Çatalhoyuk é um dos sítios
arqueológicos mais importantes do mundo. Um vilarejo fundado há, talvez, 9.500
anos, na atual Turquia. Data do tempo em que a humanidade estava começando a se
estabilizar em números. Deve ter abrigado algo em torno de 10 mil pessoas,
enquanto que nas demais agregações de humanos o número mal chegava a 150
pessoas.
Bom. Embora 10 mil pessoas não
seja um número que nos impressione atualmente, imagine a quantidade de fezes
produzida. Em um dia apenas, que seja!
Evidentemente a política
sanitária de 10 mil anos atrás não poderia ser algo que nos impressionasse,
hoje. Certamente faziam uma pilha de cocô num terreno relativamente distante –
dos olhos, pelo menos. De tempos em tempos, profissionais bastante necessários
faziam o nivelamento da pilha de cocô.
Se essa situação sanitária já não
era muito elogiável, após Revolução Neolítica e a invenção da agricultura o
quadro ficou ainda pior. A proximidade entre as pessoas, a convivência recente
com animais e o empobrecimento da variedade alimentar levaram a uma piora. Mas
a agricultura não se conteve. Por volta de 3.100 a.C. chegou à atual Escócia.
Naquela região, foi descoberto o
vilarejo de Skara Brae, em que se encontraram evidências de banheiros fechados,
localizados em cantos de casas, sobre canais de drenagem, que escoavam o cocô
junto com a água corrente. Apesar desse pequeno progresso, limpar a bunda ainda
era uma tarefa um tanto fétida: usavam-se musgos, algas marinhas e folhas.
Às margens do Rio Indo, na Índia,
foram descobertas cidades da antiga civilização harappiana, de cerca de 2600a.C.
Os harappianos era pessoas neuróticas por limpeza – ao menos naqueles padrões
da época. Eles construíram uma rede de tubos que ligavam as casas a fossas. As
casas dos cidadãos mais ricos tinham também lavabos separados do banheiro. Um
assento era posicionado sobre um tubo, ligado ao esgoto. A água usada no banho
era descartada pelo tubo. Mesmo os mais pobres, certamente usuários de penicos,
podiam descartar a água suja em direção à fossa. Não tinham uma pilha de cocô
no jardim...
Uma observação interessante são
os assentos no banheiro – em forma de U. Ninguém tinha que se agachar mais.
O historiador grego Heródoto
provavelmente esteve no Egito por volta do século V a.C. Ele sugeriu em seus
testemunhos que as mulheres egípcias urinavam em pé. ÇPor seu turno, os homens
se sentavam. Heródoto estendeu suas observações ao “número 2” dos egípcios,
também: “Eles defecam dentro de suas casas, mas comem nas ruas. Isso é feito
sob o princípio de que o que é embaraçoso, faz-se em casa; as demais, faz-se na
rua, em público.”
Como muitos sabem, é proibido
para judeus ortodoxos refletir sobre o que está escrito na Torá, ou proferir a
oração sagrada de Shema enquanto no banheiro. Sugere-se que pensem em
dinheiro... exceto no Shabbath, quando isso também é proibido.
A politica sanitária era aquela descrita no Deuteronômio 23:12-14: “Determinem um local fora do acampamento
onde se possa evacuar. Como parte do seu equipamento, tenham algo com o que
cavar, e, quando evacuarem, façam um buraco e cubram as fezes.”
A justificativa? “Pois o Senhor,
se Deus, anda pelo acampamento para protegê-los e...”. Portanto, nada de sujar
o pé de Deus com cocô dos outros.
Na Idade Média, A Velha Jerusalém
tinha um ponto de entrada e de saída chamado Sha`ar Ha`ashpot, ou Portão do
Estrume, por onde o cocô era retirado da cidade.
Na Grécia antiga, diversas peças
fazia troças de cagões e de episódios cômicos envolvendo cagões “da madrugada”,
surpreendidos por vizinhos em situações “difíceis”. A menção mais próxima do
local de defecação dos gregos foi feita por Teofrasto, que envolve um cagão que
atravessa a cerca do vizinho e tropeça no cachorro bravo.
Mas o dia a dia dos gregos tinha
um companheiro bem conhecido: o penico. Os homens usavam o noamis para o número
1. As mulheres usavam o skaphion. Também havia assentos para bebês, como local
para as pernas e um buraco em direção ao skaphion. A fossa dos gregos era o
kopron, manuseado pelos profissionais chamados koprologoi, aonde se destinavam
as fezes. Por sua vez, os koprologoi eram remunerados pela venda do cocô como fertilizante,
para fazendeiros.
Os poetas Êupolis e Epícrates de
Ambrácia falam de garotos escravos, equipados com penicos, que corriam de vez
em quando em direção a uma multidão, para atender as necessidades fisiológicas
de aristocratas beberrões.
Quanto a Roma, essa merece um
pouco mais de linhas. Os banheiros públicos chamavam-se forica. Era cômodos
abertos, com assentos lado a lado, onde pessoas de ambos os sexos se sentavam e
fofocavam enquanto se “aliviavam”. Só a cidade de Roma possuía 144 desses
locais.
Havia obras mais impressionantes.
Na Síria, Apameia tinha uma “superlatrina” que recebia mais de 80 pessoas por
vez.
As foricas também tinham pias e
água corrente, garantindo a higiene. As paredes eram recobertas com adornos e
desenhos artísticos. Alguns escreviam legendas dignas e adolescentes no
banheiro da escola: “O sagaz Quilião ensinou a como peidar sem que ninguém
percebesse”. Outra legenda: “ Tales recomendava que aqueles com dificuldade
para defecar fizessem força”.
E quanto ao material de limpeza?
Esses também eram compartilhados. Colocava-se uma esponja no fim de uma vareta –
xylospongion, que passava de mão em mão.
A grande Cloaca Máxima – enorme rede
de esgoto que atendia Roma – sofreu com suicídio de trabalhadores. O trabalho
era terrivelmente árduo. O rei Tarquínio respondia com ameaças e crucificação. Era
por volta de 500a.C.
O império de César Augusto ( e
seu engenheiro, Agripa) estendeu mais a Cloaca, criando sete ramificações
afluentes. As inspeções eram feitas de barco, pelo canal subterrâneo.
No ambiente doméstico, no
entanto, o penico ainda era a resposta mais prática. Limpava-se atirando as
fezes e o xixi janela afora.
Assim como na Grécia, também
havia profissionais que faziam dinheiro comercializando cocô e xixi para
fazendeiros e tintureiros de tecidos.
Aliás, o Imperador Vespasiano fez
o império explorar esse mercado, mandando recolhendo os excrementos dos banhos
públicos.
Continua...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Um milhão de anos em um dia”
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