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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

VOU LARGAR UM BARRO! A HISTÓRIA DA HUMANIDADE E DE SEU COCÔ – PARTE 1


Çatalhoyuk é um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo. Um vilarejo fundado há, talvez, 9.500 anos, na atual Turquia. Data do tempo em que a humanidade estava começando a se estabilizar em números. Deve ter abrigado algo em torno de 10 mil pessoas, enquanto que nas demais agregações de humanos o número mal chegava a 150 pessoas.

Bom. Embora 10 mil pessoas não seja um número que nos impressione atualmente, imagine a quantidade de fezes produzida. Em um dia apenas, que seja!

Evidentemente a política sanitária de 10 mil anos atrás não poderia ser algo que nos impressionasse, hoje. Certamente faziam uma pilha de cocô num terreno relativamente distante – dos olhos, pelo menos. De tempos em tempos, profissionais bastante necessários faziam o nivelamento da pilha de cocô.

Se essa situação sanitária já não era muito elogiável, após Revolução Neolítica e a invenção da agricultura o quadro ficou ainda pior. A proximidade entre as pessoas, a convivência recente com animais e o empobrecimento da variedade alimentar levaram a uma piora. Mas a agricultura não se conteve. Por volta de 3.100 a.C. chegou à atual Escócia.

Naquela região, foi descoberto o vilarejo de Skara Brae, em que se encontraram evidências de banheiros fechados, localizados em cantos de casas, sobre canais de drenagem, que escoavam o cocô junto com a água corrente. Apesar desse pequeno progresso, limpar a bunda ainda era uma tarefa um tanto fétida: usavam-se musgos, algas marinhas e folhas.

Às margens do Rio Indo, na Índia, foram descobertas cidades da antiga civilização harappiana, de cerca de 2600a.C. Os harappianos era pessoas neuróticas por limpeza – ao menos naqueles padrões da época. Eles construíram uma rede de tubos que ligavam as casas a fossas. As casas dos cidadãos mais ricos tinham também lavabos separados do banheiro. Um assento era posicionado sobre um tubo, ligado ao esgoto. A água usada no banho era descartada pelo tubo. Mesmo os mais pobres, certamente usuários de penicos, podiam descartar a água suja em direção à fossa. Não tinham uma pilha de cocô no jardim...

Uma observação interessante são os assentos no banheiro – em forma de U. Ninguém tinha que se agachar mais.

O historiador grego Heródoto provavelmente esteve no Egito por volta do século V a.C. Ele sugeriu em seus testemunhos que as mulheres egípcias urinavam em pé. ÇPor seu turno, os homens se sentavam. Heródoto estendeu suas observações ao “número 2” dos egípcios, também: “Eles defecam dentro de suas casas, mas comem nas ruas. Isso é feito sob o princípio de que o que é embaraçoso, faz-se em casa; as demais, faz-se na rua, em público.”

Como muitos sabem, é proibido para judeus ortodoxos refletir sobre o que está escrito na Torá, ou proferir a oração sagrada de Shema enquanto no banheiro. Sugere-se que pensem em dinheiro... exceto no Shabbath, quando isso também é proibido.

A politica sanitária era aquela descrita no Deuteronômio 23:12-14: “Determinem um local fora do acampamento onde se possa evacuar. Como parte do seu equipamento, tenham algo com o que cavar, e, quando evacuarem, façam um buraco e cubram as fezes.”

A justificativa? “Pois o Senhor, se Deus, anda pelo acampamento para protegê-los e...”. Portanto, nada de sujar o pé de Deus com cocô dos outros.

Na Idade Média, A Velha Jerusalém tinha um ponto de entrada e de saída chamado Sha`ar Ha`ashpot, ou Portão do Estrume, por onde o cocô era retirado da cidade.

Na Grécia antiga, diversas peças fazia troças de cagões e de episódios cômicos envolvendo cagões “da madrugada”, surpreendidos por vizinhos em situações “difíceis”. A menção mais próxima do local de defecação dos gregos foi feita por Teofrasto, que envolve um cagão que atravessa a cerca do vizinho e tropeça no cachorro bravo.

Mas o dia a dia dos gregos tinha um companheiro bem conhecido: o penico. Os homens usavam o noamis para o número 1. As mulheres usavam o skaphion. Também havia assentos para bebês, como local para as pernas e um buraco em direção ao skaphion. A fossa dos gregos era o kopron, manuseado pelos profissionais chamados koprologoi, aonde se destinavam as fezes. Por sua vez, os koprologoi eram remunerados pela venda do cocô como fertilizante, para fazendeiros.
Os poetas Êupolis e Epícrates de Ambrácia falam de garotos escravos, equipados com penicos, que corriam de vez em quando em direção a uma multidão, para atender as necessidades fisiológicas de aristocratas beberrões.

Quanto a Roma, essa merece um pouco mais de linhas. Os banheiros públicos chamavam-se forica. Era cômodos abertos, com assentos lado a lado, onde pessoas de ambos os sexos se sentavam e fofocavam enquanto se “aliviavam”. Só a cidade de Roma possuía 144 desses locais.

Havia obras mais impressionantes. Na Síria, Apameia tinha uma “superlatrina” que recebia mais de 80 pessoas por vez.

As foricas também tinham pias e água corrente, garantindo a higiene. As paredes eram recobertas com adornos e desenhos artísticos. Alguns escreviam legendas dignas e adolescentes no banheiro da escola: “O sagaz Quilião ensinou a como peidar sem que ninguém percebesse”. Outra legenda: “ Tales recomendava que aqueles com dificuldade para defecar fizessem força”.

E quanto ao material de limpeza? Esses também eram compartilhados. Colocava-se uma esponja no fim de uma vareta – xylospongion, que passava de mão em mão.

A grande Cloaca Máxima – enorme rede de esgoto que atendia Roma – sofreu com suicídio de trabalhadores. O trabalho era terrivelmente árduo. O rei Tarquínio respondia com ameaças e crucificação. Era por volta de 500a.C.

O império de César Augusto ( e seu engenheiro, Agripa) estendeu mais a Cloaca, criando sete ramificações afluentes. As inspeções eram feitas de barco, pelo canal subterrâneo.

No ambiente doméstico, no entanto, o penico ainda era a resposta mais prática. Limpava-se atirando as fezes e o xixi janela afora.

Assim como na Grécia, também havia profissionais que faziam dinheiro comercializando cocô e xixi para fazendeiros e tintureiros de tecidos.

Aliás, o Imperador Vespasiano fez o império explorar esse mercado, mandando recolhendo os excrementos dos banhos públicos.

Continua...   


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”

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