Em flagrante contraste com seus anos de ouro em meados dos
anos 1970, no carnaval de 1981, Anísio não desfilou. Ainda na área de
concentração, anterior à entrada na Passarela do Samba, Anísio foi vaiado, foi
xingado. Ouviu gritos: “Oh, Anísio, cadê o Jatobá?”, “Cadê o Jatobá? Cadê o
Jatobá?, “Assassino!”. Anísio se limitava a xingar de volta: “Tá na casa da
mãe!”.
Com medo de contaminar a Escola com as ofensas desferidas
contra di, abrigou-se no seu camarote.
Anísio recebia uma sequência de golpes fortes por conta do duplo
seqüestro e assassinato do pintor de paredes Misaque José Marques e do
publicitário Luiz Carlos Jatobá. Anísio conseguia envernizar sua imagem de
bicheiro por meio da Beija-Flor e de sua história vitoriosa na Escola, mas cultivar
uma boa imagem sendo acusado de seqüestro e homicídio poderia ser demais.
O crime ocorreu em Piratininga, região de praiana de
Niterói. As investigações apontavam como motivo, vingança; a execução teria
sido levada a cabo por policiais, a mando de Anísio. A vingança era motivada
pelo furto de jóias e dinheiro da casa do contraventor, dias antes. O objeto
mais sensível foi um cordão de ouro com um medalhão. Anísio afeiçoava-se tanto
com o objeto que teria oferecido recompensa em troca.
As vésperas do desfile de 1981 foram marcadas pela visível
irritação de Anísio com seu indiciamento no caso Misaque-Jatobá. A imprensa não
largava do seu pé. O recente passado vitorioso – Beija-Flor foi campeã em
1976-77-78 e 1980, empatada com a Portela; vice em 1979 – não poderia ser
manchado por causa de crimes cometidos pelo seu patrono.
Joãozinho Trinta trouxe como enredo para 1981 “A oitava das
sete maravilhas do mundo”. Esse tema buscava explorar o sucesso das Escolas de
Samba ao pô-las como a oitava Maravilha. A grandiosidade dos carros-alegóricos
era inédita.
Apesar do desfile brilhante, a Escola de Nilópolis ficou em
segundo lugar. O título foi conquistado pela Imperatriz Leopoldinense. O enredo
de Arlindo Rodrigues, “O teu cabelo não nega”, homenageando Lamartine Babo,
tornou-a favorita do público.
Os problemas de Anísio durariam um pouco mais. Em 11 de
maio, ele e cinco policais tiveram a prisão preventiva decretada. Apenas se
apresentou à justiça dois dias depois. Ficou preso até dia 20. Respondeu em
liberdade.
Os corpos de Misaque e de Jatobá nunca foram encontrados. Em
1983, Anísio, denunciado como mandante dos crimes, foi absolvido. Três
policiais foram sentenciados a três anos de prisão – depois reformada para
quatro.
Pelos 10 anos seguintes, Anísio sofreria pequenos percalços,
os quais superaria com relativa facilidade. O que ele não poderia prever era o
Calvário que estava se aproximando. Deste, ele nunca se recuperaria totalmente.
E esse Calvário tinha nome: Eliana Santos Muller de Campos, sua ex-esposa.
Eliana foi morta a tiros no dia 12 de agosto de 1991, ao
lado do namorado, Hercílio Cabral Ferreira, em Nilópolis. Antes, porém Eliana
deixou uma carta, guardada com a família de Hercílio, em que contava tudo o que
sabia sobre a vida do ex-marido. Sua missiva acusava Paulo Crespo, o Paulinho,
como um dos assassinos no caso Misaque-Jatobá. Sobre Anísio, ela escreveu: “Sabia
de tudo.”
Eliana morreu aos 44
anos. Hercílio conta 27, na época. Foram mortos em frente de casa. Após pararem
para conversar com um amigo, outra pessoa se aproximou e desferiu os disparos.
Um menor, apelidado de Pixinguinha, testemunhou a cena. O menor também foi
atingido por um disparo no olho, fingiu-se de morto e escapou com vida.
Antes do homicídio, Eliana comparecera duas vezes à
delegacia, denunciando ameaças contra sua vida. Os denunciados foram seu
próprio pai e seu irmão. Ambos eram empregados de Anísio no jogo do bicho.
Hercílio tinha a mesma atividade, até começar seu envolvimento com a mulher do
chefe e ser demitido.
Eliana expôs tudo em uma carta de nove páginas e pediu que
somente fosse publicada nos jornais caso algo ocorresse com ela e o namorado.
Eles seriam assassinados apenas dois meses depois. Além das denúncias
referentes aos caso Misaque-Jatobá, Eliana denunciou Anísio no homicídio do
policial Mariel Maryscotte e de ter se iniciado no crime como traficante de
drogas. Em suas próprias palavras: “Com 16 anos, enrolei muita maconha, para que
ele e eu tivéssemos uma sobrevivência e vendíamos...”
O envolvimento com Hercílio somente ocorreu após sua
separação de Anísio. Este irrritava-se ao vê-los juntos. Anísio chegou a exigir
que eles deixassem o município, mas aceitar ameaças não era do feitio da ex-mulher.
As denúncias que Eliana havia registrado na 57ª DP deram
início à persecução dos criminosos, levando ao indiciamento do pai e do irmão
de Eliana: Dauro e Raul. Após, Anísio apelou a sua rede de proteção oficial. O
escrivão de polícia João Carlos Viriato atrasou o quanto pôde a liberação dos
mandados de prisão. Pouco tempo depois, tornou-se Procurador-Geral do Município
de Nilópolis.
Mas não durou muito. Dauro e Raul foram presos. Raul foi
reconhecido por Pixinguinha.
Contudo, levar as investigações a cabo era virtualmente
impossível. O secretário de Polícia Civil e de Justiça, Nilo Batista, e o
diretor-geral da Delegacia da Baixada, delegado Hélio Luz, pediram a prisão
temporária de Anísio. Segundo Luz: “Não há condições de a polícia investigar
nada em Nilópolis com Anísio fora da cadeia. Seu tráfico de influência é muito
grande, inclusive na própria polícia. Queremos evitar possíveis subornos e
intimidações de testemunhas”.
Pouco mais de um mês após o homicídio de Eliana, Nelson
Abraão David se suicidou com um tiro na cabeça. Deixou um bilhete: “Peço perdão
aos meus amigos, à minha família, não consigo escrever nada...”
Embora tenha sido surpreendido por esses eventos trágicos, do
final do julgamento não trouxe muitas surpresas: o julgamento ocorreu em
Nilópolis; Anísio não foi indiciado; Dauro foi absolvido; Raul foi sentenciado
a 24 anos de prisão, pela morte de Hercílio e pelo olho perfurado de
Pixinguinha; ninguém respondeu pelo assassinato de Eliana.
(Continua!)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
Obrigado pelo conteúdo,
ResponderExcluirO tráfico de influência/interesses se contamina na própria família de Eliana desde o episódio, que mantém a boa relação com o Anísio e até certos negócios/ajudas ou mesmo o silêncio cômodo. A história soa como "ela arriscou demais, ela perdeu a razão" implicitamente.
Raul, já falecido vítima de um câncer, não é dado como o executor, parece ter acontecido uma articulação que levou o testemunho de pixinguinha com o próprio consentimento dele, por contrapartidas. Dario, o pai, tinha diversos indícios de falta de caráter, como agressor da mãe, por exemplo, e distanciamento dos filhos na criação.
Também algumas outras questões ficam em um breu para a nova geração familiar..
Uau, não sabia dessa história da família do Anderson Muller. Muito cabuloso. Que os falecidos descansem em paz!
ResponderExcluirParece coisa de filme sobre máfia
ExcluirQue todos descansem em paz.ual!! Realmente, que história cabeluda!! Gente comuniquem a todos CIDADÃOS PELO AMOR DE DEUS
ResponderExcluirInfelizmente a Eliana sabia muito e sabia também como funcionava e funciona até hoje as coisas em Nilópolis, eu lembro dessa noite tenebrosa, morava perto e ouvi os tiros do meu apartamento. Conhecia Hercílio, um bom rapaz, mas que comprou um ingresso sabendo como funcionava as coisas, trabalhava na apuração do bicho e vendia roupas de marca. Na vdd Eliana nunca aceitou a separação e começou uma guerra sem necessidade, sabendo dq poderia acontecer. E ainda atraiu o rapaz para essa tragédia. Tudo muito triste, Nilópolis tem dono e aqui o negócio é ser 🙈🙉🙊.
ResponderExcluirNa verdade, muito se comenta que foi Nelson, o irmão de Anísio que teria mandado executar Eliana, inclusive sem o consentimento de Anísio. Quando ele descobriu, confrontou o irmão duramente, já que Eliane era o amor da vida de Anísio e mãe do filho dele. Profundamente arrependido, Nelson se suicida um mês depois da morte de Eliane, dentro da quadra da Beija Flor.
ResponderExcluirTem coerência
ExcluirCredo que horror...mais gosto do Anísio... não me interessa se ele mandou matar a ex
ResponderExcluirToma tenencia rapaz ,gostar ê uma coisa e ser vonivente é outra .
ExcluirVindo aqui depois do desfile da Beija Flor!!
ResponderExcluirMeu Deus, quanta crueldade, família de bandidos!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirERRAR É HUMANO. QUEM ERRA SEMPRE PAGA PELOS SEUS ERROS. OS BONS SE ARREPENDEM. ANIZ É UM BOHOMEM E TEM UM GRANDE CORAÇÃO JÁ AJUDOU MUITA GENTE SEM INTENÇÃO ALGUMA. EU SOU UM DESCONHECIDO QUE QUE JÁ FREQUENTOU A CASA DELE UMA ÓTIMA PESSOA . ATT. AMG DO L. CARLOS
ResponderExcluirGente sinceramente, eu assistir o documentário "vale o que tá escrito" E eu tô esbasbacada com toda história. E aí apareceu o filho ator do Anísio e com isso fui querer saber quem era a mãe. Foi triste a mostre dela.
ResponderExcluir