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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

DO BICHO À MÁFIA: COMO TORTURADORES E BICHEIROS MOLDARAM O CRIME ORGANIZADO NO RIO DE JANEIRO – PARTE 13


Castor de Andrade conquistou muita riqueza e poder em função de seus contatos oficiais, prestação de pequenos favores, e pagamento de propinas em larga escala.

Mas não era tudo. A fidelidade de Castor ao sistema em que estava imbricado seria seriamente testada por ocasião das eleição estaduais de 1982. No Rio de Janeiro, o pleito era forte: de um lado, Leonel Brizola, do PDT, inimigo declarado do regime militar, o candidato mais odiado pela Rede Globo, pelos demais jornais, assim como por todo o establishment formado desde 1964; de outro, Moreira Franco, sociólogo, candidato do PDS, partido de sustentação da ditadura.

Moreira Franco recebeu toda a ajuda que poderia: Figueiredo cumpriu uma maratona de comícios e atos oficiais, pedindo votos para seu candidato. Ao mesmo tempo, trabalhava para prejudicar de todas as formas a campanha do dileto opositor.

Nesse momento, Castor de Andrade e demais bicheiros surgiram como um aliados dos mais importantes.
Em um comício em Volta Redonda, Anísio convocou Joãozinho Trinta e trezentos membros da Beija-Flor para a dificílima tarefa de tornar a imagem do general carrancudo mais tragável. Moradores de Complexo da Maré compuseram o samba “Rei da democracia”, cujos versos eram: “Samba, meu povo / Hoje é dia de alegria / Viva Figueiredo / O rei da democracia.”    

O cenário se repetiu em Nova Iguaçu. Mas parecia estar sendo improdutivo, pois pesquisas encomendadas pelo PDS apontavam larga vantagem a Leonel Brizola. E, dentre os bairros com maior vantagem para Brizola estavam Bangu e arredores. Castor, que até então agia às claras e de maneira discreta, sacou a carteira e convocou a tropa.

Montou comitês em Bangu, transformou o seu Cassino Bangu em ponto de concentração de cabos eleitorais de Moreira Franco, espalhou galhardetes, cartazes, organizou showmícios etc. Distribuía brindes e bugigangas, esforço que manteve até a votação.

Contabilizados os votos, Castor constatou o inevitável: Brizola contava amplo apoio da sociedade. Parecia impossível mudar a preferência do eleitorado.

Bom, como sabemos Castor era contraventor e criminoso. Portanto não se importava com o cometimento de atos ilegais. Se ele não obteve sucesso antes dos votos; tentaria agir depois, na contagem das urnas.
O modo como atuaria? Junto aos servidores e juízes da Justiça Eleitoral.

Em um dos pontos de apuração, em Senador Camará, onde se apuravam 168 mil votos, Castor era o responsável por fornecer mesas, instalou equipamentos de ventilação, frutas, água mineral e outros pequenos agrados. Em outro local de apuração, era visto constantemente com seus capangas, armados, apresentando-se como fiscais do PDS.

Um dos candidatos a deputado pelo PDT denunciou: “Castor coordena as parcialidades favoráveis ao PDS”.

Em outra oportunidade, um juiz eleitoral chegou ao extremo de expulsar uma repórter do local: “Quem manda aqui sou eu. Se pegar alguém nos banheiros, eu prendo. Retire à força essa repórter daqui!” A entrada de repórteres e cinegrafistas ó seria permitida após a intervenção de outro magistrado, que explicou: “Quando chegamos aqui, não tínhamos mesas, ventiladores, iluminação suficiente. Acordei todo mundo e o Castor de Andrade, como presidente do Atlético Clube Bangu, nos ajudou nessa infraestrutura. Se ele e fiscal ou delegado de algum partido, não sei, mas tem nos ajudado, sim”.

Difícil crer na lisura do pleito, quando os próprios magistrados agem de modo tão grato a quem os tirou da penúria, não?

Mas todo o esforço se revelaria improdutivo. Brizola recebeu 34,17% dos votos válidos, contra os 30,6% de Moreira Franco. Em Bangu, Brizola recebeu o dobro dos votos de Moreira Franco.

Castor entendeu o recado vindo das urnas e começou a buscar se afastar do regime que chegava ao fim. Nas sua declarações seguintes, passou a defender mudanças e criticar o “radicalismo” dos que apoiavam a situação.

Quanto à sua antiga amizade com Figueiredo, disse: “Não, não sou amigo do João. Só não fiu ao casamento (de seu filho, Johnny) porque quis evitar qualquer constrangimento. Só por isso. Eu já disse: tenho uma admiração por ele, mas acho que a administração do Planalto precisa ser renovada para que se aproveitem os acertos e se abandonem os erros. Vamos seguir acertando daqui pra frente”, contemporizou um diplomático Castor.

Em 1984, Castor geria seus investimentos pensando nos desafios de 1985. E o fez muito bem. Naquele ano seu time, o Bangu Atlético Clube seria vice-campeão carioca. No Carnaval, sua Mocidade conquistou o título em 1985, com o festejante “Ziriguidum 2001, carnaval nas estrelas.”  

Na política, não poupava elogios à política de Brizola em relação ao jogo do bicho. Castor investia jogando.
Em março de 1990, na casa de sua amante, Osman Pereira Leite foi morto com quatro tiros. Morria o policial, bicheiro, ex-presidente da Mocidade e, até poucos anos antes, braço direito do mais poderoso dos contraventores.

A parceria da dupla Castor e Osman se extinguiu no início dos anos 1980. O motivo foi uma acusação de que Osman estava fraudando o sorteio dos números da Paratodos, espécie de loteria dos bicheiros. Após ser alertado, Castor expulsou Osman do jogo do bicho e da Mocidade.

Osman, então se aliou a Marquinho, filho de Raul Capitão, e iniciaram, resolutos, uma guerra particular contra os antigos aliados. Esse episódio provocou o aumento dos índices de violência no Rio, nos estertores do regime que terminava.

Mas a dupla de intemeratos também lançava olhares ambiciosos em direção a outros estados. Na cidade de São Paulo, aliaram-se a Walter Spinelli Oliveira, o Marechal. Imediatamente entraram em conflito com todos os outros bicheiros locais.

Os novos inimigos logo se anunciaram. O carro de Marquinho foi metralhado no bairro da Lapa, em São Paulo, no momento em que ele não estava, milagrosamente, dentro do veículo. Dos outros quatro ocupantes, um morreu e outro ficou gravemente ferido. Marquinho sabia que o alvo era ele e suspeitava fortemente de que o mandante estava no Rio. Em setembro, revelou-se o nome do mandante: Castor de Andrade. Mas o alvo era, na verdade, Osman.

Marquinho vinha expandindo seus negócios: tomou bancas em Monte Claro, Três Corações e Patos de Minas, em Minas Gerais. Foi também acusado do seqüestro e homicídio do bicheiro Oziel Silva e sua esposa, em 1986. Este não queria vender suas bancas àquele.

Osman chegou a ser preso em Minas, pela polícia local, após estourarem uma “fortaleza” do bicho e prenderam 10 contraventores lá reunidos. A operação ocorreu em 1987, até quando Osman conciliava seu trabalho na 37ª DP com a contravenção, à sombra de Marquinho.

Osman saiu da presidência da Mocidade em 1979, por não ser permitida a reeleição. Ele acabara de ser campeão. Após sua saída, Arlindo Rodrigues também deixou a escola e foi contratado por Luizinho Drumond, bicheiro patrono da Imperatriz Leopoldinense. Foi contratado Fernando Pinto para seu lugar. Iniciou seu período na escola com o enredo “Tropicália Maravilha”.

Logo após ocorreu o imbróglio entre Osman e Castor.

Osman foi levado para a Unidos de Padre Miguel, vizinha da Mocidade. Mas não conseguiu recursos para fazer um bom desfile, pois a cúpula do bicho o isolara.

Osman tramou com Marquinho. Este, assumiu-se como patrono da União da Ilha. Osman ficou com a presidência e a representação da Escola na Liesa. Cobiçando um campeonato nos desfiles, levou Arlindo Rodrigues para sua nova agremiação.

Seu melhor ano foi em 1986, em quinto – deixando a Mocidade em sétimo.

Em 1988, Marquinho foi assassinado com seis tiros, na frente do seu prédio, no Leblon.

Com isso, Osman recebeu de Raul Capitão as bancas do filho. Na época do seu assassinato, Osman geria bancas na Ilha, Petróplis e Corrêas. Sua carreira na polícia estava suspensa, pois respondia a inquérito interno por atuar na contravenção. Apesar do desentendimento com Castor, o velório de Osman ocorreu na quadra da Mocidade.

(Continua!)


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Os porões da contravenção”

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