Em 1908, um industrial alemão, Paul
Wolfskehl, deu um passo importante, que ajudou a fazer o mundo da matemática se
recuperar do golpe de Kummer.
Embora se dedicasse à época aos
negócios da família, Wolfskehl havia estudado matemática e era mais um
pretendente a resolver o Teorema de Fermat. Aliás, a história de como havia se deparado
com o problema foi um drama digno das melhores literaturas.
Wolfskehl se apaixonara por uma
mulher que o rejeitara de plano. Desesperado, decidiu que o melhor a fazer era
se suicidar. Como um bom alemão, não agiu de supetão; pelo contrário, planejou
meticulosamente como daria fim à sua existência. Marcou o dia em que se mataria,
à meia noite. Aproveitou os dias restantes para pôr suas finanças e
compromissos em dia – não queira deixar pendências para sua família. Escreveu
seu testamento e algumas cartas com explicações necessárias.
Sendo uma pessoa muito eficiente,
Wolfskehl resolveu tudo com antecedência de algumas horas até à meia-noite.
Como não queria descumprir o horário que estabelecera, tratou de procurar uma
biblioteca onde pudesse passar o tempo até a fatídica hora. Escolheu um livro
que tratasse de sua paixão: matemática. Pois bem, a obra que escolhera era um
livro de Kummer, onde ele analisava os fracassos de Gauchy e Lamé.
Wolfskehl passou a analisar os
cálculos de Kummer linha por linha e, surpreso, achou um erro de lógica que
passou despercebido. Kummer fizera uma suposição, mas não a justificou!
O jovem Wolfskehl não pôde se
conter. Envolveu-se nos cálculos, que se tornaram demonstrações... E o dia
amanheceu. O que parecia um erro sensível, na verdade, mereceu apenas alguns
reparos. O Teorema ainda resistia. Ah! Wolfskehl esqueceu de se matar.
Conseguir corrigir um erro do grande mestre alemão conferiu-lhe vontade de
viver novamente.
Em 1908, Wolfskehl morreu – de causas
naturais, a propósito. Sua família descobriu seu testamento refeito e com uma
previsão surpreendente: ele reservara 100 mil marcos para premiar a quem solucionasse
o problema que lhe afligira em vida, o Teorema de Fermat. O prêmio foi batizado
com seu nome e foi elaborado um regulamento para o mesmo.
A hiperinflação da República de
Weimar criou preocupações – dizia-se que com os 10 mil marcos, agora o vencedor
poderia comprar um cafezinho do outro lado da rua... Mas ficou claro que os
pretendentes a vencedores já não o faziam por dinheiro. Tornou-se algo maior,
claro.
Em meados do século XX, os
matemáticos profissionais já não poderiam ficar dedicando seu tempo a desafios
e problemas curiosos. Os matemáticos, incentivados pelos trabalhos de David
Hilbert e Kurt Godel, passaram a analisar os fundamentos de sua ciência, de
modo a lidar com questões mais fundamentais, relacionadas às propriedades dos
números, quais eram os limites da matemática. Eles perceberam a falta de
princípios fundamentais.
O nível de rigor lógico exigido
nesse tipo de trabalho de fundamentação é assustador, para um leigo. Por
exemplo, a lei da tricotomia estabelece que um número só pode ser positivo,
negativo ou zero. Parece óbvio, mas os lógicos exigiam que essa afirmação fosse
provada! E o foi... E é verdade.
Nesse compasso, os lógicos passaram
à análise todas as afirmações e teoremas surgidos desde os primórdios da matemática,
visando a prová-los uma a um, de acordo com os princípios fundamentais. Algumas
afirmações fundamentais eram decorrentes de outras mais fundamentais ainda,
também verdadeiras. Por fim, algumas declarações eram tão fundamentais que
simplesmente não havia como prová-las: esses são os axiomas da matemática. Por
exemplo, a lei comutativa da adição: m + n = n + m. Chama-nos axiomas
autoevidentes. Provam-se-nos simplesmente aplicando a regra a números
escolhidos aleatoriamente.
Com os axiomas testados e
comprovados, todo o edifício erguido sobre a matemática seria testado no âmbito
dos mesmos. O líder desse movimento o matemático mais famoso da época, David
Hilbert.
Ele cria que a matemática, após
aquele processo de higienização, seria capaz de lidar com qualquer problema
individualmente. Seu espírito pode ser traçado a partir das palavras gravadas
em sua lápide: Wir mussen wissen, Wir werden wissen – Nós devemos saber, Nós
vamos saber.
Contudo, em 1931, um matemático de
25 anos, professor do departamento de matemática da Universidade de Viena, de
nome Kurt Godel, tratou de ser o novo “estraga prazeres” dos matemáticos. Ele
propôs que a matemática jamais seria logicamente perfeita, sem contradições.
Portanto o Último Teorema de Fermat poderia sim ser insolúvel.
Ele publicou “Sobre as proposições
indecidíveis no Principia Mathematica e sistemas relacionados”. Lá, ele tratava
dos teoremas da indecidibilidade. Este poderia ser resumido em duas
declarações:
1 1) Se
o conjunto axiomático de uma teoria é consistente, então existem teoremas que
não podem ser nem provados nem negados.
2 2) Não
existe procedimento construtivo que prove ser consistente a teoria axiomática.
A primeira estabelece que nenhum
conjunto de axiomas pode resolver todos os problemas. A segunda diz que todos
que não há um conjunto que o matemático possa escolher e o leve necessariamente
a uma solução sem contradições.
Segundo André Weil: “ Deus existe,
já que a matemática é consistente; e o Diabo existe, porque não podemos
prová-lo.”
A inconsistência lógica pode ser
representada pelo Paradoxo de Creta, ou o Paradoxo do Mentiroso, de autoria de
Epimenides, ainda na Grécia antiga: “Eu sou um mentiroso!” Impossível prová-la
verdadeira ou falsa. Temos aqui uma inconsistência.
Godel reinterpretou o Paradoxo
usando o argumento das provas matemáticas: “Esta declaração não tem nenhuma
prova.” Após traduzi-la em notação matemática, Godel provou que essas
afirmações podem ser verdadeiras, mesmo não sendo possível prová-las: são as
chamadas afirmações indecidíveis. E assim Godel golpeou Hilbert...
Interessante notar como as afirmações
indecidíveis de Godel coincidiram com as descobertas na física quântica por
Werner Heisenberg: o Princípio da Incerteza. Este prega que a observação de
partículas subatômicas somente pode informar a velocidade ou a posição da
mesma; após serem atingidas por fótons de alta energia, apenas uma das
informações será mensurável. A outra, torna-se incerta.
Apenas recordando, o Teorema de
Fermat pergunta se é verdade que não há solução. Se for falso, então há
solução.
Após esses progressos, a dúvida
passou a atormentar ainda mais o mundo da matemática: o Teorema de Fermat
poderia ser, afinal, indecidível – verdadeiro, mas sem ter como prová-lo.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O último
teorema de Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes...”.
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