Testes para identificação de predisposição para câncer de
mama hereditário em embriões do sexo feminino já são recorrentes em países como
Austrália, Bélgica, Estados Unidos e mesmo no Brasil. Tais testes buscam
mutações nos genes BRCA1 e BRCA2.
Note-se que esses genes alterados são responsáveis por
apenas 5% a 10% dos casos de câncer de mama e de ovários, no mundo. Ou seja: de
90 a 95% dos casos de câncer de mama não têm relação com esses genes citados.
Qualquer mulher tem uma probabilidade de 10% a 12% de vir a ter câncer de mama.
Portanto o teste citado só se justificaria em casos de
mulheres cuja família tem histórico da doença, por causas genéticas.
Sem dúvidas, o risco de transmitir a seu herdeiro doenças
graves, que vão acompanhá-lo e trazer-lhe sofrimento pelo resto da vida, é algo
que os pais têm razão em avaliar. Mas e quanto a doenças de fundo genético,
porém já passíveis de tratamento? E
quanto às alterações que, não necessariamente, levarão à manifestação da
doença? Alterações nos genes BRCA1 e BRCA2 aumentam a probabilidade de câncer
de mama, mas outros fatores também contribuem para que a doença se manifeste.
A grande preocupação se relaciona aos limites, ou à falta
deles. Atualmente o mesmo raciocínio vem sendo aplicado a casos de diabetes,
obesidade, calvície... Nos EUA, já se falam em kits para testes genéticos
vendidos em farmácias. Qualquer diagnóstico que eles revelem pode levar a
medidas drásticas pelos pais, ainda que seja um enorme exagero e que o teste
revele apenas predisposição, passível de controle e de tratamento. Até a
condição biológica que revele aumento da produção de cera nos ouvidos tem
causas genéticas.
Um dos kits prometidos poderia revelar a predisposição para
cerca de 600 doenças; sendo que o risco de um casal normal ter filhos com
doenças genéticas gira em torno de 2% a 3%.
Caso interessante é o dos casais que, por motivos culturais,
tendem a se casar com parentes próximos, o que leva ao aumento da probabilidade
de filhos com fragilidades hereditárias. Testes pré-nupciais já são realizados
em judeus ortodoxos, mas apenas para fibrose cística, doença de Gaucher ou Tay—Sachs.
De acordo com o resultado, o casamento pode ser vetado.
Quando tais terapias têm o objetivo de tratar uma doença de
fundo hereditário, poucos podem se opor com argumentos razoáveis. Mas e quando
o objetivo é melhorar o desempenho? Acumular vantagens não naturais?
O geneticista H. Lee Sweeney decobriu um método de
manipulação genética que criou os “ratos Schwarzeneger”, com aumento da massa
muscular, após a introdução de um vírus na musculatura dos ratos. O objetivo de
Sweeney era descobrir um tratamento para distrofia muscular, mas a publicação
do trabalho levou a uma procurar incessante por parte de atletas e de
treinadores.
A Agência Mundial Antidoping já incluiu o doping genético na
lista de proibições.
Mas ainda há o há muito repetido argumento de que “a
natureza também não é tão justa assim”. Pessoas nascem com características biológicas
distintas. Quem nasce alto terá uma vantagem natural no basquete, por exemplo.
Pessoas nascem com mais hemoglobina no sangue do que outras: elas terão
vantagem em diversas modalidades esportivas. Não demorou para que injeções de
eritropoetina (epo) fossem desenvolvidas: ela estimula a produção de
hemoglobinas. Isso aumenta a disponibilidade de oxigênio para os músculos.
Mas e quanto às pessoas que possuem mutações no gene
responsável pela produção do hormônio epo? Elas têm até 25% mais hemoglobina do
que as outras pessoas. Seria doping natural?
Não custa lembrar que injeções de epo aumentam o risco de
morte nos atletas.
A lista de pais que se preocupam com “genes fúteis” inclui
aqueles que desejam que seus filhos carreguem doenças ou síndromes comuns à
própria família: surdez, nanismo etc.
A esse respeito, o pensador libanês Khalil Gibran escreveu: “Seus
filhos não são seus filhos. São filhos e
filhas da vida desejando a si mesma. Eles vêm através de vocês, mas não são de
vocês. E, embora estejam com vocês, não lhes pertencem. Vocês podem lhes dar
amor, mas não seus pensamentos, pois eles têm seus próprios pensamentos. Vocês
podem lutar para serem como eles, mas não procurem torná-los iguais a vocês.
Vocês são o arco de onde seus filhos são lançados como flechas vivas.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “GenÉtica: escolhas que nossos avós não faziam”
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