O mundo teve um herói de carne e osso. Seu nome é Stanislav
Petrov.
Em setembro de 1983, Petrov era chefe adjunto para
algoritmos de combate do Serpukhov-15, quartel-general do sistema de alerta da
União Soviética.
Embora calculista, metódico e bem treinado Petrov mostrou-se
surpreso quando, logo após a meia-noite, viu seu sistema de alarme ser
acionado.
Uma luz vermelha piscava insistentemente no mapa gigante do
Hemisfério Norte, que preenchia uma das paredes da sala de controle. Era o
sinal de que um míssil havia sido lançado contra o país.
No letreiro acima do mapa, lia-se “Lançado”.
Por padrão, informações dessa relevância deveriam ser
checadas. Após esse procedimento, uma nova mensagem surgiu no letreiro: “Lançado
– Alta Confiabilidade”.
O ambiente político estava bastante tumultuado naquela
época. Seis meses antes do incidente, Ronald Reagan acusou a Rússia do repetitivo
epíteto de “império do mal”. Logo ameaçou prometendo a construção de um escudo espacial
antimísseis: o famoso projeto Star Wars. Foi com Reagan que o frágil equilíbrio que
garantiu a paz entre os dois países por 40 aos se desfez arriscadamente.
Em seguida, Reagan anunciou a instalação de novos modelos de
mísseis, capazes de alcançar Moscou em 5 minutos: eram os impressionantes
Minuteman.
Pouco depois desses fatos, a Coréia do Sul atuou no sentido
de denegrir completamente a imagem das Forças Aéreas soviéticas. Um avião
comercial dos país asiático se desviou do trajeto correto e se debandou para
lados da Sibéria. A URSS demorou inaceitáveis horas para localizar a aeronave. Após
esta ter retomado seu curso normal, foi abatida por caçar soviéticos. Toda a
tripulação a bordo morreu, o que incluía congressistas norte-americanos.
Apesar de todo esse precedente tenebroso, Petrov refletiu um
pouco, usando a boa e velha lógica. Ele sabia que um eventual ataque
norte-americano contra seu país, num evento que já vinha há muito sendo chamado
de Terceira Guerra Mundial, deveria se iniciar com uma revoada de ao menos mil
Minuteman, percorrendo a rota sobre o Polo Norte. Os alvos, evidentemente,
seriam os silos onde eram armazenados os mísseis nucleares soviéticos. Essa
estratégia garantiria um ataque mortal sem qualquer chance de reação. Enviar um
míssil apenas era tão ridículo que não poderia ser verdade.
Então Petrov agarrou o telefone e disse: “Estou me
reportando a você”, disse ele ao oficial de plantão, confiantemente: “É um
alarme falso.”
O oficial reportado respondeu friamente: “Positivo.”
Pouco depois os alarmes silenciaram, todos respiraram
aliviadamente. A equipe técnica começou a checar os circuitos e componentes quando,
assombrados, leram no mesmo letreiro que os inquietou havia poucos minutos: “Lançado”.
Em seguida uma luz vermelha piscou no mesmo mapa, depois
outra, depois outra... Em segundos o mapa estava todo pontilhado por luzinhas
vermelhas se movendo apreensivamente em direção a Moscou.
O painel acima do mapa, até então apagado, em dado momento gritou:
“Ataque de Mísseis”.
Petrov sabia instintivamente que seu algoritmo, que
programou e desenvolveu, apresentava algum tipo de inconsistência. Mas, e se
não fosse isso? Tratava-se do mais poderoso supercomputador soviético.
A máquina replicou automaticamente a mensagem de alarme a
todos os membros da cadeia de comando. Um desses membros chamava-se Yuri Andropov,
provavelmente o homem mais poderoso da URSS.
Três meses antes do incidente, o Centro de Desenvolvimento
de Conceitos Estratégicos dos EUA realizara um jogo de guerra, que buscava
traçar o cenário de como seria, passo a passo, uma guerra nuclear.
Nesse ponto, é importante que se explique: havia um conceito
chamado “linha-limite” das forças de contra-ataque. Ambas as potências, tinham
uma série de mísseis apontados permanentemente para alvos estratégicos, todos
militares. Esses mísseis seriam lançados com menos restrições. Os ataques subseqüentes,
além da “linha-limite”, teriam como alvo instalações civis.
Pois bem. A simulação norte-americana mostrou que em nenhuma
hipótese os ataques ficariam restritos à linha-limite. Rapidamente as cidades
seriam atingidas. O número de mortos ainda nos primeiros dias atingiria meio
bilhão. Nas semanas e meses subseqüentes, em função da precipitação radiativa, da
fome e dos combates que se desenvolveriam adicionalmente, outro meio bilhão se
somaria às vítimas iniciais.
Diante dos fatos que absorviam sua atenção e tiravam seu
fôlego, Petrov disse que suas pernas bambearam, foi obrigado mais uma vez a
sopesar algoritmos versus intuição de programador, e cerrou fileiras, mais uma
vez, ao lado de sua intuição.
Mais uma vez, a mensagem de Petrov interrompeu a escalada do
alarme ao longo das linhas de comando. E, assim, as 12 mil ogivas soviéticas restaram
intactas em seus devidos silos. Mais de um bilhão de almas foram presenteadas
com mais alguns anos de vida.
Mas, profissionalmente, o destino de Petrov não veria agraciamentos,
mas repreensões. Primeiro, por causa do relatório que apresentou, que foi
considerado muito mal escrito pelos seus superiores. Depois, porque os protocolos
apontavam o Secretário-Geral como a autoridade que poderia decidir sobre um
eventual ataque nuclear.
Petrov foi rebaixado, em seguida pediu sua aposentadoria,
sofreu um colapso nervoso e, anos depois, mergulhou na pobreza decorrente da
crise que colapsou o Império Soviético.
Episódios como esse denunciavam que o destino da humanidade
se encontrava à mercê de loucos e sociopatas incuráveis, que precisavam ser
detidos imediatamente. Milhões marcharam em todo o mundo, exigindo o fim das
bombas nucleares, votaram em políticos que prometiam oposição àquele estado de
coisas. Até mesmo o desarmamento unilateral passou a ser perseguido por muitas
nações esgotadas com aquelas ameaças reais de fim do mundo.
Mas o resultado final das manifestações foi bastante
desanimador. Os velhos líderes foram reeleitos, mais armas foram construídas,
mais mísseis lotaram mais silos etc.
Em 1986, o estoque mundial de ogivas nucleares alcançou o
triste recorde de 70 mil unidades. Naquele ano, o vazamento da usina nuclear de
Chernobyl deu mostras das conseqüências dramáticas do impacto da radiatividade
sobre os seres humanos e a natureza.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
E ele se foi, sem grandes alardes pela mídia. Um roqueiro, jogar de futebol ou participante de Big Brother teria mais ecos na imprensa. O mundo não é justo :(
ResponderExcluir(*)jogador de futebol
ExcluirÉ verdade. Triste constatação. Mas tem um ponto a ser observado: comemorar o que ele fez também se encaixa como propaganda anti-soviética, pois foca nas deficiências da indústria nuclear deles.
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