Costuma-se dizer que metade da
dificuldade da resolução de um problema de matemática consiste em entender o
enunciado. Entretanto, o problema de matemática mais difícil da história tinha
um enunciado bem simples: Prove que não existe solução em números inteiros para
a seguinte equação,
Xn
+ Yn = Zn , para n > 2.
Esse é o Teorema de Fermat. Sua
aparência é familiar. Ele é baseado no famosíssimo Teorema de Pitágoras: X2
+ Y2 = Z2. Esta fórmula fez, e faz parte da vida de milhões
em todo o mundo, literalmente forçados a decorá-la. Pois esta simples fórmula
foi fonte de inspiração para o problema quase indecifrável de Fermat. Mas essa
história teve um início...
No século VI a.C., Pitágoras de
Samos era o nome mais famoso da matemática. Ele desenvolveu a idéia da lógica
numérica. Ele também percebeu que os números existem independentemente das
coisas concretas; portanto a matemática era uma linguagem não prejudicada pelas
incertezas; as verdades não eram deturpadas por preconceitos e opiniões sem
fundamento lógico.
Pitágoras aprendeu matemática com
os egípcios e babilônios. Estes últimos transformaram uma simples técnica de
contagem em cálculos complexos, que deram nascimento à contabilidade e à
engenharia. No entanto, continuava a ser muito atrelada a problemas práticos;
eles eram orientados pela necessidade de demarcar terras, construir prédios,
gerenciar seus negócios.
Para tanto, egípcios e babilônios
usavam fórmulas prontas como se receitas fossem. Eram transmitidas por gerações
e tinham por finalidade fornecer uma resposta correta. Ninguém se perguntava
por que funcionavam, nem questionavam sua lógica subjacente.
Após viajar por diversas partes
do mundo por mais de vinte anos, Pitágoras retornou a sua Samos natal, no mar
Egeu, e fundou uma escola filosófica – que incluía matemática como uma de suas
matérias. Algum tempo depois, por questões políticas locais, deixou a cidade e
foi morar numa caverna, onde conseguiu escapar das perseguições dos governantes
da ilha por algum tempo.
Passados mais alguns anos,
Pitágoras se estabelece no sul da
Itália, parte da Grécia naquela época. Estabelece-se em Crotona e teve em Milo,
o homem mais rico da região, um patrono acolhedor. Milo era um homem conhecido
pelo porte físico hercúleo – foi campeão dos Jogos Olímpicos gregos por 12 anos
consecutivos. Fez fama e fortuna. Milo também era amante da filosofia e da
matemática. Cedeu um cômodo de sua casa para que Pitágoras fundasse uma Escola.
Sua Escola chamava-se Irmandade
Pitagórica e formou cerca de 600 estudantes. Valorizava a igualdade e tinha
diversas mulheres em suas fileiras. Uma delas era Teano, filha de Milos e eventualmente
esposa de Pitágoras. Nessa escola, Pitágoras criou a palavra filósofo. Em dada
ocasião, Pitágoras definiu o que era ser um filósofo:
“... Alguns são influenciados
pela busca de riqueza, enquanto outros são dominados pela febre do poder e da
dominação. Mas os melhores entre os homens se dedicam à descoberta do
significado e do propósito da vida. Eles tentam descobrir os segredos da
natureza. Este tipo de homem eu chamo de filósofo, pois embora nenhum homem
seja completamente sábio em todos os assuntos, ele pode amar a sabedoria como a
chave para os segredos da natureza.”
Nessa escola foi descoberto o
dodecaedro – figura geométrica construída a partir de 12 pentágonos regulares.
A Irmandade era quase uma religião cujo Deus eram os números. O segredo do
universo seria revelado com a completa compreensão dos números. Por exemplo,
Pitágoras via a perfeição de um número como resultado do número de divisores do
mesmo.
Se, ao somar todos os divisores
de um número, chegar-se a um número maior do que o inicial, esse número era
classificado como “excessivo” – o 12, por exemplo. Se o resultado da soma for
menor, o número era “deficiente” – o 10, por exemplo. Se o resultado fosse
igual, o número era “perfeito”. O número 6 era um exemplo (1+2+3). Depois vinha
o 28...
Imagine o impacto que essa teoria
teve sobre aqueles que acreditavam que Deus havia criado a Terra em 6 dias e sabiam
que a Lua orbita a Terra a cada 28 dias. Dois números perfeitos, não poderia
ser coincidência...
Ele também descobriu que os
números perfeitos têm um método de construção interessante: partem de uma
potência de dois, multiplicada pela potência seguinte subtraída de um. Por
exemplo:
6
= 21 + (22 – 1)
Essa fórmula permitia procurar
por números perfeitos muito, muito grandes...
Outro progresso iniciado por
Pitágoras ocorreu na música. O instrumento musical grego por excelência era a
lira de quatro cordas, ou tetracórdio. Sabia-se que certas cordas tocadas
juntas criavam um efeito sonoro muito agradável. Assim eram afinados esses
instrumentos. Mas sentiam certa dificuldade de afinar outras cordas para produzir
sons agradáveis aos ouvidos.
Envolvido na tarefa de descobrir
um instrumento que permitisse tratar as notas musicais com a mesma precisão com
que tratava nos números, um dia Pitágoras passou pela porta de uma oficina de
um ferreiro. Ouviu o som do martelo batendo no ferro, percebeu uma harmonia
estranha e não pôde se conter. Adentrou a oficina e começou a testar a harmonia
dos martelos. Depois de muito investigar, percebeu que a harmonia dos martelos
tinha relação direta com suas massas. Eram harmônicos aqueles que obedeciam
proporções simples, ou frações, entre si. Martelos que possuíam metade, três
quartos ou dois terços do peso do outro, produziam sons harmoniosos. Se não
houvesse relação entre os pesos, não haveria harmonia entre os sons.
Estendendo o raciocínio para
instrumentos de corda: ao tocar uma corda, produz-se uma nota padrão; prendendo
a corda em pontos específicos, produzem-se outras notas, harmônicas com a
primeira.
Como já citado, a obra mais
famosa que Pitágoras imortalizou foi seu Teorema. O Teorema de Pitágoras
fornece uma relação verdadeira para qualquer triângulo retângulo – que possui
um ângulo reto. A decoreba que ele criou pelos milhares de anos seguintes foi:
Num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados
dos catetos.
No entanto, Pitágoras não criou
esse Teorema. Ele já era usado por chineses e babilônios mil anos antes. O que
Pitágoras criou foi uma relação universal envolvendo os conceitos: para qualquer
triângulo retângulo... Os povos anteriores somente reconheciam a relação como
verdadeira para as medidas que já haviam sido testadas.
E foi essa vontade de achar a
verdade subjacente que erigiu aquela que é a característica básica da
matemática: a busca da prova. Há 2.500 anos a matemática pede provas e
demonstrações para que reconheça algo como verdadeiro.
A verdade matemática se inicia
com axiomas, declarações que julgamos verdadeira, mas que carece de provas. Por
meio de argumentação lógica, passo a passo, chega-se a uma conclusão. Se axiomas
e lógica estiverem corretos, então a conclusão será um Teorema. Por isso a
verdade matemática é mais “sólida” que a verdade puramente científica. Esta
última parte de hipóteses, que devem ser suportadas por muitas evidências.
Sendo de grande monta tais evidências, teremos uma teoria científica. Mas a
dúvida estará sempre presente, ainda que muito pequena. Isso permite a eventual
substituição de dada teoria: é isso que leva às revoluções científicas. A prova
matemática, depois de estabelecer um teorema, é sólida e imutável, pois não se
apóia sobre provas, que estão sujeitas a avaliações subjetivas, mas sobre uma
lógica infalível. O Teorema de Pitágoras era tão irrefutável 500 a.C. quanto
hoje. Tão infalível que se sacrificaram cem bois em agradecimento aos deuses...
Após uma revolta ocorrida durante
a 60ª Olimpíada da Era grega, Milo e Pitágoras passaram a ser odiados pela
população de uma cidade vizinha, Síbaris. Houve uma revolta popular, uma
multidão cercou a casa de Milo e prenderam todos lá dentro. Depois puseram fogo
no imóvel. Milo conseguiu escapar, mas Pitágoras morreu queimado dentro de sua
escola, ao lado de muitos discípulos. Os discípulos que não morreram na
tragédia se encarregaram de levar os conhecimentos pitagóricos a outras partes...
O Teorema de Pitágoras possui
como prova o fato de que quadrados formados pelos lados dos catetos, se somadas
suas áreas, o resultado será igual à área do quadrado formado pelos lados da
hipotenusa. Esse fato estimulou a busca pelos trios pitagóricos: três números
que podem ser encaixados na fórmula, dando resultado verdadeiro.
Um questionamento logo se fez
presente: esses trios são infinitos ou há um limite? Os pitagóricos chegaram
até o trio: x = 99; y = 4.900 e z = 4.901. Os matemáticos logo trataram de
descobrir um método de construção desses trios e descobriram toda sua
infinitude...
Muitos e muitos séculos depois, o
matemático E. T. Bell abordou um caso uma fórmula um pouco diferente em seu
livro “O último problema”:
X3
+ Y3 = Z3
Encontrar números inteiros que
solucionem os trios para a fórmula de Pitágoras, porém substituindo a potência
2 por 3, estaria no caminho da prova do problema proposto por Fermat. Aliás, a
reconstrução da prova de Fermat para o caso de potência igual a 4 seria o “ground
zero” da maratona de séculos, que representou a solução do problema mais
difícil da história.
Mas essa história será contada
nos posts da sequência.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O último teorema de
Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes ...”
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