A história que leva à solução do
Último Teorema de Fermat também recebeu contribuições femininas. Aliás,
bastante relevantes.
A primeira delas chamava-se
Theano. Viveu no século VI a.C. Inicialmente era aluna de Pitágoras, vindo a se
casar posteriormente com ele. Aliás, Pitágoras era conhecido como o “filósofo
feminista”, porque encorajava estudantes mulheres – formou 28 delas na sua
escola.
Sócrates e Platão continuaram a
tradição de ensinar também para mulheres, até que, no século IV a.C. uma mulher
fundou sua própria escola de matemática. Chamava-se Hipácia. Era filha de um
professor de matemática da Universidade de Alexandria e se destacou como
solucionadora de problemas e por suas demonstrações lógicas. Dizia que nunca se
casara porque sua paixão era a verdade...
Seu declínio ocorreu junto com a
derrocada de sua civilização. Cirilo, rei de Alexandria, iniciou uma caçada aos
“hereges”: oprimia e perseguia filósofos, matemáticos e cientistas de toda
sorte. Tudo que lembrasse racionalidade passou a ser rejeitado.
Bom lembrar que ambientes em que
impera o ódio são contagiantes. Como conta o historiador Edward Gibbon:
“Num dia fatal, na estação
sagrada de Lent, Hipácia foi arrancada de sua carruagem, teve suas roupas
rasgadas e foi arrastada nua para a igreja. Lá, foi desumanamente massacrada
pelas mãos de Pedro, o Leitor, e sua horda de fanáticos selvagens. A carne foi
esfolada de seus ossos com ostras afiadas e seus membros, ainda palpitantes,
foram atirados às chamas.”
Depois de Hipácia, somente na
Renascença europeia outra mulher foi capaz de dar sua contribuição. Chamava-se Maria
Agnesi, nascida em Milão em 1718. Também era filha de um professor de
matemática. Notabilizou-se pelos estudos acerca de tangentes de curvas. É produto
de sua mente a curva batizada de “curva de Agnesi”, ou “versiera Agnesi”, em
italiano.
No século XX, Emmy Noether –
segundo Einstein “o mais significante gênio matemático criativo já produzido
desde que as mulheres começaram a cursar os estudos superiores” – foi preterida
para lecionar em Gottingen por ser mulher.
Uma observação. Edmund Landau declarou
em sua defesa: “Eu posso testemunhar que ela é um grande matemático, mas se ela
é uma mulher eu não posso garantir.”
Uma grande matemática que não
teve problemas por seu sexo foi Sonya Kovalesky. Casara-se com um cientista,
que não interferia em suas pesquisas, e ainda garantia uma respeitabilidade
decorrente do matrimônio.
Na França altamente machista dos
séculos XVIII e XIX, somente uma mulher escapou dessa prisão social: Sophie
Germain.
Em 1794, foi inaugurada a École
Polytechnique, em Paris. Voltada para um ensino de elite, obviamente era reservada
apenas aos homens, como era o costume da época. Sophie não desanimou e passou a
estudar secretamente: assumiu a identidade masculina de num ex-aluno, Monsieur
Antoine-August Le Blanc. O verdadeiro Le Blanc tinha deixado Paris e Sophie
passou a receber os resumos das aulas. Respondia e enviava as respostas.
Havia um detalhe. Monsieur Le
Blanc, o verdadeiro, tinha notas muito ruins em matemática. Após ter sua identidade
apropriada por Sophie, o salto no seu desempenho foi gritante, a ponto de chamar
a atenção de Joseph-Louis Lagrange, professor na École e um dos maiores
matemáticos do século XIX. Após solicitar uma entrevista com Le Blanc, Sophie
foi obrigada a revelar sua verdadeira identidade.
Lagrange ficou surpreso, mas
contente. Tornaram-se amigos e Lagrange tornou-se tutor da jovem – além de
inspiração em seus estudos. Assim, Sophie conheceu o Teorema de Fermat.
Trabalhou intensamente e chegou a um estágio da solução em que tinha de
consultar alguém com o mesmo nível de fluência com os números. Sophie apelou
logo ao “Deus” da matemática naquela época: o alemão Carl Friedrich Gauss.
Gauss foi autor de “Disquisitiones
arithmeticae”, o mais importante livro de matemática desde OS Elementos, de
Euclides. Apesar de todo o seu brilhantismo, Gauss se recusou a enfrentar o
Teorema de Fermat. Quando perguntado se disputaria o prêmio da Academia de
Paris, oferecido a quem resolvesse o torturante Teorema, Gauss respondeu: “...
confesso que o Último Teorema de Fermat, como uma proposição isolada, tem muito
pouco interesse para mim. Eu poderia apresentar uma série de proposições
semelhantes que ninguém poderia provar ou desmentir.”
Voltando a Sophie. Euler, 75 anos
antes, demonstrara a solução para n=3. Germain, contudo, adotara uma estratégia
geral: ela queria chegar a uma prova universal, para todos os valores de n. Escreveu
a Gauss dizendo que utilizara dois números primos: p e (2p + 1). Ela desejava
provar o Teorema para esses dois números. Sua prova chegou muito próxima do
resultado pretendido. Estudos posteriores mostraram que, para primos achados
pela fórmula usada por Germain, de fato, não havia solução.
Em 1825, Gustav Lejeune-Dirichlet
e Adrien-Marie Legendre, independentemente, provaram o Teorema para n=5 usando
o método de Sophie Germain. Quatorze anos depois, Gabriel Lamé chegou à prova
para n=7.
Depois de algum tempo, Sophie
abandonou a matemático e se lançou à física. Desenvolveu trabalhos na área de “Memória
sobre as vibrações de placas elásticas.” Suas conquistas abriram espaço para as
mulheres na Academia de Paris. No fim da vida, Gauss convenceu a Universidade
de Gottingen a premiá-la com um grau honorário. Infelizmente ela morreu de
câncer no seio antes de receber a honraria.
Não sem antes a França dar provas
de seu machismo. Em seu atestado de óbito, veio escrito no local reservado para
a profissão: mulher solteira sem profissão – rentiére-annuitant. Seus trabalhos
em física foram muito importantes no projeto da Torre Eifell. No entanto seu
nome não consta na lista de 72 “sábios” homenageados, cujos nomes foram gravados
na sua estrutura.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O último teorema de Fermat:
a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes...”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário