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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O PROBLEMA DE MATEMÁTICA MAIS DIFÍCIL DA HISTÓRIA: TEOREMA DE FERMAT – 1ª PARTE


Costuma-se dizer que metade da dificuldade da resolução de um problema de matemática consiste em entender o enunciado. Entretanto, o problema de matemática mais difícil da história tinha um enunciado bem simples: Prove que não existe solução em números inteiros para a seguinte equação,
                Xn + Yn = Zn , para n > 2.

Esse é o Teorema de Fermat. Sua aparência é familiar. Ele é baseado no famosíssimo Teorema de Pitágoras: X2 + Y2 = Z2. Esta fórmula fez, e faz parte da vida de milhões em todo o mundo, literalmente forçados a decorá-la. Pois esta simples fórmula foi fonte de inspiração para o problema quase indecifrável de Fermat. Mas essa história teve um início...

No século VI a.C., Pitágoras de Samos era o nome mais famoso da matemática. Ele desenvolveu a idéia da lógica numérica. Ele também percebeu que os números existem independentemente das coisas concretas; portanto a matemática era uma linguagem não prejudicada pelas incertezas; as verdades não eram deturpadas por preconceitos e opiniões sem fundamento lógico.

Pitágoras aprendeu matemática com os egípcios e babilônios. Estes últimos transformaram uma simples técnica de contagem em cálculos complexos, que deram nascimento à contabilidade e à engenharia. No entanto, continuava a ser muito atrelada a problemas práticos; eles eram orientados pela necessidade de demarcar terras, construir prédios, gerenciar seus negócios.

Para tanto, egípcios e babilônios usavam fórmulas prontas como se receitas fossem. Eram transmitidas por gerações e tinham por finalidade fornecer uma resposta correta. Ninguém se perguntava por que funcionavam, nem questionavam sua lógica subjacente.

Após viajar por diversas partes do mundo por mais de vinte anos, Pitágoras retornou a sua Samos natal, no mar Egeu, e fundou uma escola filosófica – que incluía matemática como uma de suas matérias. Algum tempo depois, por questões políticas locais, deixou a cidade e foi morar numa caverna, onde conseguiu escapar das perseguições dos governantes da ilha por algum tempo.

Passados mais alguns anos, Pitágoras se estabelece  no sul da Itália, parte da Grécia naquela época. Estabelece-se em Crotona e teve em Milo, o homem mais rico da região, um patrono acolhedor. Milo era um homem conhecido pelo porte físico hercúleo – foi campeão dos Jogos Olímpicos gregos por 12 anos consecutivos. Fez fama e fortuna. Milo também era amante da filosofia e da matemática. Cedeu um cômodo de sua casa para que Pitágoras fundasse uma Escola.

Sua Escola chamava-se Irmandade Pitagórica e formou cerca de 600 estudantes. Valorizava a igualdade e tinha diversas mulheres em suas fileiras. Uma delas era Teano, filha de Milos e eventualmente esposa de Pitágoras. Nessa escola, Pitágoras criou a palavra filósofo. Em dada ocasião, Pitágoras definiu o que era ser um filósofo:
“... Alguns são influenciados pela busca de riqueza, enquanto outros são dominados pela febre do poder e da dominação. Mas os melhores entre os homens se dedicam à descoberta do significado e do propósito da vida. Eles tentam descobrir os segredos da natureza. Este tipo de homem eu chamo de filósofo, pois embora nenhum homem seja completamente sábio em todos os assuntos, ele pode amar a sabedoria como a chave para os segredos da natureza.”

Nessa escola foi descoberto o dodecaedro – figura geométrica construída a partir de 12 pentágonos regulares. A Irmandade era quase uma religião cujo Deus eram os números. O segredo do universo seria revelado com a completa compreensão dos números. Por exemplo, Pitágoras via a perfeição de um número como resultado do número de divisores do mesmo.

Se, ao somar todos os divisores de um número, chegar-se a um número maior do que o inicial, esse número era classificado como “excessivo” – o 12, por exemplo. Se o resultado da soma for menor, o número era “deficiente” – o 10, por exemplo. Se o resultado fosse igual, o número era “perfeito”. O número 6 era um exemplo (1+2+3). Depois vinha o 28...

Imagine o impacto que essa teoria teve sobre aqueles que acreditavam que Deus havia criado a Terra em 6 dias e sabiam que a Lua orbita a Terra a cada 28 dias. Dois números perfeitos, não poderia ser coincidência...

Ele também descobriu que os números perfeitos têm um método de construção interessante: partem de uma potência de dois, multiplicada pela potência seguinte subtraída de um. Por exemplo:
                6 = 21 + (22 – 1)

Essa fórmula permitia procurar por números perfeitos muito, muito grandes...

Outro progresso iniciado por Pitágoras ocorreu na música. O instrumento musical grego por excelência era a lira de quatro cordas, ou tetracórdio. Sabia-se que certas cordas tocadas juntas criavam um efeito sonoro muito agradável. Assim eram afinados esses instrumentos. Mas sentiam certa dificuldade de afinar outras cordas para produzir sons agradáveis aos ouvidos.

Envolvido na tarefa de descobrir um instrumento que permitisse tratar as notas musicais com a mesma precisão com que tratava nos números, um dia Pitágoras passou pela porta de uma oficina de um ferreiro. Ouviu o som do martelo batendo no ferro, percebeu uma harmonia estranha e não pôde se conter. Adentrou a oficina e começou a testar a harmonia dos martelos. Depois de muito investigar, percebeu que a harmonia dos martelos tinha relação direta com suas massas. Eram harmônicos aqueles que obedeciam proporções simples, ou frações, entre si. Martelos que possuíam metade, três quartos ou dois terços do peso do outro, produziam sons harmoniosos. Se não houvesse relação entre os pesos, não haveria harmonia entre os sons.
Estendendo o raciocínio para instrumentos de corda: ao tocar uma corda, produz-se uma nota padrão; prendendo a corda em pontos específicos, produzem-se outras notas, harmônicas com a primeira.

Como já citado, a obra mais famosa que Pitágoras imortalizou foi seu Teorema. O Teorema de Pitágoras fornece uma relação verdadeira para qualquer triângulo retângulo – que possui um ângulo reto. A decoreba que ele criou pelos milhares de anos seguintes foi: Num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

No entanto, Pitágoras não criou esse Teorema. Ele já era usado por chineses e babilônios mil anos antes. O que Pitágoras criou foi uma relação universal envolvendo os conceitos: para qualquer triângulo retângulo... Os povos anteriores somente reconheciam a relação como verdadeira para as medidas que já haviam sido testadas.

E foi essa vontade de achar a verdade subjacente que erigiu aquela que é a característica básica da matemática: a busca da prova. Há 2.500 anos a matemática pede provas e demonstrações para que reconheça algo como verdadeiro.

A verdade matemática se inicia com axiomas, declarações que julgamos verdadeira, mas que carece de provas. Por meio de argumentação lógica, passo a passo, chega-se a uma conclusão. Se axiomas e lógica estiverem corretos, então a conclusão será um Teorema. Por isso a verdade matemática é mais “sólida” que a verdade puramente científica. Esta última parte de hipóteses, que devem ser suportadas por muitas evidências. Sendo de grande monta tais evidências, teremos uma teoria científica. Mas a dúvida estará sempre presente, ainda que muito pequena. Isso permite a eventual substituição de dada teoria: é isso que leva às revoluções científicas. A prova matemática, depois de estabelecer um teorema, é sólida e imutável, pois não se apóia sobre provas, que estão sujeitas a avaliações subjetivas, mas sobre uma lógica infalível. O Teorema de Pitágoras era tão irrefutável 500 a.C. quanto hoje. Tão infalível que se sacrificaram cem bois em agradecimento aos deuses...

Após uma revolta ocorrida durante a 60ª Olimpíada da Era grega, Milo e Pitágoras passaram a ser odiados pela população de uma cidade vizinha, Síbaris. Houve uma revolta popular, uma multidão cercou a casa de Milo e prenderam todos lá dentro. Depois puseram fogo no imóvel. Milo conseguiu escapar, mas Pitágoras morreu queimado dentro de sua escola, ao lado de muitos discípulos. Os discípulos que não morreram na tragédia se encarregaram de levar os conhecimentos pitagóricos a outras partes...

O Teorema de Pitágoras possui como prova o fato de que quadrados formados pelos lados dos catetos, se somadas suas áreas, o resultado será igual à área do quadrado formado pelos lados da hipotenusa. Esse fato estimulou a busca pelos trios pitagóricos: três números que podem ser encaixados na fórmula, dando resultado verdadeiro.

Um questionamento logo se fez presente: esses trios são infinitos ou há um limite? Os pitagóricos chegaram até o trio: x = 99; y = 4.900 e z = 4.901. Os matemáticos logo trataram de descobrir um método de construção desses trios e descobriram toda sua infinitude...

Muitos e muitos séculos depois, o matemático E. T. Bell abordou um caso uma fórmula um pouco diferente em seu livro “O último problema”:
                X3 + Y3 = Z3

Encontrar números inteiros que solucionem os trios para a fórmula de Pitágoras, porém substituindo a potência 2 por 3, estaria no caminho da prova do problema proposto por Fermat. Aliás, a reconstrução da prova de Fermat para o caso de potência igual a 4 seria o “ground zero” da maratona de séculos, que representou a solução do problema mais difícil da história.

Mas essa história será contada nos posts da sequência.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O último teorema de Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes ...”

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