Os impactos da crise de 2008 arrefeceram, mas ela ainda está
aí, apoiada sobre os ombros dos déficits gêmeos que absorvem superávits de todo
o mundo. É uma crise que não se extingue, mas se metamorfoseia, cobrando
tributos ora num lugar, ora noutro.
Não se trata mais nem de crise financeira, nem mesmo
econômica, mas política.
Na Europa, o desemprego continua em níveis elevados. A crise
de 2008 pôs em marcha forças centrífugas que desmantelam o tecido social do
rico continente, opondo países geradores de superávits e países que sofrem de déficits
crônicos estruturais, que não serão sarados, não importa o quanto se exija que “apertem
os cintos”. Esse cenário torna o sonho de uma verdadeira união econômica cada
vez mais distante.
Nos EUA, a administração Obama, após as vitórias dos
republicanos em novembro de 2010, ficou de braços atados. A tarefa de reanimar
a economia restou nos braços solitários do FED de Bem Barnanke e sua tempestade
de dólares, diante da incapacidade.
O chamado quantitative easing se caracteriza pelo incremento
substancial de moeda circulando na economia, por meio de compras massivas pelo
FED de ativos em papel. Não é a medida ideal, como bem sabe Barnanke, mas é a
melhor alternativa diante do impasse entre Executivo e Legislativo.
Se a crise de 1929 foi vista pela administração
imediatamente sucessiva, Roosevelt, como uma oportunidade única de encoleirar o
sistema bancário, a crise atual tem vista apenas ex-funcionários de bancos
manejando os orçamentos em benefício próprio.
Não apenas isso. Diversos congressistas americanos puseram a
culpa no Estado, não no sistema financeiro a que ele parecia servir. Duas
companhias hipotecárias controladas pelo Estado, Fannie Mae e Freddie Mac,
encorajaram muitos pobres americanos fazer dívidas hipotecárias: outro caso de
um Estado fazendo bagunça onde não tem conhecimento de causa. Não importa o
fato de que as duas companhias faziam exatamente o que todas as demais faziam,
e em escala menor. Mas a “verdade” que se impõe é aquela mais repetida...
Na Europa, a “verdade” que se impôs foi aquela que relegou a
crise aos braços dos países periféricos, que teriam se endividado e gastado
além de suas possibilidades. A pequena Grécia, a impiedosa Irlanda e os
lânguidos Ibéricos perseguiram padrões de vida além de seus meios, criando
dívidas nacionais maiores do que poderia sustentar sua capacidade de produção.
Irônico ler isso e contrapô-lo aos déficits gêmeos dos EUA.
Embora a Grécia tivesse de fato um enorme déficit, a Irlanda era um exemplo de
virtude fiscal. A Espanha viva um superávit quando a crise estourou. Portugal exibia
semelhante à da Alemanha.
Foi em razão da incapacidade de Estados nacionais,
riquíssimos diga-se, de lidar com essa situação, levando, por exemplo, o
governo Obama a emitir trilhões de dólares, prejudicando sobremaneira seus
índices de popularidade que discursos políticos como o de Trump seduziram grande
parte do eleitorado (deve-se lembrar que ele não obteve a maioria dos votos).
De certa forma, essas décadas de globalização, dos mercados
financeiros ou dos mercados produtivos, levaram a um cansaço com relação àquela
coisa que eles chamam de “resto do mundo”. Em dado momento, as pessoas só
querem viver suas vidas e passam a sentir asco pela palavra Império.
Devem apenas não se esquecer de abandonar previamente suas
mais de 100 bases militares em todo o mundo.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “O Minotauro Global”
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