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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O PROBLEMA DE MATEMÁTICA MAIS DIFÍCIL DA HISTÓRIA: TEOREMA DE FERMAT – 10ª PARTE


Em 1908, um industrial alemão, Paul Wolfskehl, deu um passo importante, que ajudou a fazer o mundo da matemática se recuperar do golpe de Kummer.

Embora se dedicasse à época aos negócios da família, Wolfskehl havia estudado matemática e era mais um pretendente a resolver o Teorema de Fermat. Aliás, a história de como havia se deparado com o problema foi um drama digno das melhores literaturas.

Wolfskehl se apaixonara por uma mulher que o rejeitara de plano. Desesperado, decidiu que o melhor a fazer era se suicidar. Como um bom alemão, não agiu de supetão; pelo contrário, planejou meticulosamente como daria fim à sua existência. Marcou o dia em que se mataria, à meia noite. Aproveitou os dias restantes para pôr suas finanças e compromissos em dia – não queira deixar pendências para sua família. Escreveu seu testamento e algumas cartas com explicações necessárias.

Sendo uma pessoa muito eficiente, Wolfskehl resolveu tudo com antecedência de algumas horas até à meia-noite. Como não queria descumprir o horário que estabelecera, tratou de procurar uma biblioteca onde pudesse passar o tempo até a fatídica hora. Escolheu um livro que tratasse de sua paixão: matemática. Pois bem, a obra que escolhera era um livro de Kummer, onde ele analisava os fracassos de Gauchy e Lamé.
Wolfskehl passou a analisar os cálculos de Kummer linha por linha e, surpreso, achou um erro de lógica que passou despercebido. Kummer fizera uma suposição, mas não a justificou!

O jovem Wolfskehl não pôde se conter. Envolveu-se nos cálculos, que se tornaram demonstrações... E o dia amanheceu. O que parecia um erro sensível, na verdade, mereceu apenas alguns reparos. O Teorema ainda resistia. Ah! Wolfskehl esqueceu de se matar. Conseguir corrigir um erro do grande mestre alemão conferiu-lhe vontade de viver novamente.

Em 1908, Wolfskehl morreu – de causas naturais, a propósito. Sua família descobriu seu testamento refeito e com uma previsão surpreendente: ele reservara 100 mil marcos para premiar a quem solucionasse o problema que lhe afligira em vida, o Teorema de Fermat. O prêmio foi batizado com seu nome e foi elaborado um regulamento para o mesmo.

A hiperinflação da República de Weimar criou preocupações – dizia-se que com os 10 mil marcos, agora o vencedor poderia comprar um cafezinho do outro lado da rua... Mas ficou claro que os pretendentes a vencedores já não o faziam por dinheiro. Tornou-se algo maior, claro.

Em meados do século XX, os matemáticos profissionais já não poderiam ficar dedicando seu tempo a desafios e problemas curiosos. Os matemáticos, incentivados pelos trabalhos de David Hilbert e Kurt Godel, passaram a analisar os fundamentos de sua ciência, de modo a lidar com questões mais fundamentais, relacionadas às propriedades dos números, quais eram os limites da matemática. Eles perceberam a falta de princípios fundamentais.

O nível de rigor lógico exigido nesse tipo de trabalho de fundamentação é assustador, para um leigo. Por exemplo, a lei da tricotomia estabelece que um número só pode ser positivo, negativo ou zero. Parece óbvio, mas os lógicos exigiam que essa afirmação fosse provada! E o foi... E é verdade.

Nesse compasso, os lógicos passaram à análise todas as afirmações e teoremas surgidos desde os primórdios da matemática, visando a prová-los uma a um, de acordo com os princípios fundamentais. Algumas afirmações fundamentais eram decorrentes de outras mais fundamentais ainda, também verdadeiras. Por fim, algumas declarações eram tão fundamentais que simplesmente não havia como prová-las: esses são os axiomas da matemática. Por exemplo, a lei comutativa da adição: m + n = n + m. Chama-nos axiomas autoevidentes. Provam-se-nos simplesmente aplicando a regra a números escolhidos aleatoriamente.

Com os axiomas testados e comprovados, todo o edifício erguido sobre a matemática seria testado no âmbito dos mesmos. O líder desse movimento o matemático mais famoso da época, David Hilbert.
Ele cria que a matemática, após aquele processo de higienização, seria capaz de lidar com qualquer problema individualmente. Seu espírito pode ser traçado a partir das palavras gravadas em sua lápide: Wir mussen wissen, Wir werden wissen – Nós devemos saber, Nós vamos saber.

Contudo, em 1931, um matemático de 25 anos, professor do departamento de matemática da Universidade de Viena, de nome Kurt Godel, tratou de ser o novo “estraga prazeres” dos matemáticos. Ele propôs que a matemática jamais seria logicamente perfeita, sem contradições. Portanto o Último Teorema de Fermat poderia sim ser insolúvel.

Ele publicou “Sobre as proposições indecidíveis no Principia Mathematica e sistemas relacionados”. Lá, ele tratava dos teoremas da indecidibilidade. Este poderia ser resumido em duas declarações:
1            1)      Se o conjunto axiomático de uma teoria é consistente, então existem teoremas que não podem ser nem provados nem negados.
2             2)      Não existe procedimento construtivo que prove ser consistente a teoria axiomática.

A primeira estabelece que nenhum conjunto de axiomas pode resolver todos os problemas. A segunda diz que todos que não há um conjunto que o matemático possa escolher e o leve necessariamente a uma solução sem contradições.

Segundo André Weil: “ Deus existe, já que a matemática é consistente; e o Diabo existe, porque não podemos prová-lo.”

A inconsistência lógica pode ser representada pelo Paradoxo de Creta, ou o Paradoxo do Mentiroso, de autoria de Epimenides, ainda na Grécia antiga: “Eu sou um mentiroso!” Impossível prová-la verdadeira ou falsa. Temos aqui uma inconsistência.

Godel reinterpretou o Paradoxo usando o argumento das provas matemáticas: “Esta declaração não tem nenhuma prova.” Após traduzi-la em notação matemática, Godel provou que essas afirmações podem ser verdadeiras, mesmo não sendo possível prová-las: são as chamadas afirmações indecidíveis. E assim Godel golpeou Hilbert...

Interessante notar como as afirmações indecidíveis de Godel coincidiram com as descobertas na física quântica por Werner Heisenberg: o Princípio da Incerteza. Este prega que a observação de partículas subatômicas somente pode informar a velocidade ou a posição da mesma; após serem atingidas por fótons de alta energia, apenas uma das informações será mensurável. A outra, torna-se incerta.

Apenas recordando, o Teorema de Fermat pergunta se é verdade que não há solução. Se for falso, então há solução.

Após esses progressos, a dúvida passou a atormentar ainda mais o mundo da matemática: o Teorema de Fermat poderia ser, afinal, indecidível – verdadeiro, mas sem ter como prová-lo.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “O último teorema de Fermat: a história do enigma que confundiu as mais brilhantes mentes...”.

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