Na primeira parte dessa história,
foi dito que Pitágoras morrera num incêndio provocado, em sua escola, em
Crotona. Pois bem, duzentos anos depois, a escola de Pitágoras foi transferida
para a famosa cidade de Alexandria. Em 332 a.C., depois de conquistar a Grécia,
a Ásia Menor e o Egito, Alexandre, o Grande decidiu-se por construir uma cidade
que seria a capital mais imponente do mundo.
Alexandria nasceu como uma cidade
grandiosa, momumental, mas sua fama de centro de estudos ainda demoraria um
pouco para ser alcançada. Foi após a morte de Alexandre e a subseqüente coroação
de Ptolomeu I como rei do Egito é que Alexandria receberia sua universidade, a
primeira do mundo. Sua maior atração? A Biblioteca de Alexandria.
Idealizada por Demétrio Falero,
grego asilado em Alexandria. Ele convenceu Ptolomeu a criar um local em que se
reunissem todos os grandes livros já escritos. Seu argumento foi o de que tal
local atrairia mentes intelectualizadas de todo o mundo. Construiu-se a
biblioteca e lá foram arquivadas todas as obras egípcias e gregas. Depois,
agentes foram enviados a todos os países da Europa de da Ásia Menor em busca de
mais obras.
Algum tempo depois de uma
sequência de Ptolomeus ocuparem o trono do Egito, a biblioteca já contava com
cerca de 600 mil livros.
O primeiro diretor do
departamento de matemática da Biblioteca de Alexandria chamava-se Euclides.
Nascido em 330 a.C., foi um dos maiores matemáticos da história. Conta-se uma
história sobre ele: em meio a uma aula, um estudante indagara o mestre sobre a
utilidade da matéria que estudava. Ao fim da aula, Euclides ordenou que seu
escravo (essa instituição detestável era comum na Grécia) entregasse uma moeda
ao estudante que fizera a pergunta, dizendo: “Dê uma moeda ao rapaz, já que ele
deseja lucrar com tudo o que aprende.” E expulsou o estudante...
A maior obra de Euclides chamava-se
“Os Elementos”. Foi o livro de matemática mais bem-sucedido da história. Obra
em 13 volumes, incluindo trabalhos do próprio Euclides, ao lado dos
conhecimentos já compilados até então – por exemplo, os da Irmandade Pitagórica,
foi livro texto de aulas de matemática por aproximadamente 2.000 anos.
Uma outra invenção saída da
imaginação fértil de Euclides foi seu método de resolução de problemas:
reductio ad absurdum, ou “prova por contradição”. Parte-se do princípio de que
um teorema verdadeiro é falso. Conforme o matemático for resolvendo o problema,
em algum ponto surgirá uma contradição lógica: se isso ocorre, o teorema é
verdadeiro.
Uma dos problemas em que Euclides
aplicou seu método foi aquele que deu descoberta aos números irracionais. O
mais famoso deles é o π: 3,141592653589... Todos eles, no formato decimal, são
aproximações, independente do número de casas. Também podem ser expressos por
meio de frações, se suas dízimas (número que se repete após a vírgula) forem
regulares: 0,11111... = 1/9.
Os números irracionais também
podem ser calculados por meio de fórmulas. Por exemplo, o π:
π = 4(1/1 – 1/1 + 1/5 – 1/7 + 1/9
– 1/11 + 1/13 – 1/15 +...)
Gradualmente o resultado
convergirá para o mais próximo do π. O π calculado até a 39ª casa decimal é
suficiente para calcular a circunferência do universo com a precisão de um
átomo de hidrogênio.
No capítulo sobre números
irracionais, Euclides desejava mostrar que existem números que não podem ser escritos
como frações. Mas, em vez de usar o π, usou a raiz quadrada de 2. Usou seu método e presumiu
ser possível escrever o número como fração. Tentou demonstrar que essa fração
poderia ser simplificada (dividindo numerador e denominador pelo mesmo número).
Essa simplificação, por lógica, tem um fim, a fração mais simples possível. Ao
demonstrar que sua fração, que representa a raiz quadrada de 2, poderia ser
simplificada infinitamente, Euclides apontou o absurdo dessa solução e
demonstrou que o que presumira inicialmente era falso: há números que não podem
ser representados por meio de frações. Logo, teremos um número irracional.
Euclides era, de fato, um
apaixonado por geometria. Dos seus treze livros, Os Elementos focam, nos livros
de I a VI em geometria plana – bidimensional. Os livros de XI a XIII lidam com
sólidos tridimensionais.
Dentre os matemáticos gregos, somente
Diofante de Alexandria escreveria uma obra à altura. Diofante era tão
apaixonado por matemática que foi gravado o seguinte enigma em sua lápide:
“Deus lhe concedeu a graça de ser
um menino pela sexta parte de sua vida. Depois, por doze avos, ele cobriu seu
rosto com a barba. A luz do casamento iluminou-o após a sétima parte e cinco
anos depois do casamento Ele concedeu-lhe um filho. Ah! Criança tardia e má,
depois de viver metade da vida de seu pai, o destino frio a levou. Após consolar
sua mágoa em sua ciência dos números, por quatro anos, Diofante terminou sua
vida.”
Por quantos anos Diofante viveu? Consegue
resolver?
Diofante viveu sua carreira em
Alexandria, onde reuniu tudo o que produziu e colecionou em sua célebre obra “Aritmética”.
Também em 13 volumes, apenas seis deles chegaram à Renascença européia. Esses
volumes causaram um impacto relevante sobre Pierre de Fermat.
Quanto a Alexandria, esta capital
intelectual sofreu seu primeiro ataque por estrangeiros em 47 a.C., quando
Júlio César tentou derrubar Cleópatra. Nesse ataque, diversas obras foram
queimadas. Cleópatra, apaixonada pela Biblioteca e por suas obras, conseguiu
restaurá-la. Marco Antônio, general romano apaixonada pela rainha do Egito,
atacou a cidade de Pérgamo e roubou seus livros, para recompor a biblioteca de
sua amada.
Em 389 e em 642 ela foi atacada
por motivos religiosos. O primeiro, por Roma, após se converter ao cristianismo
e atacaram Alexandria por causa dos símbolos pagãos. No segundo, muçulmanos
tomaram a cidade e toda a região, na sua expansão de tirar o fôlego.
Após esse último ataque, a Europa
e todo o Ocidente iniciaram seu período de mil anos de escuridão. Apenas
baluartes na Índia e na Arábia mantinham a matemática viva, a partir das
contribuições valiosíssimas dos gregos – ironicamente chegaram aos árabes
através dos ataques a cidades como Alexandria. Matemáticos indianos
transformaram o zero no número, provavelmente, mais importante.
O número zero possui duas
funções: marcar posição, criando as posições de dezenas (em que os números são
multiplicados por 10), centenas (o mesmo com 100), milhares e assim por diante.
A segunda função diz respeito a seu caráter abstrato. O zero quantifica o nada,
algo que parecia absurdo, mas que os indianos encararam com normalidade. Por
outro lado, os indianos entenderam que a divisão por zero é a representação do
infinito. Esta última reflexão partiu do matemático Brahmagupta, no século VII.
Outro passo importantíssimo dado
pelos indianos foi a substituição dos símbolos e caracteres gregos e romanos
pelos números, no formato que conhecemos hoje. Sem esse passo, cálculos
complexos continuariam sendo uma dor de cabeça quase insuperável.
No século X, o francês Gerbert de
Aurillac aprendeu esse novo sistema se contagem, já acrescentado pela
contribuição incomensurável dada pelos indianos, com os mouros da Espanha.
Ensinando em escolas e igrejas de toda a Europa, Aurillac reintroduziu a
matemática na Europa. Em 999, Gerbert foi eleito o papa Silvestre II. Os
números indo-arábicos agora tinham um defensor e propagador em terras
européias.
Primeiramente, esse novo sistema
seduziu, basicamente, contadores. Mercadores se sentiram mais à vontade administrando
seus negócios por esse método.
Por fim, em 1453, a matemática
finalmente encontrou seu momento de revolucionar, de novo e após milênios, o
Ocidente. Nesse ano, os turcos otomanos tomaram Constantinopla. Até então, essa
cidade concentrava todos os manuscritos gregos que sobreviveram aos ataques a
Alexandria.
Com a tomada da cidade, os bizantinos
responsáveis por tais manuscritos fugiram da cidade carregando os manuscritos.
Foi assim que o livro Aritmética,
de Diofante, foi parar sob os olhos de Pierre de Fermat.
Continua!
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O último teorema de
Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes...”
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