Depois que Hitler tomou o poder
na Alemanha, em 1933, muitos dos brilhantes exilados alemães passaram por
Cambridge. Turing estudava por lá na época, e ouviria Schrodinger falar sobre mecânica
quântica. Max Born ministrou um curso inteiro. Richard Courant ensinou equações
diferenciais.
Alguns deles tentaram achar
axiomas básicos que contradissessem Godel e mostrassem que na matemática tinha
sólidas bases formais. Outras deram de ombros e diziam que o que importava na
matemática era sua verdade, o fato de que funcionava, não sua coerência
teórica.
O passo dado por Turing, foi tentar
montar um sistema básico de axiomas matemáticos que deixasse de fora quaisquer
proposições arbitrárias. Pela aplicação de um conjunto de regras derivadas dos
axiomas básicos, poderiam ser identificadas proposições arbitrárias. Uma série
de passos fixos seriam dispostos como procedimentos mecânicos, que poderiam ser
seguidos por qualquer pessoa, ou uma máquina.
Essas regras seriam processadas
por uma máquina, cuja natureza teórica Turing delineou e ficou conhecida como “máquina
de Turing”. Ela seguiria regras e seria capaz de calcular tudo o que pudesse ser
expresso como um algoritmo – que é uma sequência de passos que leva a uma
conclusão.
Um exemplo de um algoritmo: “para descobrir os fatores de 180,
divida-o pelo menor número primo pelo qual é divisível, até que o primo não mais
o divida; repita o processo com o primo ascendente, até que não haja mais divisão
possível.”
Turing então propôs uma máquina
universal, que codificaria o procedimento de uma outra máquina de Turing
qualquer.
Turing publicou seus trabalhos em
“On computable numbers, with na apllication to the Entscheidungsproblem.” A
última palavra indizível se refere ao problema da determinabilidade de Hilbert,
que levou a todos os estudos sobre a incompletude teórica da matemática, isto
é, era uma ciência que aceitava contradições em seu cerne, como proposições
arbitrárias, que não poderiam ser julgadas verdadeiras nem refutadas.
Ao traçar os limites teóricos de
sua máquina, Turing deixou de fora todas as implicações acerca de números calculáveis,
definindo precisamente uma maneira de lidar com quais quer cálculos executados
pela máquina. Tratava-se de um computador teórico.
O passo seguinte seria, agora,
sua construção. Mas era um projeto ambicioso demais para a época. Seria
necessária ainda um número razoável de pessoas que compreendessem a profundidade
suas ideias, também.
Quando da publicação de seu histórico
artigo, Turing estava fazendo seu doutorado em Princeton, EUA. Turing estava
cercado por Einstein, Godel, Courant, Hardy ... Aquele de quem se tornou mais
próximo foi “Johnny” von Neumann, vienense apaixona por matemática e por
coquetéis. Neumann compreendeu bem as façanhas teóricas de Turing. Chamaram o
novo ramo do conhecimento de computabilidade, à falta de nome melhor.
Depois de uma depressão e de
recusar uma proposta de trabalho nos EUA, Turing retornou à Grã Bretanha e a
Cambridge. Conheceu o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Assistiu às
defesas de Wittgenstein no sentido de que, na matemática, natureza e aplicação
eram matérias distintas, o que num certo sentido contradizia o ponto de vista que
Turing defendera em seu artigo. Turing via um vínculo muito profundo entre
matemática pura e aplicada. Via proposições indetermináveis onde o filósofo austríaco
não via.
Em 1939, eclodiu a II Guerra Mundial.
Turing foi designado para missões de informações secretas, numa equipe de
decifração de códigos, em Bletchley Park, 100 km ao norte de Londres. Tornou-se
conhecido por sua conduta desconcertante para a formalidade de uma instalação
militar.
A equipe de Turing deveria desvendar
os códigos cifrados por uma máquina alemã chamada Enigma. Consistia em duas
máquinas interligadas. A máquina emissora era controlada por uma chave e um
teclado, onde se introduzia a mensagem não cifrada. Três ou mais rotores
embaralhavam a mensagem, fazendo uso de bobinas elétricas. A posição de cada
rotor era dada pela posição da chave setada. A mensagem era então transmitida.
Na outra ponta, outra máquina
Enigma era codificada conforme a chave usada na primeira codificação. Após
teclar cada palavra da mensagem cifrada, a letra original era mostrada em um visor.
Bilhões de permutações eram
possíveis por meio dos rotores. Decifrá-la era uma tarefa hercúlea. As chaves
eram alteradas três vezes por dia. Se a mesma tecla fosse digitada duas vezes
seguidas, códigos diferentes eram usados por causa do movimento dos rotores. As
mensagens mais sensíveis eram codificadas por máquinas com dez rotores.
O trabalho da equipe de Turing
exigia uma máquina capaz de realizar todas as permutas possíveis e realizar a
engenharia reversa que decifraria as mensagens. Tarefa para a máquina de
Turing: Era um trabalho de decodificação que poderia ser resumido em
algoritmos, instruções lógicas, capazes de serem introduzidas em uma máquina,
que seria alimentada com fitas e processaria as instruções seguindo dígitos
binários (bits).
Puseram-se a construir uma
máquina eletromagnética capaz de procurar regularidades, traços recorrentes ou
combinações passíveis de decifração. Seu nome era Colossus e foram construídas
dez versões delas, em Bletchley. A primeira entrou em operação em 1943. Usava
2.400 tubos de vácuo. Seus cinco processadores liam 25.000 caracteres por
segundo.
Quando as reservas de alimentos da
Grã Bretanha eram suficientes para apenas mais uma semana, Colossus conseguiu
fazer as primeiras decifrações – primeiros em horas, depois em minutos. Em
pouco tempo, as coordenadas que dava eram impressionantemente precisas. As
perdas de submarinos alemães se avolumavam. As peras de navios aliados quase
cessaram. As comunicações alemães eram, agora, um livro aberto.
Nos EUA, os americanos começaram
a construção do ENIAC (apelidade de máquina de Von Neumann), na Universidade da
Pensilvânia. Era maior que o Colossus – 19.000 válvulas – mas só ficou pronto após
a guerra. Poucos sabiam, mas os alemães estavam produzindo sua própria versão,
mas o laboratório responsável por ele foi bombardeado, em 1944.
Em 1945, Turing ingressa no National
Physical Laboratory. Iniciou a construção do ACE – Automatic Computing Engine.
Era muito superior ao ENIAC e seu projeto se mostrou um desafio de engenharia –
sem falar na falta de verbas em tempo de escassez ...
Pouco tempo depois retornou para
Cambridge e iniciou estudos sobre “mecanismos inteligentes”. Elaborou
elocubrações sobre uma máquina capaz de fazer uma abordagem mecanicista da
inteligência ... o que era bastante determinístico, e levantou objeções
filosóficas importantes. O principal elemento do debate era o livre-arbítrio,
que parecia fazer descartar a hipótese de que a inteligência se comporta de
maneira mecânica.
Turing argumentava que, mesmo
máquinas determinísticas são capazes de comportamento aleatório – como dar
defeito, por exemplo -, similar ao livre-arbítrio. Ele propunha que máquinas
são capazes de aprender. Aprenderiam até o nível em que exibiriam inteligência.
Xadrez, por exemplo.
Turing fez o debate retornar aos
tempos do nascimento da filosofia. O que é ser humano? O que é inteligência?
Mas agora com um novo ingrediente: uma máquina. Turing tinha 35 anos e era um
intelecto brilhante no King`s College de Cambridge.
Essa universidade iniciou a
construção do EDSAC – Eletronic Delay Storage Automatic Computer -, mas Turing
manteve-se distante. Terminou indo para a Universidade de Manchester, como
diretor do laboratório de computação. Ajudou na construção do computador
concorrente: o MADAM – Manchester Automatic Digital Machine, o primeiro com
programa armazenado internamente.
MADAM entrou em funcionamento em
1948, decompondo números em seus fatores primos. Seguia plenamente as especificações
teóricas de uma máquina de Turing. Armazenava até 128 palavras de 40 bits. Foi
usado no projeto da Saint Lawrence Seaway.
Turing chegou a ensiná-la a jogar
xadrez e compor cartas de amor ... o que só contribuiu para sua fama de excêntrico
e deixou alguns assistentes um tanto decepcionados. Entretanto ele sabia o que
estava fazendo e muitos de seus trabalhos levantam questionamentos até hoje.
Publicou suas ideias sobre inteligência artificial em seu artigo “Computing
machinery and intelligence”, em 1950.
Propôs o teste de Turing, para
saber se uma máquina era inteligente ou não: pô-la atrás de um biombo e fazer
um ser humano interrogá-la. O ser humano decidiria ser falara com uma pessoa ou
com uma máquina. Somente sabemos se uma pessoa é inteligente ou não ao
compararmos com o referencial que temos: nós mesmos.
Aos que argumentavam que máquinas
só fazem o que programamos para que façam, ele respondia: quando programamos um
computador, temos somente uma ideia nebulosa do que o ajustamos para fazer. Não
há como avaliar todas as implicações possíveis.
Essas reflexões levaram Turing ao
campo da morfogênese: o desenvolvimento de padrões em organismos em
crescimento. Observou que qualquer organismo vivo cresce no sentido da
complexidade, partido da simplicidade. Publicou “The chemical basis of
morphogenesis”, em 1952. Coincidiu com a descoberta da hélice dupla do DNA, por
Watson e Crick. Porém, a linguagem que Turing procurava descobrir era da
matemática da vida ...
Turing observou que flores,
plantas e células exibiam e desenvolviam padrões. Às vezes sequências matemáticas,
como Fibonacci.
Foi eleito para a Royal Society em
1951, aos 39 anos.
Após uma pena por “indecência
flagrante”, uma espécie de crime de homossexualidade, foi submetido a um
tratamento à base de hormônios (uma cura gay, da época), que o levou a uma profunda depressão.
Suicidou-se comendo uma maça envenenada com cianeto, em 7 de junho de 1954.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Turing e o
computador em 90 minutos”
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