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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O PROBLEMA DE MATEMÁTICA MAIS DIFÍCIL DA HISTÓRIA: TEOREMA DE FERMAT – 8ª PARTE


A história que leva à solução do Último Teorema de Fermat também recebeu contribuições femininas. Aliás, bastante relevantes.

A primeira delas chamava-se Theano. Viveu no século VI a.C. Inicialmente era aluna de Pitágoras, vindo a se casar posteriormente com ele. Aliás, Pitágoras era conhecido como o “filósofo feminista”, porque encorajava estudantes mulheres – formou 28 delas na sua escola.

Sócrates e Platão continuaram a tradição de ensinar também para mulheres, até que, no século IV a.C. uma mulher fundou sua própria escola de matemática. Chamava-se Hipácia. Era filha de um professor de matemática da Universidade de Alexandria e se destacou como solucionadora de problemas e por suas demonstrações lógicas. Dizia que nunca se casara porque sua paixão era a verdade...

Seu declínio ocorreu junto com a derrocada de sua civilização. Cirilo, rei de Alexandria, iniciou uma caçada aos “hereges”: oprimia e perseguia filósofos, matemáticos e cientistas de toda sorte. Tudo que lembrasse racionalidade passou a ser rejeitado.

Bom lembrar que ambientes em que impera o ódio são contagiantes. Como conta o historiador Edward Gibbon:

“Num dia fatal, na estação sagrada de Lent, Hipácia foi arrancada de sua carruagem, teve suas roupas rasgadas e foi arrastada nua para a igreja. Lá, foi desumanamente massacrada pelas mãos de Pedro, o Leitor, e sua horda de fanáticos selvagens. A carne foi esfolada de seus ossos com ostras afiadas e seus membros, ainda palpitantes, foram atirados às chamas.”


Depois de Hipácia, somente na Renascença europeia outra mulher foi capaz de dar sua contribuição. Chamava-se Maria Agnesi, nascida em Milão em 1718. Também era filha de um professor de matemática. Notabilizou-se pelos estudos acerca de tangentes de curvas. É produto de sua mente a curva batizada de “curva de Agnesi”, ou “versiera Agnesi”, em italiano.

No século XX, Emmy Noether – segundo Einstein “o mais significante gênio matemático criativo já produzido desde que as mulheres começaram a cursar os estudos superiores” – foi preterida para lecionar em Gottingen por ser mulher.

Uma observação. Edmund Landau declarou em sua defesa: “Eu posso testemunhar que ela é um grande matemático, mas se ela é uma mulher eu não posso garantir.”

Uma grande matemática que não teve problemas por seu sexo foi Sonya Kovalesky. Casara-se com um cientista, que não interferia em suas pesquisas, e ainda garantia uma respeitabilidade decorrente do matrimônio.

Na França altamente machista dos séculos XVIII e XIX, somente uma mulher escapou dessa prisão social: Sophie Germain.

Em 1794, foi inaugurada a École Polytechnique, em Paris. Voltada para um ensino de elite, obviamente era reservada apenas aos homens, como era o costume da época. Sophie não desanimou e passou a estudar secretamente: assumiu a identidade masculina de num ex-aluno, Monsieur Antoine-August Le Blanc. O verdadeiro Le Blanc tinha deixado Paris e Sophie passou a receber os resumos das aulas. Respondia e enviava as respostas.

Havia um detalhe. Monsieur Le Blanc, o verdadeiro, tinha notas muito ruins em matemática. Após ter sua identidade apropriada por Sophie, o salto no seu desempenho foi gritante, a ponto de chamar a atenção de Joseph-Louis Lagrange, professor na École e um dos maiores matemáticos do século XIX. Após solicitar uma entrevista com Le Blanc, Sophie foi obrigada a revelar sua verdadeira identidade.

Lagrange ficou surpreso, mas contente. Tornaram-se amigos e Lagrange tornou-se tutor da jovem – além de inspiração em seus estudos. Assim, Sophie conheceu o Teorema de Fermat. Trabalhou intensamente e chegou a um estágio da solução em que tinha de consultar alguém com o mesmo nível de fluência com os números. Sophie apelou logo ao “Deus” da matemática naquela época: o alemão Carl Friedrich Gauss.

Gauss foi autor de “Disquisitiones arithmeticae”, o mais importante livro de matemática desde OS Elementos, de Euclides. Apesar de todo o seu brilhantismo, Gauss se recusou a enfrentar o Teorema de Fermat. Quando perguntado se disputaria o prêmio da Academia de Paris, oferecido a quem resolvesse o torturante Teorema, Gauss respondeu: “... confesso que o Último Teorema de Fermat, como uma proposição isolada, tem muito pouco interesse para mim. Eu poderia apresentar uma série de proposições semelhantes que ninguém poderia provar ou desmentir.”

Voltando a Sophie. Euler, 75 anos antes, demonstrara a solução para n=3. Germain, contudo, adotara uma estratégia geral: ela queria chegar a uma prova universal, para todos os valores de n. Escreveu a Gauss dizendo que utilizara dois números primos: p e (2p + 1). Ela desejava provar o Teorema para esses dois números. Sua prova chegou muito próxima do resultado pretendido. Estudos posteriores mostraram que, para primos achados pela fórmula usada por Germain, de fato, não havia solução.

Em 1825, Gustav Lejeune-Dirichlet e Adrien-Marie Legendre, independentemente, provaram o Teorema para n=5 usando o método de Sophie Germain. Quatorze anos depois, Gabriel Lamé chegou à prova para n=7.

Depois de algum tempo, Sophie abandonou a matemático e se lançou à física. Desenvolveu trabalhos na área de “Memória sobre as vibrações de placas elásticas.” Suas conquistas abriram espaço para as mulheres na Academia de Paris. No fim da vida, Gauss convenceu a Universidade de Gottingen a premiá-la com um grau honorário. Infelizmente ela morreu de câncer no seio antes de receber a honraria.

Não sem antes a França dar provas de seu machismo. Em seu atestado de óbito, veio escrito no local reservado para a profissão: mulher solteira sem profissão – rentiére-annuitant. Seus trabalhos em física foram muito importantes no projeto da Torre Eifell. No entanto seu nome não consta na lista de 72 “sábios” homenageados, cujos nomes foram gravados na sua estrutura.


Rubem L. de F. Auto
                        

Fonte: livro “O último teorema de Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes...”.

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