O primeiro desfile de Escolas de Samba no Sambódromo da
Avenida Marquês de Sapucaí assistiu a uma Mocidade Independente rendendo
homenagens a contrabandistas e muambeiros, como sói ser seu patrono, Castor de
Andrade. Ele não temia processos, investigações ou prisões. Acusado de
contrabando, respondeu na avenida, com muito samba: “Mamãe eu quero Manaus /
Muamba, Zona Franca e carnaval”, entoava o público.
Vestidos de pirata, passistas eram liderados pela modelo
Monique Evans, rainha de bateria pela primeira vez. Era 5 de março de 184 e o
enredo “Mamãe, eu quero Manaus”, de autoria de Fernando Pinto contava a
história do contrabando em Terra Brasilis, desde D. João VI.
Castor saiu na avenida, mas seus três camarotes com capacidade
para 100 convivas, abrigava artistas, jogadores de futebol, autoridades civis e
militares. Nos anos seguintes Castor ainda ostentaria um camarote exclusivo
para oficiais das Forças Armadas. Consumia-se champagne, uísque e canapés em profusão.
Eram tempos de redemocratização, o uniforme verde-oliva se
despedia do Planalto. De perseguido nos anos 1960, passou a protegido do
regime. Desvencilhar-se-iam, porém sem mágoas. Deixou isso claro em uma
entrevista à revista Playboy. Quando perguntado qual nota daria ao governo
Costa e Silva, durante o qual foi preso, Castor respondeu: “Nota 10!”
O delegado Cláudio Guerra revelou qual a profundidade do
relacionamento de Castor com o regime militar: “Fui apresentado a Castor de
Andrade, que era o chefe dos bicheiros, o mais importante de todos. A relação
entre Castor e as Forças Armadas era tão próxima que ele tinha até uma
credencial do Cenimar. Ele gostava de usá-la para dizer que era agente, oficial
da reserva. Ele era atrevido.” Nada mal para quem foi preso pelo mesmo Cenimar,
anos antes...
O desfile de 1984 testemunhou outras cenas intrigantes. José
Caruzzo Escafura, mais conhecido como Piruinha, era outro bicheiro dono de
camarote na Sapucaí. Lá, podia-se avistar um efusivo Johnny Fugueiredo, filho
do presidente da República na época, o general João Figueiredo.
Interessante notar que o sogro de Johnny, Ozório Paes Lopes
da Costa, havia sido sócio de Castor numa metalúrgica, que levava o nome do
sócio bicheiro.
Aliás, essa Metalúrgica Castor renderia um episódio escandaloso,
que marcaria o apagar das luzes do regime ditatorial. Fornecedora de produtos
metálicos para o Exército, a metalúrgica estava quebrada, quando uma operação ocorrida
nos bastidores do SNI obrigou o Grupo Coroa-Brastel a assumi-la.
O nível de amizade entre Castor e o presidente Figueiredo pode
ser exemplificado com o convite de casamento expedido para o bicheiro e sua
família, para o casamento de Johnny com Rosana, filha do sócio Ozório. O
bicheiro não comparecer à cerimônia por temer prejudicar a imagem pública do
amigo.
Quando a Metalúrgica se encaminhava a passos largos em
direção à falência, Ozório escreveu a Delfim Netto, então da Secretaria de
Planejamento, pedindo ajuda financeira, proveniente do Banco do Brasil, ou
BNDES, ou Caixa Econômica. Justificava seu pedido pelo fato de políticas
recessivas adotadas pelo governo terem desequilibrado as contas da empresa.
Fundi-la a um grupo econômico mais forte parecia ser uma
solução mais viável, pois evitaria especulações acerca de tráfico de influência
na imprensa.
Escolheram o empresário Assis Paim Cunha, controlador do
grupo Coroa-Brastel. Empresário bilionário, seu sucesso se devia às Lojas
Brastel. Foi obrigado a comprar o abacaxi, mas impôs a condição de ter acesso
facilitado a empréstimos de bancos públicos.
O império de Paim veio abaixo quando foi obrigado a assumir
outro abacaxi, a corretora Laureano, em iminente intervenção do Banco Central.
Em junho de 1983, o grupo Coroa-Brastel foi liquidado pelo BACEN, deixando
atrás de si 34 mil investidores lesados.
Paim alegou ter sido ludibrido por Álvaro Armando Leal, que
prometera ao empresário que seria recompensado pelo governo caso assumisse o
pepino. Leal confirmou tudo ao Senado. Paim foi condenado a 8 anos e 3 meses de
prisão, que cumpriria em regime semiaberto. Perdeu tudo. Morreu em 2008.
(Continua!)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Os porões da contravenção”
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