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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

GENES FÚTEIS: UMA HUMANIDADE “PICK AND CHOOSE”


Testes para identificação de predisposição para câncer de mama hereditário em embriões do sexo feminino já são recorrentes em países como Austrália, Bélgica, Estados Unidos e mesmo no Brasil. Tais testes buscam mutações nos genes BRCA1 e BRCA2.

Note-se que esses genes alterados são responsáveis por apenas 5% a 10% dos casos de câncer de mama e de ovários, no mundo. Ou seja: de 90 a 95% dos casos de câncer de mama não têm relação com esses genes citados. Qualquer mulher tem uma probabilidade de 10% a 12% de vir a ter câncer de mama.
Portanto o teste citado só se justificaria em casos de mulheres cuja família tem histórico da doença, por causas genéticas.

Sem dúvidas, o risco de transmitir a seu herdeiro doenças graves, que vão acompanhá-lo e trazer-lhe sofrimento pelo resto da vida, é algo que os pais têm razão em avaliar. Mas e quanto a doenças de fundo genético, porém já passíveis de tratamento?  E quanto às alterações que, não necessariamente, levarão à manifestação da doença? Alterações nos genes BRCA1 e BRCA2 aumentam a probabilidade de câncer de mama, mas outros fatores também contribuem para que a doença se manifeste.

A grande preocupação se relaciona aos limites, ou à falta deles. Atualmente o mesmo raciocínio vem sendo aplicado a casos de diabetes, obesidade, calvície... Nos EUA, já se falam em kits para testes genéticos vendidos em farmácias. Qualquer diagnóstico que eles revelem pode levar a medidas drásticas pelos pais, ainda que seja um enorme exagero e que o teste revele apenas predisposição, passível de controle e de tratamento. Até a condição biológica que revele aumento da produção de cera nos ouvidos tem causas genéticas.

Um dos kits prometidos poderia revelar a predisposição para cerca de 600 doenças; sendo que o risco de um casal normal ter filhos com doenças genéticas gira em torno de 2% a 3%.

Caso interessante é o dos casais que, por motivos culturais, tendem a se casar com parentes próximos, o que leva ao aumento da probabilidade de filhos com fragilidades hereditárias. Testes pré-nupciais já são realizados em judeus ortodoxos, mas apenas para fibrose cística, doença de Gaucher ou Tay—Sachs. De acordo com o resultado, o casamento pode ser vetado.

Quando tais terapias têm o objetivo de tratar uma doença de fundo hereditário, poucos podem se opor com argumentos razoáveis. Mas e quando o objetivo é melhorar o desempenho? Acumular vantagens não naturais?

O geneticista H. Lee Sweeney decobriu um método de manipulação genética que criou os “ratos Schwarzeneger”, com aumento da massa muscular, após a introdução de um vírus na musculatura dos ratos. O objetivo de Sweeney era descobrir um tratamento para distrofia muscular, mas a publicação do trabalho levou a uma procurar incessante por parte de atletas e de treinadores.

A Agência Mundial Antidoping já incluiu o doping genético na lista de proibições.

Mas ainda há o há muito repetido argumento de que “a natureza também não é tão justa assim”. Pessoas nascem com características biológicas distintas. Quem nasce alto terá uma vantagem natural no basquete, por exemplo. Pessoas nascem com mais hemoglobina no sangue do que outras: elas terão vantagem em diversas modalidades esportivas. Não demorou para que injeções de eritropoetina (epo) fossem desenvolvidas: ela estimula a produção de hemoglobinas. Isso aumenta a disponibilidade de oxigênio para os músculos.

Mas e quanto às pessoas que possuem mutações no gene responsável pela produção do hormônio epo? Elas têm até 25% mais hemoglobina do que as outras pessoas. Seria doping natural?

Não custa lembrar que injeções de epo aumentam o risco de morte nos atletas.
A lista de pais que se preocupam com “genes fúteis” inclui aqueles que desejam que seus filhos carreguem doenças ou síndromes comuns à própria família: surdez, nanismo etc.

A esse respeito, o pensador libanês Khalil Gibran escreveu: “Seus filhos não são seus filhos. São  filhos e filhas da vida desejando a si mesma. Eles vêm através de vocês, mas não são de vocês. E, embora estejam com vocês, não lhes pertencem. Vocês podem lhes dar amor, mas não seus pensamentos, pois eles têm seus próprios pensamentos. Vocês podem lutar para serem como eles, mas não procurem torná-los iguais a vocês. Vocês são o arco de onde seus filhos são lançados como flechas vivas.”


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “GenÉtica: escolhas que nossos avós não faziam” 

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