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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

DO BICHO À MÁFIA: COMO TORTURADORES E BICHEIROS MOLDARAM O CRIME ORGANIZADO NO RIO DE JANEIRO – PARTE 12


O primeiro desfile de Escolas de Samba no Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí assistiu a uma Mocidade Independente rendendo homenagens a contrabandistas e muambeiros, como sói ser seu patrono, Castor de Andrade. Ele não temia processos, investigações ou prisões. Acusado de contrabando, respondeu na avenida, com muito samba: “Mamãe eu quero Manaus / Muamba, Zona Franca e carnaval”, entoava o público.

Vestidos de pirata, passistas eram liderados pela modelo Monique Evans, rainha de bateria pela primeira vez. Era 5 de março de 184 e o enredo “Mamãe, eu quero Manaus”, de autoria de Fernando Pinto contava a história do contrabando em Terra Brasilis, desde D. João VI.

Castor saiu na avenida, mas seus três camarotes com capacidade para 100 convivas, abrigava artistas, jogadores de futebol, autoridades civis e militares. Nos anos seguintes Castor ainda ostentaria um camarote exclusivo para oficiais das Forças Armadas. Consumia-se champagne, uísque e canapés em profusão.
Eram tempos de redemocratização, o uniforme verde-oliva se despedia do Planalto. De perseguido nos anos 1960, passou a protegido do regime. Desvencilhar-se-iam, porém sem mágoas. Deixou isso claro em uma entrevista à revista Playboy. Quando perguntado qual nota daria ao governo Costa e Silva, durante o qual foi preso, Castor respondeu: “Nota 10!”

O delegado Cláudio Guerra revelou qual a profundidade do relacionamento de Castor com o regime militar: “Fui apresentado a Castor de Andrade, que era o chefe dos bicheiros, o mais importante de todos. A relação entre Castor e as Forças Armadas era tão próxima que ele tinha até uma credencial do Cenimar. Ele gostava de usá-la para dizer que era agente, oficial da reserva. Ele era atrevido.” Nada mal para quem foi preso pelo mesmo Cenimar, anos antes...

O desfile de 1984 testemunhou outras cenas intrigantes. José Caruzzo Escafura, mais conhecido como Piruinha, era outro bicheiro dono de camarote na Sapucaí. Lá, podia-se avistar um efusivo Johnny Fugueiredo, filho do presidente da República na época, o general João Figueiredo.

Interessante notar que o sogro de Johnny, Ozório Paes Lopes da Costa, havia sido sócio de Castor numa metalúrgica, que levava o nome do sócio bicheiro.

Aliás, essa Metalúrgica Castor renderia um episódio escandaloso, que marcaria o apagar das luzes do regime ditatorial. Fornecedora de produtos metálicos para o Exército, a metalúrgica estava quebrada, quando uma operação ocorrida nos bastidores do SNI obrigou o Grupo Coroa-Brastel a assumi-la.
O nível de amizade entre Castor e o presidente Figueiredo pode ser exemplificado com o convite de casamento expedido para o bicheiro e sua família, para o casamento de Johnny com Rosana, filha do sócio Ozório. O bicheiro não comparecer à cerimônia por temer prejudicar a imagem pública do amigo.

Quando a Metalúrgica se encaminhava a passos largos em direção à falência, Ozório escreveu a Delfim Netto, então da Secretaria de Planejamento, pedindo ajuda financeira, proveniente do Banco do Brasil, ou BNDES, ou Caixa Econômica. Justificava seu pedido pelo fato de políticas recessivas adotadas pelo governo terem desequilibrado as contas da empresa.

Fundi-la a um grupo econômico mais forte parecia ser uma solução mais viável, pois evitaria especulações acerca de tráfico de influência na imprensa.

Escolheram o empresário Assis Paim Cunha, controlador do grupo Coroa-Brastel. Empresário bilionário, seu sucesso se devia às Lojas Brastel. Foi obrigado a comprar o abacaxi, mas impôs a condição de ter acesso facilitado a empréstimos de bancos públicos.

O império de Paim veio abaixo quando foi obrigado a assumir outro abacaxi, a corretora Laureano, em iminente intervenção do Banco Central. Em junho de 1983, o grupo Coroa-Brastel foi liquidado pelo BACEN, deixando atrás de si 34 mil investidores lesados.

Paim alegou ter sido ludibrido por Álvaro Armando Leal, que prometera ao empresário que seria recompensado pelo governo caso assumisse o pepino. Leal confirmou tudo ao Senado. Paim foi condenado a 8 anos e 3 meses de prisão, que cumpriria em regime semiaberto. Perdeu tudo. Morreu em 2008.

(Continua!)


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Os porões da contravenção”


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