Na atual Grã Bretanha, nos arredores do monte Graupius, no
ano 83 d.C., romanos e bretões finalmente se enfrentavam. A resistência bretã passaria
história em cantos e versos até hoje entoados.
Sabe-se do seu desenrolar graças a Tácito, um dos mais
importantes historiadores romanos. Tácito não esteve no local do conflito, mas
era casado com a filha do general romano que liderou a invasão: Agrícola.
Por seu turno, os opositores, conhecidos como caledônios,
eram liderados pelo seu mais terrível soldado: Cálgaco. Conhecidos pelos romanos
como “homens do norte”, somavam 30 mil naqueles dias. E não estavam dispostos a
deixar que os romanos os conquistassem facilmente.
Antes da batalha, Cálgaco juntou seus homens e gritou a
plenos pulmões: “Homens do norte!” – o alarido dos soldados abafava sua voz.
Aumentou o tom: “Homens! Ouçam!” – e o respeito que aquele guerreiro impunha
fez as vozes se calarem. “Homens do norte! Esta é a aurora da liberdade para a
Bretanha! Vamos lutar, todos juntos. É um dia para heróis – e, mesmo que você
seja um covarde, lutar é a coisa mais segura a fazer agora!”
Naquela hora, o sol conseguiu romper a escuridão das
primeiras horas da manhã. De novo, sua voz foi abafada pelos uivos dos seus homens
sedentos por sangue romano. Cálgaco ergueu a cabeça e urrou: “Ouçam-me! Vivemos
no fim do mundo. Somos os últimos homens livres sobre a Terra. Não há ninguém mais
depois de nós – não há nada ali exceto rochas e ondas, e mesmo estas estão
cheias de romanos. Não há como escapar deles. Roubaram o mundo, e agora vêm
roubando tudo o que encontram pela terra, saqueiam até mesmo o mar. Se imaginam
que você tem algum dinheiro, tacam-no por cobiça; se você não tem nada, atacam-no
por arrogância. Eles roubaram todo o oriente e todo o ocidente, mas ainda não
estão satisfeitos. São o único povo da Terra que rouba tanto ricos quanto
pobres. Dão ao roubo, à matança e ao estupro o mentiroso nome de governo! Criam
a devastação e chamam-na paz!”
Suas palavras finais foram completamente abafadas pelos
gritos de seus homens, somados ao tilitar das espadas batendo contra os
escudos. Sem que se precisasse ordenar, começaram a marchar em direção ao
inimigo, que se encontrava a menos de 1 quilômetro dali, aguardando-os. Aliás,
aguardavam esse encontro há mais de 6 anos. Os romanos estavam em menor número.
Agrícola assim dispôs seus soldados: à frente, os ajudantes
(lutavam pelo dinheiro que conseguiam saquear das cidades e eram agraciados com
a cidadania romana após 25 anos de serviços prestados), em geral não eram romanos;
atrás, seguiam-se os legionários, a elite do exército romano, os melhores soldados
do mundo; por último, os porta-estandartes. Agrícola pôs-se à frente desses
últimos.
Ao notar o inimigo totalmente reunido no vale, Agrícola
mandou que seus homens avançassem.
Seguiu-se um banho de sangue e de espadas e lanças atravessando
corpos e extirpando membros inteiros. Os ajudantes mantinham a marcha,
arrastando suas pesadas armaduras, perfuravam costelas e pisoteavam suas
vítimas, deixando para os soldados que vinham imediatamente atrás a tarefa de
tirar o último sopro do inimigo abatido.
O avanço era duro. Conforme subiam as encostas, encharcados
de sangue e suor, os romanos desfaziam suas ordenadas fileiras. Ao mesmo tempo,
os caledônios não se rendiam. Conforme viam o inimigo reduzir sua marcha
decidida, mais se ordenavam e se amontoavam, dificultando ainda mais a vida dos
romanos.
A cavalaria Caledônia, montada em pôneis, tomou coragem e
avançou ameaçadoramente em direção aos romanos.
Apreensivo, Agrícola fez soar a trombeta, sinal para o
avanço da cavalaria, até então recuada. Imediatamente, a coluna tornou-se
linha. Novo trombetear, agora os homens baixaram suas lanças. Após o terceiro
toque, a cavalaria partiu, exalando a selvageria que lhe era característica.
A matança se prolongou até o cair da noite. Calcula-se que
tenham massacrado cerca de 10 mil caledônios. Cálgaco teria sido um deles.
Agrícola saiu da batalha sem um arranhão sequer. Dentre os ajudantes “romanos” –
como se sabe, eram todos bárbaros -, apenas 360 baixas. Dentre os legionários,
zero mortos.
Tácito descreve o cenário testemunhado com o nascer do sol
na manhã seguinte: “Um silêncio terrível se instalara por toda parte. Os montes
estavam desertos, as casas fumegavam a distância e nossos batedores não
encontraram ninguém”.
O que Cálgaco professara, os romanos reafirmaram: Roma
fizera uma devastação e chamava isso de paz.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Guerra: o horror da guerra e seu legado para a
humanidade”.
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