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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O PODER DAS ARMAS E AS ARMAS DO PODER


Diz-se que Marco Licínio Crasso, muito amigo de Cícero, teria dito: “Nenhum homem deveria se considerar rico, a não ser que pudesse bancar seu próprio exército”.

Em 30 a.C., um homem deu provas de que Licínio não exagerara. Sobrinho-neto de Caio Júlio César, Otaviano derrotou um a um os aristocratas do Império, até proclamar-se o primeiro Imperador de Roma. Provavelmente o homem mais rico do mundo, Otaviano apresentava-se como um rapaz comum, em oposição aos aristocratas embriagados pelo próprio poder.

Detentor do maior Exército do mundo, Otaviano passaria à história com o nome que adotou: Augusto, ou o mais ilustre.

O recado foi imediatamente entendido pelos aristocratas. A partir de agora, o poder da violência estava nas mãos de um só homem, de modo que eles deveriam achar outras maneiras para resolver suas rusgas que não a violência, que usavam com tanta naturalidade até então. As histórias de Shakespeare retratam bem a facilidade com que aristocratas assassinavam pessoas por motivos que consideraríamos supérfluos.

Interessante comparar com a Europa a partir de 1.500, quando o poder dos monarcas absolutos pacificou as turbulentas aristocracias, aposentando o assassinato de oponentes como ferramenta de poder.

A partir de Augusto, os romanos se reinventaram, passando a valorizar a paz, a ponto de criarem o conceito de Pax Romana, que vigiu nos dois séculos depois de Cristo.

E os progressos materiais se aceleraram desde então. Nas palavras do poeta Horácio: “Ceres (deusa da agricultura) e a bondosa Prosperidade nutrem a terra; pelo mar pacificado singram marinheiros.” Epíteto, escravo que se tornou filósofo, comemorou: “Roma nos proveu com uma grande paz. Já não há guerras ou batalhas ou grandes bandidos ou piratas; podemos viajar e transitar a qualquer hora, do nascer ao pôr do sol.”

Os progressos do período levaram o grande historiador Edward Gobbon a eleger o período centrado entre os imperadores Domiciano e Cômodo (de 96 d.C. a 180 d.C.) como o período de maior felicidade e prosperidade da história da humanidade.

Note-se apenas que os romanos conviviam com um alto nível de violência, como os espetáculos de gladiadores no Coliseu, cujo auge ocorreu nesse período. Cerca de 50 mil pessoas lá se apinhavam para se deleitarem com o macabro espetáculo.

A garantia da paz pode ser alcançada também mediante coerção. Como explicou uma croata, durante os anos de irrupção violenta de conflitos na ex-Iugoslávia: “Vivíamos em paz e harmonia, porque a cada 100 metros havia um policial para garantir que nos ‘amávamos’.” Quando o poder central derreteu, até os policiais se viram num mundo ausente de ‘amor’...

Outro método famoso de pacificação de territórios eram as inestimáveis 30 legiões romanas cuja função específica era serem enviadas a regiões que sofressem revoltas ou conflitos internos. Eram tão ameaçadoras que quase nunca foram acionadas.

Ilustrativo também é o que ocorre com o poder caso se enfraqueça. Os piores crimes ocorridos no Império datam do século I a.C., época de fragilidade institucional. Caio Verros, governador da Sicília entre 73 a.C. e 71 a.C., uma vez disse jocosamente que necessitaria de três anos no cargo: o primeiro para roubar o suficiente para ficar rico; o segundo, para roubar o suficiente para poder contratar bons advogados e o terceiro, para roubar o suficiente para poder subornar o juiz e o júri.

Não por acaso, Verros fez as três coisas, valendo-se de muita violência para alcançar o intento.

Terminou processado por Marco Cícero, preso, porém conseguiu escapar para o exílio. Cícero, com sua atuação na Corte, terminou inspirando uma geração de jovens advogados ansiosos por galgar altos cargos no Poder. Uma série de leis também foi promulgada com o fim de reduzir a corrupção no Poder.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade”.   

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