todos os pelos do corpo. Também se banhavam 5 vezes por dia. Mas isso não refletia um hábito arraigado, pois o resto da população não tinha tanto asseio assim com sua higiene.

Os ricos, como costuma ocorrer em todas as civilizações, buscavam se diferenciar. Possuíam banheiros residenciais, de chão de pedra impermeável e escoamento da água por canais subterrâneos. Pela manhã lavavam o rosto e as mãos rapidamente. À noite tomavam um banho completo, com baldes. Os pobres se levavam no Nilo. Ambos usavam sabonete à base de gordura animal e vegetal.

Ao norte da ilha de Creta, no Mediterrâneo, fica as ruínas de Cnossos. A cidade antiga possuía aquedutos vindos das colinas próximas. Como o encanamento descoberto é duplo, deveria servir para água fria e quente.

Em Olinto, ainda na Grécia antiga, arqueólogos descobriram casas equipadas com banheiras de terracota, provavelmente aquecidas pelos fogareiros das cozinhas. Essas instalavam também pias na parede, chamadas delouter.

Para uma limpeza completa, usavam-se os banhos públicos – balaneion, bastante comuns em Atenas. Possuíam assentos individuais instalados em círculos, facilitando a socialização. Empregados lavavam os visitantes com sabonetes chamados rhymma. Havia também saunas com uma piscina gelada, para um mergulho posterior ao suadouro.

Os banhos romanos também eram quentes: chamavam-se thermae. Os sistemas de aquecimento se chamava hypocaust: uma vapor superaquecido subia por entre pilares, vindo da fornalha operada por escravos. Aquecia salas e piscinhas localizadas acima.

Homens e mulheres se banhavam separadamente, embora na mesma instalação. Os horários de visitação também eram diferenciados: mulheres, escravos e criados pela manhã; homens, à tarde.

O uso seguia o seguinte roteiro: entrava-se pelo pátio de exercício, a palaestra. Lá, ele ficava suado. De lá, seguia para a sala de troca, o apodyterium – o visitante deveria constratar um escravo para cuidar de sua toga, prevenindo-se contra ladrões. O cômodo seguinte era o átrio principal, aquecido: o tepidarium. Adiante, se alinhavam os cômodos menos aquecidos.

Caso desejasse, o visitante poderia seguir em direção à sala de vapor: a sudatoria. Se quisesse mergulhar numa pi9scina quente, deveria ir ao caldarium. Escravos espalhavam óleo no corpo do visitante e raspavam a sujeira com um estilete chamado strigil.

Se optasse por um banho frio antes de outra aplicação de óleo e raspagem, havia o frigidarium à disposição.
A escala dessas construções poderia impressionar. OS Banhos de Caracalla, do século III, tinha lotação superior a 1.600 pessoas e a casa principal equivalia a dois campos de futebol americano. Ah! Possuíam duas bibliotecas, também.

O acesso à água era um direito essencial de todos os romanos, cidadão ou escravo. Os banhos romanos eram um símbolo da civilização. Eram até mesmo usados para atrair os bárbaros recém-conquistados. Mas a água que abastecia Roma não era distribuída equanimemente: 10% pertenciam ao Imperador; 40% para os contribuintes – quem poderia pagar impostos; 50% seguiam para as casas de banho comunitárias e fontes públicas. Ou seja, os pobres não tinham abastecimento de água residencial.

Algo mudou após a ascensão do cristianismo a religião oficial. Os primeiros pensadores cristãos viam os banhos como locais de depravação, perdição e de muitos pecados. Clemente de Alexandria via quatro motivos para ir a uma casa de banho: calor, prazer, saúde e limpeza. Os cristãos somente poderiam ir a um local daqueles pelas duas últimas razões. Os banhos nunca deveriam vir acompanhados de prazer... nem gente estranha pelada.

Na visão de São Jerônimo – grande opositor das casas de banho e, possivelmente, do banho em si –, tradutor da Bíblia para o latim, a água quente excitava a região da virilha e estimulava especialmente as virgens. Sua famosa frase denotava um típico porquinho que espalharia seus péssimos hábitos por toda a Idade Média: “Aquele que foi banhado em Cristo não precisa de um segundo banho”. Inspirou-se em outra avessa ao banho, Santa Paula de Roma: “Um corpo limpo e um vestido limpo são o mesmo que uma alma suja”. Frase de efeito direcionada às virgens – talvez ela quisesse que elas assim permanecessem...

Nos mosteiros, códigos de conduta regulavam todos os aspectos do dia a dia,  inclusive o banho. São Benedito, fundador da Ordem Beneditina tolerava banhos ocasionais: “Que os banhos sejam permitidos aos doentes, sempre que necessário; mas que sejam apenas raramente permitidos aos sadios, e especialmente aos jovens”. Enfim,banho só na Páscoa, Natal e Pentecostes.

O islamismo pensava de maneira totalmente distinta. A limpeza equivale a “metade da fé”, conforme Maomé. A limpeza segue rituais inflexíveis. O dia começa com abluções – wudhu -, que precedem as cinco orações diárias. Repete-se o mesmo após ir ao banheiro.

Outra contribuição dos islâmicos em nome da higiene foi a ampliação dos banhos públicos: os hammams, que se tornaram os banhos turcos a vapor. O banho de corpo todo era o ghusl. No século IX, Bagdá possuía 1.500 casas de banho. O banho era gratuito a todos.

Os vikings eram especialmente atraídos por saunas ferventes. Os homens saíam aos sábados para tomar um bom banho – era o laudag, ou dia de lavar-se. Membros do povo Rus sueco, fundadores da Rússia, eram ainda mais asseados: lavavam rosto e cabelo diariamente, trabalho executado por jovens criadas.

Um holandês, David de Vries, no século XVII descreveu o pesapunck, banho a vapor de tribos localizadas na costa do Atlântico, pré-colombianas. Era uma cabana, com um pequeno forno de madeira coberto de argila. Construídas perto de lagos e rios permitiam um banho frio após o suadouro.

Mercadores holandeses também forneceram testemunhos da limpeza e do asseio japoneses. Banhavam-se nas fontes termais localizadas nas montanhas vulcânicas. Chamavam-nas de onsen. Também usavam essa água nos banhos públicos: os sento.

A união entre a limpeza praticada no Oriente Médio e a sujeira orgulhosa europeia, por ocasião das Cruzadas, ajudou a mudar os hábitos de higiene na Europa.

Tomás de Aquino, teólogo do século XIII, era um forte defensor do uso do incenso de purificação, comum no Oriente Médio. Não demoraram a chegar versões europeias dos Hammams islâmicos. Em 1290, Paris contava com 26 delas. Nada comparável a Bagdá, mas demonstravam progressos.

Mas o pregresso não durou muito. A Peste Negra levou à total repressão aos banhos públicos.

No século XVI, Elizabeth I instalou uma banheira em seu palácio e declarou orgulhosamente tomar banho uma vez por mês. Mas era exceção. O rei Jaime lavava apenas os dedos, numa bacia. Essa prática foi impactada pelo linho. A descoberta do tecido e a criação de uma técnica que procurava isolar o corpo da sujeira levaram muitos a abandonarem de vez o banho. Enrolavam as pessoas em linho e apenas trocavam os trapos, posteriormente.

Francis Bacon foi um dos adeptos do linho, em vez do banho. Criou até um método de “impermeabilização” de humanos.

Reis e rainhas com cheiro e gambá eram muito comuns. Lady Mary Wortley Montagu era uma notória imunda. Quando comentavam sobre suas mãos imundas, replicava dizendo: “O que você diria vendo meus pés?”.

Tendo a medicina derrubado teses absurdas que encantavam os porquinhos, a postura diante do banho também mudou. As próprias linhas de pensamento científicas levaram à noção de que a água, parte do mundo natural, não poderia ser prejudicial à saúde.

As conquistas de terras no Egito e além, por Napoleão, o levaram a adotar o hábito de passar longas horas na banheira.

Ah! Após descobrir os banhos turcos, Lady Mary Wortley ficou fascinada com a ideia do banho que chegou a adotar até o xampu.

A adoção de banho, banheira, sabonete dentre outros itens de higiene pela nobreza levou à sua adoção por endinheirados. Banheiras de madeira ou estanho passaram a ter vez dentro de residências sofisticadas. Os banheiros contavam agora com banheira, ducha, torneiras de água fria e quente, vasos sanitários, tudo alimentado por água em cisterna.

As banheiras vinham com um fogareiro abaixo, para aquecer a água. Outras residências instalavam caldeiras no andar térreo das residências.

Os sabonetes são um capítulo à parte. Inicialmente, na Idade do Bronze, era apenas ervas, alguns usando cinzas e gordura animal. Os gregos preferiram óleos corporais e raspagem. Os árabes islâmicos inventaram o sabonete feito de oliva. Entrou na Europa pela Espanha.

Na exposição de 1851, Londres testemunhou uma profusão de sabonetes de todo tipo – muitos deles perfumados. A marca mais antiga já estava presente por lá: sabonetes Pears, feitos com glicerina e óleos naturais.

Mas o sucesso de mercado era feito de óleo de Palma e azeite de Oliva: Palmolive.
Em 1880 surgiram os desodorantes. Eram à base de cera. O desodorante à base de cloreto de alumínio surgiu em 1907.

Resumindo: banho é água mais extratos de frutas e plantas. E é uma questão de higiene, apenas.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”


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