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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

HISTÓRIA DO COMPUTADOR: 2ª PARTE – A MÁQUINA DE TURING


Depois que Hitler tomou o poder na Alemanha, em 1933, muitos dos brilhantes exilados alemães passaram por Cambridge. Turing estudava por lá na época, e ouviria Schrodinger falar sobre mecânica quântica. Max Born ministrou um curso inteiro. Richard Courant ensinou equações diferenciais.

Alguns deles tentaram achar axiomas básicos que contradissessem Godel e mostrassem que na matemática tinha sólidas bases formais. Outras deram de ombros e diziam que o que importava na matemática era sua verdade, o fato de que funcionava, não sua coerência teórica.

O passo dado por Turing, foi tentar montar um sistema básico de axiomas matemáticos que deixasse de fora quaisquer proposições arbitrárias. Pela aplicação de um conjunto de regras derivadas dos axiomas básicos, poderiam ser identificadas proposições arbitrárias. Uma série de passos fixos seriam dispostos como procedimentos mecânicos, que poderiam ser seguidos por qualquer pessoa, ou uma máquina.

Essas regras seriam processadas por uma máquina, cuja natureza teórica Turing delineou e ficou conhecida como “máquina de Turing”. Ela seguiria regras e seria capaz de calcular tudo o que pudesse ser expresso como um algoritmo – que é uma sequência de passos que leva a uma conclusão. 
Um exemplo de um algoritmo: “para descobrir os fatores de 180, divida-o pelo menor número primo pelo qual é divisível, até que o primo não mais o divida; repita o processo com o primo ascendente, até que não haja mais divisão possível.”

Turing então propôs uma máquina universal, que codificaria o procedimento de uma outra máquina de Turing qualquer.

Turing publicou seus trabalhos em “On computable numbers, with na apllication to the Entscheidungsproblem.” A última palavra indizível se refere ao problema da determinabilidade de Hilbert, que levou a todos os estudos sobre a incompletude teórica da matemática, isto é, era uma ciência que aceitava contradições em seu cerne, como proposições arbitrárias, que não poderiam ser julgadas verdadeiras nem refutadas.

Ao traçar os limites teóricos de sua máquina, Turing deixou de fora todas as implicações acerca de números calculáveis, definindo precisamente uma maneira de lidar com quais quer cálculos executados pela máquina. Tratava-se de um computador teórico.

O passo seguinte seria, agora, sua construção. Mas era um projeto ambicioso demais para a época. Seria necessária ainda um número razoável de pessoas que compreendessem a profundidade suas ideias, também.

Quando da publicação de seu histórico artigo, Turing estava fazendo seu doutorado em Princeton, EUA. Turing estava cercado por Einstein, Godel, Courant, Hardy ... Aquele de quem se tornou mais próximo foi “Johnny” von Neumann, vienense apaixona por matemática e por coquetéis. Neumann compreendeu bem as façanhas teóricas de Turing. Chamaram o novo ramo do conhecimento de computabilidade, à falta de nome melhor.

Depois de uma depressão e de recusar uma proposta de trabalho nos EUA, Turing retornou à Grã Bretanha e a Cambridge. Conheceu o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Assistiu às defesas de Wittgenstein no sentido de que, na matemática, natureza e aplicação eram matérias distintas, o que num certo sentido contradizia o ponto de vista que Turing defendera em seu artigo. Turing via um vínculo muito profundo entre matemática pura e aplicada. Via proposições indetermináveis onde o filósofo austríaco não via.

Em 1939, eclodiu a II Guerra Mundial. Turing foi designado para missões de informações secretas, numa equipe de decifração de códigos, em Bletchley Park, 100 km ao norte de Londres. Tornou-se conhecido por sua conduta desconcertante para a formalidade de uma instalação militar.

A equipe de Turing deveria desvendar os códigos cifrados por uma máquina alemã chamada Enigma. Consistia em duas máquinas interligadas. A máquina emissora era controlada por uma chave e um teclado, onde se introduzia a mensagem não cifrada. Três ou mais rotores embaralhavam a mensagem, fazendo uso de bobinas elétricas. A posição de cada rotor era dada pela posição da chave setada. A mensagem era então transmitida.

Na outra ponta, outra máquina Enigma era codificada conforme a chave usada na primeira codificação. Após teclar cada palavra da mensagem cifrada, a letra original era mostrada em um visor.    

Bilhões de permutações eram possíveis por meio dos rotores. Decifrá-la era uma tarefa hercúlea. As chaves eram alteradas três vezes por dia. Se a mesma tecla fosse digitada duas vezes seguidas, códigos diferentes eram usados por causa do movimento dos rotores. As mensagens mais sensíveis eram codificadas por máquinas com dez rotores.

O trabalho da equipe de Turing exigia uma máquina capaz de realizar todas as permutas possíveis e realizar a engenharia reversa que decifraria as mensagens. Tarefa para a máquina de Turing: Era um trabalho de decodificação que poderia ser resumido em algoritmos, instruções lógicas, capazes de serem introduzidas em uma máquina, que seria alimentada com fitas e processaria as instruções seguindo dígitos binários (bits).

Puseram-se a construir uma máquina eletromagnética capaz de procurar regularidades, traços recorrentes ou combinações passíveis de decifração. Seu nome era Colossus e foram construídas dez versões delas, em Bletchley. A primeira entrou em operação em 1943. Usava 2.400 tubos de vácuo. Seus cinco processadores liam 25.000 caracteres por segundo.

Quando as reservas de alimentos da Grã Bretanha eram suficientes para apenas mais uma semana, Colossus conseguiu fazer as primeiras decifrações – primeiros em horas, depois em minutos. Em pouco tempo, as coordenadas que dava eram impressionantemente precisas. As perdas de submarinos alemães se avolumavam. As peras de navios aliados quase cessaram. As comunicações alemães eram, agora, um livro aberto.

Nos EUA, os americanos começaram a construção do ENIAC (apelidade de máquina de Von Neumann), na Universidade da Pensilvânia. Era maior que o Colossus – 19.000 válvulas – mas só ficou pronto após a guerra. Poucos sabiam, mas os alemães estavam produzindo sua própria versão, mas o laboratório responsável por ele foi bombardeado, em 1944.

Em 1945, Turing ingressa no National Physical Laboratory. Iniciou a construção do ACE – Automatic Computing Engine. Era muito superior ao ENIAC e seu projeto se mostrou um desafio de engenharia – sem falar na falta de verbas em tempo de escassez ...

Pouco tempo depois retornou para Cambridge e iniciou estudos sobre “mecanismos inteligentes”. Elaborou elocubrações sobre uma máquina capaz de fazer uma abordagem mecanicista da inteligência ... o que era bastante determinístico, e levantou objeções filosóficas importantes. O principal elemento do debate era o livre-arbítrio, que parecia fazer descartar a hipótese de que a inteligência se comporta de maneira mecânica.

Turing argumentava que, mesmo máquinas determinísticas são capazes de comportamento aleatório – como dar defeito, por exemplo -, similar ao livre-arbítrio. Ele propunha que máquinas são capazes de aprender. Aprenderiam até o nível em que exibiriam inteligência. Xadrez, por exemplo.

Turing fez o debate retornar aos tempos do nascimento da filosofia. O que é ser humano? O que é inteligência? Mas agora com um novo ingrediente: uma máquina. Turing tinha 35 anos e era um intelecto brilhante no King`s College de Cambridge.

Essa universidade iniciou a construção do EDSAC – Eletronic Delay Storage Automatic Computer -, mas Turing manteve-se distante. Terminou indo para a Universidade de Manchester, como diretor do laboratório de computação. Ajudou na construção do computador concorrente: o MADAM – Manchester Automatic Digital Machine, o primeiro com programa armazenado internamente.

MADAM entrou em funcionamento em 1948, decompondo números em seus fatores primos. Seguia plenamente as especificações teóricas de uma máquina de Turing. Armazenava até 128 palavras de 40 bits. Foi usado no projeto da Saint Lawrence Seaway.

Turing chegou a ensiná-la a jogar xadrez e compor cartas de amor ... o que só contribuiu para sua fama de excêntrico e deixou alguns assistentes um tanto decepcionados. Entretanto ele sabia o que estava fazendo e muitos de seus trabalhos levantam questionamentos até hoje. Publicou suas ideias sobre inteligência artificial em seu artigo “Computing machinery and intelligence”, em 1950.

Propôs o teste de Turing, para saber se uma máquina era inteligente ou não: pô-la atrás de um biombo e fazer um ser humano interrogá-la. O ser humano decidiria ser falara com uma pessoa ou com uma máquina. Somente sabemos se uma pessoa é inteligente ou não ao compararmos com o referencial que temos: nós mesmos.

Aos que argumentavam que máquinas só fazem o que programamos para que façam, ele respondia: quando programamos um computador, temos somente uma ideia nebulosa do que o ajustamos para fazer. Não há como avaliar todas as implicações possíveis.

Essas reflexões levaram Turing ao campo da morfogênese: o desenvolvimento de padrões em organismos em crescimento. Observou que qualquer organismo vivo cresce no sentido da complexidade, partido da simplicidade. Publicou “The chemical basis of morphogenesis”, em 1952. Coincidiu com a descoberta da hélice dupla do DNA, por Watson e Crick. Porém, a linguagem que Turing procurava descobrir era da matemática da vida ...

Turing observou que flores, plantas e células exibiam e desenvolviam padrões. Às vezes sequências matemáticas, como Fibonacci.

Foi eleito para a Royal Society em 1951, aos 39 anos.

Após uma pena por “indecência flagrante”, uma espécie de crime de homossexualidade, foi submetido a um tratamento à base de hormônios (uma cura gay, da época), que o levou a uma profunda depressão. Suicidou-se comendo uma maça envenenada com cianeto, em 7 de junho de 1954.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Turing e o computador em 90 minutos”  

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